Abate Bovino e Rede Industrial: um estudo sobre a introdução e gestão racional e econômica das emoções dos animais
Autor | Ana Paula Perrota |
Cargo | Doutora em Sociologia e Antropologia, PPGSA-UFRJ. Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto Três Rios |
Páginas | 68-96 |
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n33p68
68 68 – 95
Abate bovino e rede industrial:
um estudo sobre a introdução e
gestão racional e econômica das
emoções dos animais1
Ana Paula Perrota2
Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir as novas exigências impostas ao mercado da carne para
atender as preocupações éticas com as condições de vida e morte dos animais. Essas exigências,
traduzidas nas normas de bem-estar animal e abate humanitário, levam os mercados a adotar
novas estratégias com vistas a adequar as suas formas de atuação em termos práticos e morais.
A partir dessa questão mais geral, esse artigo se deterá às atividades realizadas no frigorífico, e,
portanto, aos novos procedimentos que devem ser adotados para que o sofrimento dos animais
seja minimizado nesses ambientes. Para a realização dessa discussão, contarei com os dados
de pesquisa obtidos durante uma visita técnica ao frigorífico da cidade de Açailândia (MA) e
entrevistas com funcionários e ex-funcionários do local e agentes estatais ligados a produção
e fiscalização da carne. Nesse caso, discutiremos que a adoção de novas técnicas que visam
o bem-estar animal e o abate humanitário emergem como uma exigência que atende aos bons
padrões de produção da indústria. Assim, através de uma pressão externa e moral, essas novas
exigências são apropriadas e ressignificadas, tornando-se uma diretriz gerencial interna, implicada
com a lógica produtiva.
Palavras-chave: Estudos humano/animal. Sociologia e antropologia da moral. Bem-estar animal
e abate humanitário. Mercado da carne.
1 Introdução
A institucionalização nacional e internacional de normas de bem-estar
animal3 e abate humanitário que incidem nos processos de criação e abate
1 Uma versão preliminar desse trabalho foi apresentado no XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, 2015, no
Grupo de Trabalho Sociologia Econômica. Agradeço os debatedores pelos comentários, que foram fundamen-
tais para o melhor desenvolvimento do artigo.
2 Doutora em Sociologia e Antropologia, PPGS A-UFRJ. Professora da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro/Instituto Três Rios. E-mail: anapaula_perrota@hotmail.com
3 O termo “bem-estar animal” no contexto dessa discussão é apropriado de duas maneiras: primeiro, como uma
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Nº 33 - Maio./Ago. de 2016
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de animais de produção demonstram que o ato de matar animais para comer
passa por uma série de questionamentos que promovem mudanças no campo
econômico. O mal-estar em matar animais para nos alimentarmos, todavia,
não é um problema novo e nem especíco das sociedades urbanas e indus-
triais. De uma perspectiva antropológica, e segundo Claude Lévi-Strauss, ma-
tar animais para se alimentar coloca aos humanos, “tenham eles consciência
ou não desse fato, um problema losóco que todas as sociedades tentaram
resolver” (2009, p. 211). Em resposta a essa realidade, atualmente, o mercado
da carne é pressionado a levar em consideração a preocupação com a qualida-
de de vida e morte dos animais. Desse modo, observa-se que os agentes desse
mercado adotam novas estratégias com o intuito de reordenar em termos mo-
rais e técnicos a sua forma de atuação.
A partir dessas questões mais gerais, trataremos neste artigo as preocupa-
ções em torno do bem-estar animal e do abate humanitário, principalmente
no momento do abate, o que diz respeito a uma série de procedimentos téc-
nicos a ser adotados pelos agentes econômicos para minimizar o sofrimento
físico e emocional dos animais. Tendo em vista a extensa rede de produção da
carne, será privilegiado neste artigo o processo de abate, no ambiente do fri-
goríco, a partir das considerações sobre o manejo dos animais, que deve levar
em conta não somente a qualidade do produto e a segurança sanitária, mas
também as condições de vida e morte dos bovinos. Este artigo tem como fonte
de pesquisa, a discussão teórica sobre o assunto, bem como os dados recolhi-
dos durante trabalho de campo em Açailândia (MA), realizado em Junho de
2012. Esse trabalho de pesquisa contou com uma visita às instalações do fri-
goríco JBS-Friboi, e entrevistas abertas com funcionários e ex-funcionários
dimensão técnica, tal como o termo “abate humanitário”, assumida por cientistas, empresas, criadores de
animais e órgãos governamentais. Nesse caso, o termo pretende definir, com base em pesquisas científicas, as
diretrizes para o manejo dos animais de modo que seja destinado a eles um tratamento apropriado, conforme
preocupações morais, desde o nascimento até o momento do abate. Em segundo lugar, o termo é apropriado
por parte de movimentos políticos que lutam em favor dos animais. Aqui, bem-estar animal aparece como um
termo definitório de movimentos políticos que demandam que esse tipo de manejo dos animais seja cumpri-
do e aprimorado. Mas esses movimentos identificados como “bem-estaristas” contrastam com os chamados
“abolicionistas animais” que são contra as normas de bem-estar, com a justificativa de que essas normas não
garantiriam o fim definitivo de “exploração” dos animais. Os abolicionistas argumentam que mesmo com a
introdução dessa forma de manejo, os animais continuariam sendo confinados e mortos, por exemplo. Os
movimentos abolicionistas são, portanto, considerados radicais por defender o fim de todas as atividades que
fazem uso de animais, desde alimentação até entretenimento.
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