A corrosão do trabalho e a precarização estrutural

AutorRicardo Antunes
Páginas27-30

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Desde 2008 adentramos em uma nova fase da crise estrutural do capitalismo com a consequente ampliação da precarização do trabalho em escala global. As empresas globais - respaldadas pelos governos - alegam que precisam aumentar sua produtividade e competitividade, o que só pode ser feito através da corrosão das condições de trabalho.

Como é cada vez mais difícil competir com os padrões chineses e indianos de superexploração do trabalho, até a velha Europa encontra-se agora no fio da navalha: quer repetir o mesmo receituário do FMI, que devastou o Sul do mundo, impondo aos governos dos países onde a crise é mais agressiva e, ao proceder desse modo, caminha celeremente para o desmonte do que resta do chamado estado de bem estar-social. Trata-se, então, de salvar as grandes corporações em detrimento do que resta do mundo do trabalho e de seus direitos. E quanto mais a crise avança, quão mais o receituário destrutivo do capital financeiro, com seu Fundo Monetário Internacional à frente, se impõe, mais avança a sua pragmática letal para o trabalho.

Os exemplos desse quadro crítico são abundantes: o desemprego vem atingindo as mais altas taxas das últimas décadas nos EUA, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, França, Japão, e a lista é interminável, lembrando que o epicentro da crise atual encontra-se alojado nos países do Norte capitalista. A Alemanha, por exemplo, tem conseguido mascarar os índices de desemprego porque o compensa por meio da enorme ampliação do trabalho parcial e precário que substitui trabalho estável e dotado de direitos.

Assim, quando o cenário não é o do desemprego aberto e direto, presenciamos o crescimento da erosão do emprego contratado e regulamentado que foi dominante no século XX - o século do automóvel, dominado pelo taylorismo e o fordismo - proliferando as diversas formas de trabalho terceirizado, quarteirizado, part time, desprovido de direitos. Temos, então, a erosão dos empregos e a corrosão do trabalho. A terceirização é a sua porta de entrada.

Sabemos que essa tendência em dilapidar a força de trabalho não é algo recente. Marx, no volume III de O Capital, dentre tantas outras partes em que tratou da economia no emprego e a utilização dos resíduos da produção, indicou essa tendência destrutiva em relação ao trabalho de modo excepcional:

O capital tem a tendência a reduzir ao necessário o trabalho vivo diretamente empregado, a encurtar sempre o trabalho requerido para fabricar um produto - explorando as forças produtivas sociais do trabalho - e portanto a economizar o mais possível o trabalho vivo diretamente aplicado. Se observamos de perto a produção capitalista (...) verificamos que procede de maneira extremamente parcimoniosa com o trabalho efetuado, corporificado em mercadorias. Entretanto, mais do que qualquer outro modo de produção, esbanja seres humanos, desperdiça carne e sangue, dilapida nervos e cérebro. (...) Todas as parcimônias de que estamos tratando decorrem do caráter social do trabalho, e é de fato esse caráter diretamente social do trabalho a causa geradora desse desperdício de vida e da saúde dos trabalhadores.2

Portanto, podemos acrescentar que a monumental reestruturação do capital executada nas últimas quatro décadas e a intensificada na contextualidade da crise atual, vem exacerbando este quadro crítico em relação ao trabalho, de modo que a precarização vem se tornando a regra e não a exceção. Subordinado ao comando da produção maquínica, seja pela vigência da máquina-ferramenta autômata ou da máquina informacional-digital presente nas

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tecnologias de informação e comunicação, o trabalho relativamente mais formalizado da era tayloriano-fordista está sendo amplamente substituído pelos mais distintos e diversificados modos de ser da informalidade e da precarização, de que são exemplos os trabalhos terceirizados (em sua ampla variedade)...

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