Em busca da participação igualitária: a implementação de cotas de gênero nas eleições sindicais e o exemplo da CUT

AutorMilena Pinheiro Martins e Raissa Roussenq Alves
Páginas298-313

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Sé lo fácil que en Italia las Personas pueden desaparecer en las Instituciones": las palabras (y las mayúsculas) son de Passolini (1968). Para nosotras las mujeres pueden valer desde muchos puntos de vista: desaparecer, es decir, que tu identidad de mujer está comprimida - empujada a comprimirse - por los mecanismos institucionales; desaparecer, en el sentido de que tu relación con otras mujeres, en el interior y el exterior de la institución misma, no es reconocida y, por lo tanto, nuestra identidad colectiva resulta mortificada; desaparecer, porque tu compromisso femenil es encerrado en un ghetto, impidiéndole de esa forma influir en las decisiones generales. Asimismo, desaparecem os porque pensar las instituciones en feminino es considerado una actividad de cabildeo, contraria a los valores del conjunto. Los ejemplos podrían continuar. En una palabra, la Persona Mujer corre muchos más riesgos de desaparecer en las instituciones que la Persona Hombre; y se trata de riesgos suyos y sólo suyos.3

1. Introdução

Em seu artigo "As relações sociais de gênero no trabalho e na reprodução", Cláudia Mazzei Nogueira descreve a existência de uma divisão sociossexual do trabalho que subsiste tanto no espaço produtivo quanto no reprodutivo, isto é, tanto nos espaços em que se explora a relação capital/trabalho quanto, de forma persistente, em relação às tarefas domésticas. Tal divisão "expressa uma hierarquia de gênero que, em grande medida, influencia na desqualificação do trabalho feminino assalariado (...) desencadeando uma acentuada precarização feminina no mundo produtivo"4.

Conclui a autora, nesse sentido, que "os papéis ditos masculinos e femininos não são produto de um destino biológico, mas eles são antes de tudo constructo sociais, que têm como bases materiais, o trabalho e a reprodução. (Kergoat, s/d)"5.

A escolha do uso do termo gênero, cujas acepções são múltiplas, envolve aqui, especificamente, esse significado de designação das relações sociais entre os sexos :

O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as "construções sociais": a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O

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gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se tornou uma palavra particularmente útil, porque oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens. Apesar do fato dos(as) pesquisadores(as) reconhecerem as conexões entre o sexo e o que os sociólogos da família chamaram de "papéis sexuais", aqueles(as) não colocam entre os dois uma relação simples ou direta. O uso do "gênero" coloca a ênfase sobre todo o sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.6

Joan Scott destaca, ainda, que serve à reivindicação de poder político a existência de referências que parecem estar "fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem natural ou divina"7.

Emerge daí a importância dos movimentos sociais como questionadores das relações de gênero postas, desbiologizando-as como forma de questionar também a distribuição de poder nas mais diversas instâncias deliberativas das comunidades. É essencial, nesse sentido, que as estruturas em torno das quais se organizam esses movimentos não estejam contaminadas pela mesma lógica de naturalização dos papéis atribuídos a homens e mulheres.

Nos sindicatos, observa-se ainda uma resistência ao enfrentamento específicos das pautas relativas à condição da mulher no mercado de trabalho. Nesse sentido, propomos a adoção de cotas de gênero nas eleições sindicais como forma de inserção das mulheres nesses espaços, de modo que se incie, a partir do próprio sujeito de direitos aqui tratado, uma discussão sobre a divisão sociossexual do trabalho produtivo e reprodutivo relatados por Cláudia Mazzei.

2. Os movimentos de mulheres no Brasil e o feminismo operário

Após o golpe militar de 1964, ao mesmo tempo em que crescia a repressão política, ganhava força o capitalismo com a instalação de indústrias nas cidades e um intenso êxodo rural. Algumas mulheres entraram na luta armada, mas grande parte ingressou no mercado de trabalho, que as absorvia ante seu perfil supostamente mais submisso, a possibilidade de pagar salários mais baixos e o emprego em tarefas mais repetitivas, que exigiam pouca qualificação8.

Na luta armada, as mulheres sofreram discriminação por parte até mesmo de militantes, de modo que algumas guerrilheiras buscaram se aproximar de características tradicionalmente tidas por masculinas - em especial, o controle das emoções - em busca de aceitação. Por outro lado, outra parcela da população feminina iniciava, na década de 1970, mobilizações mais relacionadas às questões do lar e da família, como a luta contra a carestia, por creches etc.9.

Já por ocasião da aproximação entre movimentos feministas e outros movimentos de mulheres com objetivos mais ligados ao espaço reprodutivo, costumava-se afirmar que a discussão de assuntos mais ligados à condição feminina, como violência sexual e doméstica, direitos reprodutivos, dentre outros, "eram sexistas porque dividiam os homens e as mulheres, desviando-os da luta política"10.

Apesar de alguns movimentos de mulheres terem se desenvolvido a partir de questões ligadas à família e sem necessária ligação com feminismos, "essa mobilização fazia delas sujeitos sociais", vez que proporcionava que seu discurso começasse a "aparecer no domínio público"11. Assim é que, em 1978, ante a proposta de supressão, na legislação trabalhista, da proibição ao trabalho noturno feminino, a mobilização de mulheres operárias culminou no I Congresso das Trabalhadoras Metalúrgicas, em São Bernardo do Campo. Apesar de o encontro ter contado com a participação de cerca de 300 mulheres, nenhuma compôs a mesa condutora dos trabalhos12.

A pauta de reivindicações incluía pleitos específicos das metalúrgicas, como igualdade salarial, acesso a cargos de diretoria e maior participação política, dentre outros. No entanto, ressurgia o velho argumento da necessidade

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de homogeneização. Os dirigentes sindicais alegavam que a criação de departamento feminino nos sindicatos para tratar dessas reivindicações fragmentaria a luta dos trabalhadores, prejudicando-a)13. Sobre esse momento histórico, conclui Elisabeth Souza-Lobo:

A abertura desse espaço permitiu apenas vislumbrar o desenvolvimento de um feminismo operário, articulando exploração econômica e dominação sexual, capaz de trazer à tona ou reforçar as reivindicações sufocadas do cotidiano das operárias contra o autoritarismo e a violência sexista, apontado para práticas renovadas que articulassem reivindicações gerais e reivindicações específicas "levando em conta a totalidade das formas sociais assumidas pelas relações de classe" (Kergoat, 1982).

(...) As operárias passam a ser exclusivamente objeto específico de uma sociologia específica cujos temas e análises não são incorporados aos estudos sobre a classe operária ou o movimento operário, que permanecem exclusivamente masculinos.

(...)

Esse enfoque acarretou sérias consequências para o estudo do grupo operário feminino, na medida em que a separação entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo impossibilitava a compreensão da dupla inserção das operárias nas duas esferas, e escondia os elementos para a análise das práticas das operárias; da reprodução na fábrica de relações de gênero traduzidas na hierarquia entre os sexos no que se refere aos postos de trabalho, nas diferenças da qualificação feminina e da qualificação masculina, na assimetria entre o discurso sindical e o discurso das operárias.14

Assim, a interação entre feministas e movimentos de mulheres sindicalistas possibilitou, nesse contexto, a ampliação de perspectivas e de pautas, na medida em que permitiu a visualização dos pleitos das trabalhadoras a partir não só das opressões de classe, mas também das opressões de gênero.

O feminismo operário, ou feminismo sindical, introduz, dessa forma, a "‘especificidade feminina’, a problemática da particularidade do trabalho realizado pelas mulheres"15, tendo em vista que, para elas, "as práticas de trabalho não chegam a esgotar o questionamento das barreiras que as oprimem"16. Nesse sentido:

As feministas, como expressão de uma das vertentes deste movimento, traduzem a rebeldia das mulheres na identificação de sua situação de subordinação e exclusão do poder e buscam construir uma proposta ideológica que reverta esta marginalidade e que se concretize a partir da construção de uma prática social que negue os mecanismos que impedem o desenvolvimento de sua consciência como seres autônomos e que supere a exclusão. As feministas fazem do conhecimento e da eliminação das hierarquias sexuais seu objetivo central, e a partir daí se articulam com as outras vertentes do movimento de mulheres.17

A partir dessas novas perspectivas, relacionadas à desvalorização do trabalho feminino, às demandas de gestantes, à exclusão das mulheres dos postos de decisão, por exemplo, foi possível formular novas...

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