Abuso sexual

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas90-98

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Ao lado do abandono familiar, da falta de vagas e a destacada evasão escolar, o abuso sexual constitui-se numa das formas mais contundentes e deletérias de violação dos direitos infanto-juvenis.

A dramaticidade, porém, é silenciosa, uma vez que as vítimas nada denunciam ou sequer comentam a respeito do assunto. Trata-se de verdadeiro tabu familiar. Porém, quando denunciam não são respeitadas, ouvidas ou consideradas.

Do mesmo modo, as punições civis, penais e administrativas são pífias e estimulam a impunidade. Na verdade, o aparelho estatal não possui condições de punir os infratores e, muito menos, promover a integral recuperação - social, médica e psicológica - das vítimas. Assim, os abusos sexuais praticados contra as crianças e os adolescentes ocorrem de diversas maneiras e em situações, épocas e culturas bastante diversificadas, porém, com características específicas: poucas vezes seus praticantes são punidos pelo Estado; e as vítimas são esquecidas no limbo social.

Os problemas são graves e continuamente tratados de forma pouco adequada no Brasil.

Apesar da atualidade, a questão do abuso sexual não é nova e sempre esteve agregada à história da Humanidade constituindo-se, evidentemente, um dos sérios problemas mundiais de saúde pública, portanto, de difícil solução e enfrentamento.18

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Antes de demonstrar a drástica realidade, é necessário informar que os dados estatísticos, inseguros e muitas vezes, conflitantes, referem-se a dez por cento dos casos que são notificados aos órgãos públicos competentes. A maioria dos casos de abusos sexuais sequer aparecem nas estatísticas oficiais. A notificação dos casos, portanto, é mínima.

Alguns fatores concorrem para a diminuta quantidade de casos denunciados. Falta de órgãos públicos para a coleta de dados; de profissionais da área de saúde; de professores preparados para percepção dos casos; e a notória impunidade dos transgressores que, ao final dos processos criminais, normalmente absolvidos, retornam para suas casas e continuam a morar com as vítimas. São, efetivamente, fatores que concorrem para a diminuta quantidade de situações denunciadas.

Dentre os dados coletados, alguns chamam atenção e merecem aprofundamento temático.

O link de Notícias do STJ informa que, a cada ano, no mundo, um milhão de crianças são vítimas de exploração sexual. No Brasil, a prática sexual ilícita atinge o subtotal de 300.000 crianças e adolescentes, na faixa etária entre 8 e 17 anos.19Para os objetivos do presente trabalho, tomando-se o local da ocorrência dos fatos, como referencial, é possível dividir a prática sexual ilícita em dois grandes grupos: no primeiro grupo, estão aqueles que ocorrem dentro dos lares e/ou casas; no segundo grupo, estão os abusos sexuais que acontecem fora das residências. É claro que historiadores, psicólogos, médicos, assistentes sociais, educadores e os demais atores sociais adotam outros referenciais teóricos divisórios.

A duplicidade panorâmica das situações, a partir do local, foi escolhida com o objetivo de facilitar o entendimento da temática para seu posterior enfretamento, pela família, pela sociedade e pelo Estado, seja na forma extrajudicial ou na jurisdicional.

No primeiro grupo, as diversas formas de violência física ou moral, caracterizadoras dos abusos sexuais, ocorrem no recesso ou interior dos lares. São delitos praticados no anonimato, na imensa maioria dos casos. Dificilmente são denunciados. Além dos deletérios efeitos na formação moral das vítimas, quase sempre em tenra idade, que na maior parte das vezes permanecem em silêncio, apresentam-se como de dificílima elucidação policial ou judicial.

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No segundo grupo, as lesões de direitos infanto-juvenis, na esfera da proteção sexual, ocorrem fora das residências, ou seja, nas ruas, nas avenidas, nos estabelecimentos comerciais e em outros locais diferentes do recesso familiar.

Uma diferença básica é que, no último grupo, a vítima concorre mais diretamente para a prática dos atos sexuais, seja seduzida ou estimulada por questões financeiras, inclusive sustento próprio ou de seus familiares ou para alimentar o submundo do crime, especialmente a rede de narcotraficantes.

É bom relembrar que, embora do ponto de vista jurídico possa ser aberta ampla discussão sobre os traços diferenciadores dos dois padrões de comportamento proibidos pelo CP e por várias normas penais fixadas no ECA, inclusive em relação à tipicidade, elementos subjetivo e normativo do tipo, nexo causal, dentre outros, a preocupação maior é apresentar alguns dos aspectos negativos das respectivas condutas proibidas, na vida e desenvolvimento físico e mental das crianças e dos adolescentes e, no final, propor medidas a...

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