A Dignidade Humana no Pensamento de Kant como Fundamento do Princípio da Lealdade Processual

AutorVinicius Pinheiro Marques - Sérgio Augusto Pereira Lorentino
CargoProfessor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) - Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC)
Páginas15-19

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Introdução

Sendo o processo por sua natureza eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade, agindo deslealmente e empregando meios fraudulentos. O processo é um instrumento posto à disposição das partes não somente para a eliminação de conflitos e para que possam obter respostas às suas pretensões, mas, antes de tudo, para a pacificação geral na sociedade e para a atuação do direito.

Diante dessas finalidades, que lhe outorgam uma profunda inserção sociopolítica, deve o processo se revestir de uma dignidade que corresponda a seus fins. Segundo Cintra et alli (2001), o princípio que impõe esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (juiz, partes, auxiliares da justiça, advogados e membros do Ministério Público), denomina-se princípio da lealdade processual. Por este princípio, o processo não pode prestarse ao abuso de direito. As regras processuais condensadas naquele princípio visam exatamente conter os litigantes e a lhes impor uma conduta que possa levar o processo à consecução de seus objetivos.

Embora o princípio da lealdade processual seja reconhecido pela doutrina e positivado no art. 14, inciso II, do Código de Processo Civil, tem-se como problema do presente artigo saber se é possível encontrar um substrato axiológico e filosófico para o referido princípio processual. Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é demonstrar que o princípio da lealdade processual pode ser sustentado na ideia de dignidade humana de Immanuel Kant.

Para alcançar o objetivo geral deste trabalho, será abordado inicialmente o conceito de jurisdição

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e direito processual, assim como as suas características, para, posteriormente, compreender o que vem a ser a relação jurídica processual e, sobretudo, quem a integra. Com estes conceitos fixados, é que se abordará detalhadamente a previsão normativa da lealdade processual para, ao final, correlacionar com a ideia de dignidade humana de Immanuel Kant.

1. Jurisdição e direito processual

Na lição de Theodoro Junior (2008) é impossível a vida em sociedade sem uma normatização do comportamento humano. Daí surgir o direito como conjunto de normas gerais e positivas, disciplinadoras da vida social. Mas não basta traçar a norma de conduta. O equilíbrio e o desenvolvimento sociais só ocorrem se a observância das regras jurídicas fizer-se obrigatória. Assim, o Estado não apenas cuida de elaborar leis, mas também institui meios de imposição coativa do comando expresso da norma.

Lado outro, diante das complexas relações sociais travadas, é impossível evitar conflitos de interesse entre cidadãos, ou entre esses e o próprio Estado, a respeito da interpretação de direitos subjetivos e da correta aplicação do direito objetivo aos casos concretos.

Para manter o império da ordem jurídica e assegurar a paz social, o Estado se utiliza da função de jurisdição, que incumbe ao Poder Judiciário, para exercer a missão pacificadora diante das situações litigiosas. Através dessa função, Carnelutti (1956) afirma que o Estado dá solução aos litígios, que são conflitos de interesse caracterizados por pretensões resistidas, tendo como objetivo imediato a aplicação da lei ao caso concreto apresentado e, como missão mediata, restabelecer a paz entre os particulares e, com isso, manter a da sociedade.

Para cumprir essa tarefa, o Estado utiliza método próprio que se denomina processo. Não obstante, com o intuito de regular esse método de composição do litígio, é que o Estado cria normas jurídicas que formam o direito processual. Diante desse quadro, Chiovenda (1969, p. 37) conceitua este como "ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição".

Conforme leciona Theodoro Junior (2008), a autonomia do direito processual frente ao direito substancial é inegável e se caracteriza por total diversidade de natureza e de objetivos. Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações jurídicas entre pessoas, o processual visa a regulamentar uma função pública estatal, sendo que seus princípios estão todos ligados ao direito público. Desta forma, devese registrar que, mesmo quando o conflito de interesses for eminentemente privado, há no processo sempre um interesse público.

2. Relação jurídica processual e sujeitos do processo

Nas considerações de Lacerda (2007) a relação jurídica de direito processual é formada por demandante, demandado e pelo Estado-juiz, sendo esta composição mínima. Diante da presença desses três sujeitos, que se verifica normalmente nos casos concretos, sendo dois parciais (demandante e demandado) e um imparcial (juiz), é tranquilo o entendimento de que a relação jurídica processual é tríplice.

Conforme registra Neves (2011), existe um dissenso doutrinário a respeito de a relação jurídica processual tríplice ser triangular ou angular. No primeiro caso todos os sujeitos têm relação direta (posições jurídicas) entre si, inclusive demandante e demando, enquanto que no segundo caso a relação entre esses dois sujeitos é indireta, passando sempre pelo juiz.

Cumpre consignar a...

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