Desenvolvimento sustentável, desenvolvimento como liberdade e a construção da cidadania na perspectiva ambiental

AutorJean de Sousa Jardim
Páginas189-201

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1. Introdução

O desenvolvimento sustentável é o discurso aberto frente à necessária busca de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. Entretanto, percebe-se que a independência entre ambos é transparente. Nessa construção sustentável, a mobilização social mundial é a primeira trilha a ser desvendada pelo homem que percebeu a degradação como efeito de suas ações. Isto significa a possibilidade de tomada de postura na concretização de alianças gravitacionais no eixo de consenso mínimo sobre a relação entre o homem e o meio ambiente.

A Conferência ápice destas questões foi a das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), que colocou, no âmago das discussões, o combate à pobreza, pois a sua relação com a degradação é íntima, e seu combate, necessário, isto é, trazê-la ao ponto mínimo permite que o indivíduo se desenvolva como cidadão, em pugna constante com segmentos sociais no exercício da cidadania ambiental. Tal necessidade é a bandeira do desenvolvimento como liberdade proposta por Amartya Sen, na idéia das liberdades subjetivas em que o indivíduo necessita estar servido pelas mínimas condições de sobrevivência para ser um cidadão ambiental.

A inquietude por um meio ambiente saudável deve incorporar-se à significação de manutenção e conservação dos recursos naturais, muito embora sejam necessários avanços tecnológicos e científicos para capacitar a sociedade na busca pela qualidade de vida eficiente, pelo desenvolvimento sustentável eficaz, pela dignidade da pessoa humana no exercício da cidadania ambiental constante e na preservação de princípios ambientais coerentes.

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2. Sustentabilidade: desenvolvimento e preservação

Ao tratar de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável2, remetemo-nos ao impasse inevitável: como estabelecer equilíbrio entre o desenvolvimento econômico3, científico e tecnológico e a preservação ambiental? Talvez, a velha máxima de que os recursos ambientais não são esgotáveis tenha-se distanciado da atividade econômica, conduzindo-a à realidade com mais preocupação na idéia de conciliação do desenvolvimento frente à preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida4. De certa feita, surgiu a necessidade de desenvolver políticas de sustentação racional de recursos naturais, levando ao desenvolvimento econômico motivado pela transformação sociopolítica, tecnológica, legislativa, teórica, a buscar o equilíbrio sustentável no modelo de Estado intervencionista. Por isso, a base conceitual do novo paradigma, o do desenvolvimento sustentável5, em várias definições, representa a mobilizaçãoPage 192 social6 na questão ambiental em primeiro plano, na agenda política internacional. Assim, no dizer de Fiorillo:

“O princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação substancial entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar dos mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.”7

Percorre-se a idéia de que o “desenvolvimento sustentável consiste no progresso da atividade econômica compatível com a utilização racional dos recursos ambientais. Representando a rejeição do desperdício, da ineficiência e do desprezo por esses recursos”8. A problemática ambiental revela junções de alianças. Por esse refletir, Marcos Nobre dá-nos um significado justo:

“Desenvolvimento sustentável significa, de um lado, a concretização de alianças em termo de um consenso mínimo a respeito da problemática ambiental, e, de outro, a arguta tentativa de aproveitar um ambiente mundial de relativa distenção e de intensa mobilização social em torno das questões ecológicas, para levar a questão ambiental para o primeiro plano da agenda política internacional”.9

É inevitável associar a idéia de sustentabilidade ao significado de manutenção e conservação “ab aeterno” dos meios ambientais. “Isso exige avanços científicos e tecnológicos que ampliem permanentemente a capacidade de utilizar, recuperar e conservar esses recursos, bem como novos conceitos de necessidades humanas para aliviar a pressão da sociedade sobre eles”10 e o interesse tanto público como privado pela satisfação das necessidades humanas sem oPage 193 desprezo por parte do desenvolvimento econômico11 ao desenvolvimento sustentável, isto é, o descortinar do fim ao caos ambiental que se instalou na senda moderna pelo desenvolvimento como término das privações e construidor e manentedor das condições essenciais para o real envolvimento do ser humano por meio da igualdade e da liberdade frente à cidadania ambiental.

3. A perspectiva da liberdade

O homem só é valor porque, antes, é pessoa, sujeito moral com fim em si mesmo. Só é pessoa porque a sua essência agasalha-se no espírito e está no pensamento, onde a característica maior é ser livre. Sendo livre, autônomo, constitui-se não apenas como valor relativo mas também como valor intrínseco a sua dignidade. Basta em si mesmo, pois está no princípio do pensamento, no princípio do espírito. “Meu espírito, isto é, eu mesmo enquanto sou apenas uma coisa que pensa”12; total oposição à matéria e ao testemunho pleno da liberdade reflexiva do homem.

Segundo Locke, nos fundamentos de um governo político: “A liberdade é o fundamento de tudo quanto o homem pode ter na terra, é o primeiro dos bens civis do cidadão”. Entretanto, esse bem só pode ser e existir na comunidade de videntes, na troca com o outro. Não se pode conceber liberdade humana como ser “ilha”, pois nascemos uns para os outros na relação de necessidade intersubjetiva, em que o outro não é o limite de liberdade, mas a porta daPage 194 liberdade. Já em outra definição, de Meleau-Ponty, a liberdade só se realiza na capacidade de assumirmos nossa situação natural e social:

“O que é então a liberdade? Nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo. O mundo está já constituído, mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro aspecto, somos solicitados, sob o segundo, somos abertos a uma infinidade de possibilidades. Mas esta análise ainda é abstrata, pois existimos sob os dois aspectos ao mesmo tempo. Portanto, nunca há determinismo13 e nunca há escolha absoluta, nunca sou coisa e nunca sou consciência nua. Em particular, mesmo nossas iniciativas, mesmo as situações que escolhemos uma vez assumidas, nos conduzem como que por benevolência. A generalidade do’ papel’ e da situação vem em auxílio da decisão e, nesta troca entre a situação e aquela que assume, é impossível delimitar a ‘parte da situação’e a ‘parte da liberdade’”.14

Nessa relação de troca, escolhemos e somos escolhidos pelas coisas e pelo mundo. Só é possível vivermos uma liberdade condicional na cooperação, na reciprocidade, no compromisso. Pois, incondicionalmente, a liberdade está fincada na transcendência do espírito. Por isso, o caminho da liberdade, tal qual o da democracia, só se faz pelo da igualdade, pelo desacorrentar dos espíritos ante o alcance do outro como seu semelhante. É o apagar dos limites doentios do individualismo, o estancar da “meia –liberdade”, da “meia-igualdade jurídica” para que, do outro lado da cortina, as mãos enganadoras não nos tape os olhos e fira o coração15.

Por tudo e mais, o caminho da liberdade passa pela tolerância rumo à verdade de cada homem. Só assim, será possível ser livre e expressar-se na melhoria da sorte humana à senda constante da verdade, cujo fim é a liberdade. No dizer de Herbert Marcuse: “a verdade é o fim da liberdade” e deve a liberdade definir-se e limitar-se sempre por ela: a verdade. NessePage 195 ínterim, voz forte a favor da liberdade é, sem embargos, a democracia. É com ela que a liberdade de comportamento se desenha, descobre-se e constrói-se.

Na estrutura moderna, é impossível dissociar a idéia de liberdade no mundo imaterial da idéia de liberdade no mundo material, muito embora, a do mundo material seja a que...

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