Ação civil pública - condições indignas de trabalho de vigilantes

AutorJanine Milbratz Fiorot
Páginas269-290

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO/RJ

O Ministério Público do Trabalho, pela Procuradora do Trabalho in fine assinada, com base nosarts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, ajuizara presente

Ação Civil Pública

em face de SEGIL - Vigilância e Segurança Ltda., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n. 40.170.029/0001-36, com endereço na Rua Conde de Linhares, n. 355, Campinho, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.341-140, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

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I Dos fatos

Em 29 de março de 2016, foi recebida denúncia informando que, após o réu ter perdido o contrato com o Município do Rio de Janeiro, os 150 vigilantes que atendiam a este contrato ficaram confinados em uma sala sem ventilação durante três semanas na sede da empresa (Doc. 01).

Nos exatos termos da denúncia:

1 - EM FEVEREIRO/2016 A INVESTIGADA PERDEU CONTRATO COM A PREFEITURA. NO DIA 1º DE MARÇO TODOS OS VIGILANTES QUE TRABALHAVAM NA PREFEITURA, PASSARAM A FICAR NA SEDE DA EMPRESA. OS 150 VIGILANTES, QUE TRABALHARAM NA PREFEITURA, FICARAM CONFINADOS EM UMA SALA SEM VENTILAÇÃO DURANTE TRÊS SEMANAS NA SEDE DA EMPRESA.

2 - ESSES TRABALHADORES SOFRERAM MAUS TRATOS, CONSTRANGIMENTOS PELO SR. DANIEL, GERENTE DA EMPRESA (SE OS VIGILANTES RECLAMASSEM DE ALGO, RECEBIAM UMA PUNIÇÃO: FICAR UNIFORMIZADO EM BAIXO DO SOL POR UM PERÍODO DETERMINADO; RECEBIAM 4 (QUATRO) DIAS DE 'GANCHO' NA MÉDIA; EMPREGADOS QUE CHEGASSEM UM MINUTO ATRASADOS, RECEBIAM FALTA E MANDAVAM DE VOLTA PARA CASA ALÉM DE RECEBER QUATRO DIAS DE 'GANCHO')

3 - OS FUNCIONÁRIOS ERAM OBRIGADOS A ENTRAREM NA EMPRESA SEM MOCHILA, SEM CELULAR, SEM ALIMENTAÇÃO E O UNIFORME TERIA QUE SER LEVADO EM SACOLAS PLÁSTICAS TRANSPARENTES.

4 - DURANTE AS 12 HORAS DE TRABALHO, OS FUNCIONÁRIOS FICAVAM SOMENTE COM UMA REFEIÇÃO (ALMOÇO).

5 - OS FUNCIONÁRIOS ERAM OBRIGADOS A ALMOÇAR FARDADOS

6 - NOS FINAIS DE SEMANA NÃO HAVIA PAPEL, HIGIÉNICO NOS BANHEIROS.

7 - NO DIA 18 DE MARÇO DE 2016 OBRIGARAM OS FUNCIONÁRIOS A ASSINAR O AVISO PRÉVIO SEM DATA. CASO SE RECUSASSEM, RECEBIAM JUSTA CAUSA. MANDARAM VOLTAR DIA 23 E 24. NESTES DIAS FORÇARAM OS FUNCIONÁRIOS A FAZER UM 'ACORDO' (OBRIGAVAM OS FUNCIONÁRIOS A SACAR A MULTA NO

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BANCO E DEPOIS DEVOLVER A MULTA PARA A EMPRESA PARA COBRIR OS 40% DO FGTS. NESTA DATA OBRIGARAM TAMBÉM OS FUNCIONÁRIOS AASSINAREM 3 FOLHAS DE PONTO EM BRANCO.

Devido à organização interna do MPT, a denúncia foi desmembrada em dois procedimentos, um restrito ao tema Assédio Moral e Abusos Decorrentes do Poder Hierárquico do Empregador e outro com o tema Coação sobre Trabalhadores, restrito ao item 7 da denúncia, que ainda continua sendo investigado no Inquérito Civil 001479.2016.01.000/5 - 005.

Naquele inquérito, a empresa prestou as seguintes informações em audiência realizada no dia 1º de abril de 2016 (Doc. 02):

[...] que a SEGIL prestou serviços para a Secretaria Municipal de Saúde até fevereiro de 2016; que, por conta dos atrasos no pagamento das faturas por parte da Prefeitura, a SEGIL resolveu não renovar o contrato de prestação de serviços, onde tinha aproximadamente 200 empregados alocados; que a SEGIL não tinha intenção de dispensar esses empregados, porque estava em vias de aumentar o efetivo de empregados no Aeroporto Santos Dumont, onde presta serviços; porém, a INFRAERO resolveu não ampliar o número de vigilantes, permanecendo com o número de 39; que, diante dessa mudança, a SEGIL realocou em torno de 100 dos 200 empregados em outros tomadores; que os demais, a SEGIL, a partir de 1º.3.2016 teve que mantê-los na sede da empresa, aguardando uma solução, pois não tinha numerário suficiente para pagaras verbas rescisórias; que a sede da empresa possui quatro banheiros e todos foram franqueados para uso dos vigilantes; que não ficavam 100 trabalhadores de uma só vez na sede da empresa, pois alguns ficavam no turno da noite e outros foram realocados em outros tomadores para cobertura de faltas.

Nesta mesma data, foi ouvido o primeiro trabalhador, Sr. Jairo Lucas da Silva Suplino que prestou o seguinte depoimento (Doa 03):

[...] que eram 150 empregados colocados em duas salas da sede; que havia cadeiras para que esses 150 pudessem sentar; que não tinha ar condicionado nessas duas salas, tampouco ventilador; que duas empregadas passaram mal em razão do calor que havia nessas salas; que a empresa proibiu os empregados de ficarem no pátio da empresa enquanto aguardavam "na reserva"; que a esses 150 trabalhadores eram disponibilizados apenas dois banheiros, sendo um masculino e outro feminino; que chegou a faltar papel higiénico nesses banheiros; que os banheiros eram limpos; que os empregados poderiam tomar água de um bebedouro colocado a disposição pela empresa, porém, os 150 empregados dividiam os dois únicos copos de plástico colocados a disposição pela empresa; que não podiam ingressar na sede com

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mochila e nem celular, e só podiam entrar com uniforme na mão; que deixavam o celular na casa de vizinhos da sede ou dentro dos carros de alguns colegas.

No dia 5 de abril de 2016, outros trabalhadores foram ouvidos, como o Sr. António Cleber Silva (Doc. 04), confirmando os fatos, com pequenas variações, tais como, a disponibilização de 4 copos ao invés de 2 copos para mais de 100 trabalhadores, o que, de fato, não faz a menor diferença.

[...] que na sede os mais de cem empregados só poderiam utilizar um banheiro masculino e um feminino; que havia cerca de cinco mulheres na sede e o restante eram homens, que havia revezamento de vigilantes para controlar o acesso ao banheiro masculino; que os homens não podiam utilizar o banheiro feminino; que a empresa disponibilizou em pouquíssima quantidade papel higiénico durante esse período; que a empresa disponibilizou um bebedouro com duas torneiras, contudo, não dava vazão a demanda; que a empresa disponibilizava apenas quatro copos para os mais de cem empregados tomarem água na sede.

Nesta data, o sócio majoritário da empresa, Sr. Gilson Pinto Correia, também foi ouvido (Doc. 05), quando confessou não haver condições físicas para alocaros trabalhadores na sede da empresa:

[...] que, desde o dia 1º.3.2016, esses 120 empregados ficaram instalados em duas salas, cada qual com capacidade máxima de 45 pessoas; que na sede da empresa há quatro banheiros e todos foram disponibilizados aos empregados; que no início, os trabalhadores cumpriram jornadas de 12 horas, com intervalo de 1h para almoço, tendo sido divididos em equipes de segunda a sexta e de terça a sábado; que havia trabalhadores cumprindo essa jornada de 12 h em dois turnos: diurno e noturno; que depois de terem sido orientados pelo Sindicato, a empresa dividiu a grupo de trabalhadores em três turnos de 6 horas; que, no turno da noite, os trabalhadores não passavam das 22h; que a empresa disponibilizou água para os trabalhadores; que, por medida de segurança, os trabalhadores não podiam ingressar na sede portando celular; que também passavam pelo detector de metais para ingressar no empresa.

Em seguida, o trabalhador Marcos Paulo Azevedo dos Santos confirmou, mais uma vez, que havia apenas "um banheiro e duas salas que não comportavam a quantidade de pessoas à disposição da empresa", confirmando também "que, a partir da terceira semana, a empresa dividiu os trabalhadores em três turnos: manhã, tarde e noite" (Doc. 06).

Ainda nos autos do inquérito civil, no dia 29.4.2016, o MPT ouviu mais três trabalhadores: Paulo Eduardo Hermínio Santiago, Igorda Silva Jesus dos Santos e Carlos Alberto Manoel da Silva (Doc. 07). Os três confirmaram todas as denúncias de maus tratos da seguinte forma:

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[...] que os depoentes foram transferidos para a sede no dia 28.2.2016; que ficavam uniformizados aguardando ordens para deslocamento para algum posto; que permaneciam na empresa 5x2, por doze horas diárias; (...) que na sede da empresa, entorno de 140 trabalhadores estavam na mesma situação e a noite, 22 trabalhadores; que ficavam em duas salas de aulas sendo cada uma delas com 30 a 40 assentos; que no local os trabalhadores se revezavam para ocupar os assentos, que não haviam ventiladores; que os demais trabalhadores ficam em pé; que ficavam na quadra de esportes sem cobertura; que a empresa não fornecia copos descartáveis; que não havia vestiários; que usavam um único banheiro, que a própria empresa deixava molhado, sem limpeza e sem papel higiénico; que o pessoal que ficava no turno da manhã, para a empresa não ter gastos com alimentação, depois de três ou quatro semanas os trabalhadores passaram a ser divididos por dois turnos; que o pessoal da noite passou a ser liberado por volta da 21 horas e 40 minutos, sendo que alguns continuavam à disposição; que não podiam entrar na sede da empresa com seus pertences, sendo apenas permitido a utilização de um saco transparente com o uniforme.

Evidente que o tratamento dispensado aos vigilantes na sede da empresa feriu a dignidade dos trabalhadores! Não somente pela falta de assentos, copos ou banheiro, mas, principalmente, pela falta de trabalho. Tanto é assim que o trabalhador José de Ribamar Pereira Coimbra desabafou, em seu depoimento ao MPT, dizendo que "durante a período que ficou confinado na sede da empresa, se sentiu num campo de concentração" (Doc. 08).

Em audiência administrativa realizada em 22.6.2016, nos autos do PP 001482.2016.01.000/3, o sócio majoritário da empresa ré, Gilson Pinto Correia, negou os fatos e, após ser questionado porque não deixou os empregados ficarem à disposição da empresa em suas próprias residências, já que não havia trabalho naquela oportunidade, respondeu simplesmente que...

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