A sociedade aberta de intérpretes da Constituição: limites e possibilidades de aplicação à realidade constitucional brasileira

AutorFlavio Riche - Natália Braga Ferreira
CargoDoutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-RIO. Bacharel em Ciências Sociais pela UERJ. - Especialista em Direito, Estado e Constituição pela UNIPLAC. Pesquisadora do Grupo de Peter Häberle, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Páginas257-274
A sociedade aberta de intérpretes da
Constituição: limites e possibilidades de aplicação
à realidade constitucional brasileira1
Flávio Elias Riche2
Natália Braga Ferreira3
Resumo: No pensamento contemporâneo, a
hermenêutica desempenha um papel central
para a Teoria da Constituição. Tal entendimento,
contudo, comporta uma pluralidade de perspecti-
vas teóricas. O presente trabalho restringe-se à
análise do pensamento de Peter Häberle, em razão
de sua influência notória não apenas no constitu-
cionalismo português e espanhol, mas também no
brasileiro, sendo, neste caso, inclusive aplicado
em decisões recentes do Supremo Tribunal
Federal. Espera-se, assim, a partir do estudo do
que se tem tornado um dos principais marcos
teóricos do constitucionalismo pátrio, contribuir
para uma compreensão mais aprofundada de sua
própria realidade jurídico-social.
Palavras-chave: Tópica. Hermenêutica
constitucional. Sociedade aberta de intérpretes
da Constituição.
Abstract: In contemporary thought,
hermeneutics plays a central role for the
Constitutional Theory. This understanding,
however, includes a plurality of theoretical
perspectives. The present work is restricted to
the analysis of Peter Häberle’s thought, because
of its influence not only in the notorious
Portuguese and Spanish Constitutionalism,
but also in Brazil, in which case, also applied
to recent decisions of the Supreme Court. It
is expected therefore, from the study of what
has become a major theoretical framework of
Constitutionalism homeland, to contribute to
a deeper understanding of their own legal and
social reality.
Keywords: Topical. Constitutional
hermeneutics. Open society of interpreters of
the Constitution.
1 O texto resultou de pesquisas efetuadas no âmbito do Grupo de Pesquisa Direito e
Democracia, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) entre os anos de 2008 e 2009.
2 Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre
em Ciências Jurídicas pela PUC-RIO. Bacharel em Ciências Sociais pela UERJ. Bacharel
em Direito pela UNI-RIO. Coordenador do grupo de pesquisa Peter Häberle, do Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP). Diplomata de carreira. E-mail: f‌l avio.riche@
itamarati.gov.br
3 Especialista em Direito, Estado e Constituição pela UNIPLAC. Pesquisadora do Grupo
de Peter Häberle, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Assistente da Defensoria
Pública da União no Distrito Federal. Advogada. E-mail: nataliabraga@yahoo.com.br
A sociedade aberta de intérpretes da Constituição: limites e possibilidades de aplicação à realidade constitucional brasileira
258 Seqüência, no 60, p. 257-274, jul. 2010.
Introdução
Os métodos hermenêuticos surgidos mais recentemente na
Alemanha resultaram de uma crise da legalidade, de um estado de
descontentamento e inconformismo que se estabeleceu em relação ao
positivismo lógico-formal. Buscou-se, por conseguinte, desenvolver uma
teoria material da Constituição, cujo fundamento, a princípio, procede da
metodologia científico-espiritual de Rudolf Smend. Não obstante o caráter
precursor da obra deste grande juspublicista – um intento de superação da
análise meramente formalista que até então se desenvolvia na República
de Weimar –, é à tópica de Theodor Viehweg que devemos atribuir a
introdução das principais questões do debate alemão contemporâneo. Seja
na teoria concretizadora de Konrad Hesse, seja na metódica estruturante
de Friedrich Müller, ou na democratização do processo interpretativo
proposta por Peter Häberle, a presença do pensamento tópico-problemático
é notória.4
Dessa forma, os autores da Nova Hermenêutica convergirão em
determinados aspectos, tais como: a busca de um sentido mais profundo
das constituições; a negação da Lei Maior como um sistema lógico-
axiomático perfeito e acabado, tendo em vista o caráter eminentemente
aberto da ordem constitucional; a revalorização da teoria material da
Constituição em reação ao excesso de formalismo do positivismo clássico
(contudo, sem significar um retorno à concepção de Lassalle, visto que
a importância do elemento normativo não será totalmente desprezada –
principalmente nas teorias de Müller e Hesse); o reconhecimento da mútua
reciprocidade existente entre Direito e realidade, da interação dinâmica
que se opera entre eles, não mais confinando a realidade social ao espaço
pré-jurídico; a superação da antinomia entre o fático e o normativo,
excluindo a opção unilateral por um desses termos em detrimento do
outro; a não identificação das regras clássicas de interpretação com a
4 Todavia, cabe ressaltar que a tópica “pura”, enquanto primazia absoluta do problema
sobre a norma, será adotada plenamente apenas por Häberle. Tanto Hesse como Müller
recepcionam o pensamento de Viehweg com ressalvas, desenvolvendo uma tópica
“mitigada”, onde o elemento normativo não é desprezado (o que, de modo algum, nega o
fato de que esses autores se inspiram em larga escala na orientação tópica).

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