Abuso do direito de recorrer

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas495-499

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34.1. Noções gerais

Embora a probidade processual deva ser a nota característica dos litigantes em processo judicial, não é incomum sentir-se a presença daqueles que nenhuma consideração nutrem pelo sentimento de justiça, e que não hesitam em utilizar dos recursos com intuito desleal e procrastinatório. É o que a doutrina e a jurisprudência identificam como abuso do direito de recorrer (ou abuso do exercício do direito de recorrer).1096

34.2. Probidade processual

O processo é um dos campos mais férteis à invasão do abuso e da malícia.1097

Por isso, uma das preocupações fundamentais do legislador é a de preservar um comportamento ético dos litigantes e de seus procuradores.1098

O processo é "um instrumento posto à disposição das partes não somente para a eliminação de seus conflitos e para que possam obter respostas às suas pretensões, mas também para a pacificação geral na sociedade e para a atuação do direito. Diante dessas suas finalidades, que lhe outorgam uma profunda inserção sociopolítica, deve revestir-se de uma dignidade que corresponda a seus fins".1099

Por isso, é dotado de indiscutível conteúdo ético.1100

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Para haver processo justo, portanto, é essencialmente refratário que as partes ajam com probidade processual, e não com dolo, malícia, fraude, esperteza, embustes, artifícios e mentiras.1101 Lealdade e a boa-fé, então, é o que se espera e se exige dos litigantes.1102

34.3. Direito de recorrer

O direito de recorrer não corporifica garantia absoluta, mesmo diante do status constitucional dos princípios do duplo grau de jurisdição e da ampla defesa. Os direitos fundamentais não são imunes a restrições que decorrem, também e principalmente, das garantias da efetividade e da razoável duração do processo (supra, n. 11.4.2).1103 Daí porque não é lícita a utilização do recurso destituído de

mínima fundamentação aceitável.1104

São lamentáveis, então, as decisões judiciais que permitem o abuso do direito de recorrer sob o pretexto de que a previsão legal do recurso é excludente da improbidade.

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34.4. Abuso do direito de recorrer

De acordo com a ciência jurídica moderna, há uso abusivo do direito processual sempre que for ofendido o sentimento predominante de justiça.1105 O direito de recorrer, por isso, deve ser exercido com responsabilidade,1106 caracterizando-se o abuso quando "transpareça o dolo (intenção de prejudicar), o erro grosseiro, equivalente ao dolo, ou, pelo menos, o espírito de aventura ou temeridade".1107

Não se admite, portanto, que a parte provoque a atuação da instância revisora ciente da ausência de validade de seus próprios argumentos.1108 Não se admite, ainda, que insista em teses amplamente superadas,1109 juridicamente

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inadmissíveis ou infundadas,1110 bem como em relação àquelas que, por absoluta inconsistência, não é possível crer que nela acredite.1111

Ao restar evidente que o litigante está se aproveitando do legítimo direito de recorrer para, sem motivação pertinente e mediante alegações puramente retóricas, retardar a satisfação do direito, tipificada estará a improbidade.1112

34.5. Repressão ao abuso do direito de recorrer

A ideia de humanização do processo, timidamente discutida pela doutrina, traduz a noção de processo com feições mais humanas e menos técnicas, no sentido de valorizar o homem em sua essência.

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É reprovável, então, que as partes se sirvam do processo "faltando ao dever da verdade, agindo com deslealdade e empregando artifícios fraudulentos; porque tal conduta não compadece com a dignidade de um instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores para atuação do direito e realização da Justiça".1113

Não se pode, portanto, de maneira alguma tolerar a improbidade processual. "Nenhuma forma de má-fé é admissível, por parte dos sujeitos do processo, se o modelo ideológico constitucional foi plasmado e endereçado a conferir o grau máximo de acatamento moral das formas de tutela judiciária e das estruturas publicísticas, por meio das quais a justiça é administrada."1114

Não pode o juiz ser complacente na repressão ao abuso do direito processual,1115 não obstante tenha de ser sereno e equilibrado para sopesar corretamente os fatos, sob pena de se tornar um mero espectador e cúmplice das atitudes comportamentais desonestas. Impõe-se, por isso, postura intransigível para, sem subterfúgio ou compaixão, aplicar reprimenda corretiva e pedagógica, a fim de tornar o processo um meio preciso e seguro de realização da justiça.1116

[1096] "A teoria do abuso do direito é uma reação contra a rigidez das disposições legais e da aplicação mecânica do direito" (SOSA, Gualberto ucas. Abuso de derechos procesales. n: MOREIRA, José Carlos Barbosa (coord.). Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: orense, 2000. p. 49).

[1097] Segundo Satta e Punzi, a violação ao dever de probidade "si concreta nell’attività dolosamente Segundo Satta e Punzi, a violação ao dever de probidade "si concreta nell’attività dolosamente preordinata al fine diottenere una ingiusta posizione di vantaggio" (SATTA, Salvatore; PUNZ , Carmine. Diritto processuale civile. 13. ed. Padova: Cedam, 2000. p. 117).

[1098] O "proceso debe servir para discutir lo discutible, pero no para negar la evidencia, ni para rendir por cansacio al adversario que tenga razón; ha de representar un camino breve y seguro para obtener una sentencia justa y no un vericuete interminable y peligroso para consumar un atropelo" (A CA Á-ZAMORRA Apud ARAÚJO, Justino Magno. Os poderes do juiz no processo civil moderno - visão crítica. Revista...

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