Abertura, manutenção e fechamento da casa de saúde Santa Teresa: trajetória manicomial do cariri cearense

AutorLeda Mendes Gimbo, Magda Dimenstein, Jader Leite
Páginas28-53
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 246, p. 28-53, jan./abr., 2019 | ISSN 2447-861X
ABERTURA, MANUTENÇÃO E FECHAMENTO DA CASA DE SAÚDE
SANTA TERESA: TRAJETÓRIA MANICOMIAL DO CARIRI CEARENSE
Opening, maintenance and closing of The Santa Teresa Health House: manicomial
trajectory of Cariri cearense
Leda Mendes Gimbo (UFRN)
Magda Dimenstein (UFRN)
Jader Leite (UFRN)
Informações do artigo
Recebido em 26/11/2017
Aceito em 09/06/2018
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n246.p28-53
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
GIMBO, Leda Mendes; DIMENSTEIN, Magda; LEITE,
Jader. Abertura, manutenção e fechamento da Casa de
Saúde Santa Teresa: trajetória manicomial do Cariri
cearense. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de
Humanidades, Salvador, n. 246, jan./abr., p. 28-53,
2019. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2019.n246.p28-53
Resumo
A história da loucura no Brasil é indissociável da história dos hospitais
psiquiátricos, uma vez que a organização das cidades e sua higiene,
pautadas nos moldes franceses do século XIX, dependiam dessas
instituições para a manutenção da ordem social. A região do Cariri
cearense contou com a existência de um hospital psiquiátrico (Casa
de Saúde Santa Teresa) que funcionou a partir da década de 1970.
Sua inauguração não foi uma aleatoriedade, mas fruto de formações
discursivas específicas e relações de saber e poder que constituíram
o alicerce para que o hospital abrisse suas portas na região, bem
como para se manter em funcionamento até os dias atuais. A Casa
de Saúde S anta Teresa foi uma instituição privada, credenciada,
inicialmente, ao Instituto Nacional de Previdência Social e,
posteriormente, ao SUS, recebendo financiamento público. Sua
localização geográfica favoreceu o atendimento às pessoas da
região do sul do Ceará, mas também do interior dos estados de
Pernambuco, Paraíba e Piauí. Até fechar, contou com 200 leitos
cadastrados ao SUS, atendeu em regime ambulatorial e de
internamento para uma dia de 400 pessoas/mês. Apesar do
intenso fluxo de atendimentos, e por se tratar da única referência
para atendimentos d e urgência, emergência e para situações de
crise, o hospital encerrou seus anos de funcionamento em fevereiro
de 2016. Segundo dados da Casa de Saúde, não havia aumento no
valor das Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) desde o ano
de 2009, o que tornava inviável a manutenção e o funcionamento do
Hospital.
Palavras-chave: Hospital psiquiátrico. Reforma psiquiátrica.
Saúde Mental.
Abstract
The history o f madness in Brazil is inseparable from the history of
psychiatric hospitals, since the organization of cities and their
hygiene, based on the French mold of the nineteenth century,
depended on these institutions for the maintenance of social order.
The Cariri region of Ceará counted on the existence of a psychiatric
hospital (Casa de Saúde Santa Teresa) that operated from the 1970s.
Its inauguration was not a randomness, but the result of specific
discursive formations and relations of knowledge and power that
constituted the foundation for the hospital to open its doors in the
region, as well as to stay in operation until the present day. The Casa
de Saúde Santa Teresa was a private institution, initially accredited
to the National Institute of Social Security and later to the SUS,
receiving public funding. Its geographical location favored people in
the southern region of Ceará, but also in the interior of the states of
Pernambuco, Paraíba and Piauí. Until close it counted on 200 beds
registered to SUS, attended in an outpatient and inpatient system
for an average of 400 people / month. Despite the intense flow of
care and the only reference for urgent, emergency and crisis
situations, the hospital ended its operating years in February 2016.
According to data from the Health House, there was no increase in
the value of th e Authorizations (AIHs) since the year 2009, which
made it impossible to maintain and operate the hospital.
Keywords: Psychiatric hospital. Psychiatric reform. Mental
health.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 246, p. 28-53, jan./abr., 2019
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Abertura, manutenção e fechamento da Casa de Saúde... | Leda Mendes Gimbo, Magda Dimenstein e Jader Leite
O Hospital psiquiátrico como norma
Até a década de 1980, o Brasil adota hegemonicamente a hospitalização como
método de tratamento massivo à loucura. Tal movimento não se dá a esmo. No Brasil, a
história da loucura é também a história do escárnio e da exclusão da figura do louco, mesmo
antes da instalação dos hospitais psiquiátricos. Antes de adotar hegemonicamente a
hospitalização enquanto medida médica e higiênica sobre os corpos dessas pes soas, os
loucos eram direcionados às cadeias públicas ou Santas Casas, no intento de que não
causassem problemas ou incômodo às pessoas e ao funcionamento ótimo das cidades em
desenvolvimento. Dess a forma, não demorou para que espaços específicos fossem
destinados a esses sujeitos. A organização das cidades e sua higiene, pautadas nos moldes
franceses, não podia prescindir do hospital psiquiátrico e do int ernamento como forma de
tratar e/ou não permitir que a controversa figura do louco causasse entraves ao progresso e
à ordem social.
A a ssistência psiquiátrica sistematizada tem início no Brasil no ano de 1852, com a
inauguração do Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro. Em 1841, o provedor da Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro, José Clemente Pereira, havia iniciado uma campanha para a
instalação de um asilo. Os loucos deambulavam a esmo pelas ruas da cidade e, quando
causavam incômodo, eram conduzidos às cadeias públicas, mantidos em cárcere privado ou
assistenciados pelas Casas de Misericórdia (COSTA-ROSA, 2000). Contudo, ao contrário do
que aconteceu em outros lugares do mundo, o Brasil não possui uma vasta e registrada
história acerca de como seus loucos foram tratados até se tornarem internos nas instituições
asilares. O que se sabe é que, enquanto colônia de Portugal, durante o período imperial e até
idos do século XIX, com suas províncias em povoamento e expansão, os loucos brasileiros
eram, em grande maioria, responsabilidade de suas famílias, ora vagando pelas ruas das
cidades, ora encarcerados (ODA; DALGALARRONDO, 2005).
O cuidado institucional destinado a essas pessoas, vigente desde o século XVI (e que
perdurou até o meio do século XIX), era de ordem caritativa, gerido, em grande maioria, por
congregações religiosas, mas não exclusivo para os alienados. As Santas Casas e os hospitais
de província, antes que a psiquiatria adquirisse status de poder médico, tinham sob sua
responsabilidade o atendimento às parcelas pobres e desvalidas das populações provincianas
(órfãos, doentes, crianças abandonadas, mendigos e, entre esses, os loucos) e não eram
instituições de caráter médico-curativo. Outra possibilidade, mais especificamente medida

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