Ação civil pública ajuizada pela procuradoria regional do trabalho do paraná em face de URBS - urbanização de curitiba S/A

AutorAndréa Silveira Lino Lopes
CargoProcuradora do Trabalho
Páginas64-95

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MERITÍSSIMO SENHOR JUIZ DA___ã VARA DO TRABALHO DECURITIBA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, com fundamento no sistema normativo do processo coletivo brasileiro (CF, LACP, LAP, CDC e, subsidiariamente, CPC e CLT) e na Lei Orgânica do Ministério Público da União — LOMPU (Lei Complementar n. 75/1993), vem propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

para defesa de direitos DIFUSOS e COLETIVOS com PEDIDO LIMINAR, em face da URBS — Urbanização de Curitiba S/A, sociedade de economia mista municipal, criada nos termos da Lei n. 6.155/1980, de 26 de julho de 1990, CNPJ sob n. 75.076.836/0001-79, com sede à Avenida Presidente Affonso Camargo, n. 330, Centro, nesta Capital, CEP 80060-090, pelas razões fáticas e jurídicas a seguir expostas.

I - Dos fatos

Em 15 de dezembro de 2008, o Prefeito Municipal de Curitiba aprovou o Decreto n. 1.356, que regulamenta, de acordo com o art. 1e, os serviços

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de transporte coletivo de passageiros na Capital do Estado do Paraná, em consonância com a Lei Municipal n. 12.597/2008.

O Anexo 1 do referido Decreto, dentro outros, traz os seguintes artigos (fls. 7 e ss. — sem grifos no original):

Art. 39. São requisitos para o exercício da função de motorista:

1 — atender as exigências previstas no Código de Trânsito Brasileiro — CTB e suas resoluções em vigor;

II — não ter deficiência física incompatível com a função;

III — não ser portador de doença infectocontagiosa grave;

IV — apresentar certidões negativas pertinentes expedidas pelo Distribuidor Criminal.

Parágrafo único. Cumpridas as exigências deste artigo, a URBS fará o cadastro, emitindo identificação funcional, ficando o motorista considerado apto para a função.

Art. 40. São requisitos para o exercício da função de cobrador:

I — ser maior de 16 (dezesseis) anos;

II — ter concluído o ensino fundamental;

III — possuir certificado de participação em Curso de Capacitação para Cobrador, ministrado pelo SEST/SENAT;

IV — não ter deficiência física incompatível com a função;

V — não ser portador de doença infectocontagiosa grave;

VI — apresentar certidões negativas pertinentes expedidas pelo Distribuidor Criminal.

§ 1e Os cobradores cadastrados no sistema até a data da publicação deste regulamento e que não atenderem ao disposto no inciso III, deste artigo, poderão ser admitidos e/ou mantidos pelas contratadas.

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§ 2- Cumprindo as exigências deste artigo, a URBS fará o cadastro emitindo identificação funcional, ficando o cobrador considerado apto para a função, (fl. 21)

Lado outro, a norma do art. 21, VI do mesmo Decreto assim dispõe:

Art. 21. Constitui obrigação das contratadas, prestar o serviço delegado de forma adequada à plena satisfação dos usuários, conforme disposições estabelecidas em lei, nos regulamentos, editais, contratos e determinações, em especial:

(...)

VI — operar somente com pessoal devidamente capacitado e habilitado, cadastrado na URBS, mediante contratações regidas pelo direito privado e legislação trabalhista, assumindo todas as obrigações delas decorrentes, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o contratante; (fl. 13).

Em 16 de fevereiro de 2009, o Diretor de Transporte da URBS encaminhou correspondência às empresas de transporte coletivo, tal como feito à empresa Araucária Transporte Coletivo Ltda., consoante fl. 5, solicitando que se tomassem as medidas necessárias para o atendimento integral dos arts. 39 e 40 do Decreto n. 1.356/2008, supracitado, in verbis:

Solicitamos tomar as medidas necessárias a partir desta data, para que o encaminhamento para cadastro na URBS, do pessoal de operação (motoristas e cobradores) atenda integralmente os arts. 39 e 40 do Regulamento em vigor— Decreto Municipal n. 1.356/2008.

Outrossim, informamos que para a obtenção das certidões negativas criminais expedidas pelo 1e e 2e Ofício do Distribuidor, podem ser obtidos na Rua XV de Novembro, n. 362 ou Av. Cândido de Abreu, n. 535; e ainda a certidão negativa de registros das sessões judiciárias federais, pode ser obtida através do site (...) (fl. 5).

Em 20 de fevereiro, a Diretora da empresa Araucária enviou um pedido de informações ao Ministério Público do Trabalho, solicitando orientações a respeito da colisão entre o Decreto e o Termo de Ajustamento de Conduta n. 767/2001, assinado em 17.12.2001 pela empresa e o MPT (fl. 4). Isto porque, no TAC, a empregadora comprometeu-se a não solicitar certidões de antecedentes criminais dos candidatos a emprego, mas o novel Decreto passou a exigir tal requisição, o que faria a empresa ter de optar por desrespeitar ou o TAC ou o Decreto Municipal.

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Desta feita, conforme o Despacho de fl. 3, a Procuradora Coordenadora de Primeiro Grau entendeu "conveniente que seja instaurado procedimento em face da URBS, já que é ela quem está fazendo a exigência das empresas de transporte coletivo e eventual inconstitucionalidade do Decreto Municipal poderá ser discutida incidentalmente ao procedimento ou ação judicial que se torne necessária em seu curso".

Em 3 de agosto de 2009 distribuiu-se a Representação n. 849/2009, conforme fl. 66, que foi convertida em Procedimento Preparatório, de mesmo número, para apuração das denúncias de discriminação a trabalhadores por conta de informação desabonadora (Tema 6.1.8 do Temário do MPT), em 4 de agosto de 2009 (fl. 67).

Em 29 de setembro de 2009 (fl. 71) houve uma audiência administrativa com a presença do MPT, na pessoa de sua Procuradora, e do representante da URBS e seu causídico. Como a empresa tomara conhecimento do Procedimento apenas na data da audiência, deferiu-se prazo de 15 dias para manifestação.

Em 14 de outubro de 2009 (fls. 96-97), a URBS manifestou-se no sentido de que "não possui competência formal para promover qualquer alteração em tal diploma [Decreto Municipal], vez que tal incumbência é exclusiva do Município de Curitiba". Ademais, "enquanto o referido Decreto subsistir, a URBS prezará pelo seu integral cumprimento (...) porém, caso a municipalidade decida, de acordo com sua conveniência, alterar o Decreto, a URBS acatará eventuais novos ditames".

Aprazada audiência para 8 de dezembro de 2009 (fl. 104), compareceram representadas legais da Prefeitura Municipal de Curitiba e da URBS. O representante da primeira alegou que a edição do Decreto é meramente formal, "uma vez que as condições técnicas são dadas pela URBS"; por sua vez, o representante da segunda alegou que por se tratar de serviço público, as exigências do Decreto são legais e necessárias.

Na sequência, a URBS apresentou a manifestação de fls. 105/133, novamente defendendo a necessidade e conveniência do ato ora impugnado.

Compulsando os autos, verifica-se a impossibilidade de resolução do conflito pela via administrativa, não restando outra opção ao MPT que não a propositura da presente Ação Civil Pública.

II - Do escopo da demanda judicial e da legitimidade do parquet

Como corolário da defesa de direitos difusos e coletivos stricto sensu, registra-se não se buscar, na presente demanda, a defesa de direitos individualmente lesados, seja de forma homogênea, seja por ilicitudes diversas.

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Não obstante, em várias hipóteses, possua o Parquet legitimidade para tanto, nesta ação tem-se como foco o ato ilícito em si, bem como os danos genéricos por este causado.

Logo, o que propõe o Ministério Público como a presente demanda coletiva (ação civil pública) é a defesa da ordem jurídica (CF, art. 127, caput), garantindo-se não só o acesso à Justiça, como também protegendo--se o interesse transindividual e indivisível no cumprimento de norma de ordem pública (CDC, art. 81, parágrafo único, I e II, c/c art. 82,I).

Ademais, a legitimidade ativa do MPT é incontestável, consoante a jurisprudência pacificada do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 9§ Região:

TRT-PR-09-06-2006 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. A demanda trata da pretensa violação de direitos coletivos. Refere-se a direito indivisível (discriminação) de sujeitos indeterminados, embora determináveis (grupo de trabalhadores abrangidos pela categoria econômica da ré). Assim sendo, tanto a natureza dos direitos ou interesses ditos violados, quanto a indeterminação ou potencial determinação do grupo de trabalhadores, revelam que se tratam de direitos e interesses inseridos, portanto, na categoria dos interesses e direitos coletivos, cuja defesa comporta o manejo da ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho, conforme previsão da LC n. 75/1993. (TRT-PR-98918-2004-014-09-00-6-ACO-17006-2006 — 4a Turma. Relator: Arnor Lima Neto. Publicado no DJPR em 9.6.2006.)

TRT-PR-17-01-2006 TUTELA INIBITÓRIA COLETIVA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade adcausampara invocar a tutela inibitória coletiva, veiculada em ação civil pública, para impedir que as empresas se utilizem de banco de dados, tomem ou prestem informações criminais relativas...

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