A Heterocomposição

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas528-544

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1. Considerações gerais - A heterocomposição do conflito coletivo toma lugar da autocomposição ou a substitui quando impossível esta ou não realizada. A solução do conflito é transferida para uma pessoa estranha às partes, ou seja, uma fonte suprapartes, que poderá simplesmente encaminhar propostas, ou formulá-las, ou, ainda, decidir e estabelecer normas a serem obedecidas pelos litigantes.

Há duas formas de intervenção de terceiros no conflito: a primeira, suave e tênue, uma vez que a decisão final cabe às partes, como a conciliação e a mediação; a outra em que as partes ficam submetidas obrigatoriamente à sua decisão, inclusive com efeitos normativos, como no caso de arbitragem e intervenção judicial.

Em livro traduzido por Evaristo de Moraes Filho em 1953, expondo o sistema norte-americano, a auto-ra Peterson incluiu no fim do volume a significação das diferentes práticas: "Negociação coletiva. O processo de negociação entre o empregador e o sindicato, com o objetivo de chegar-se a um acordo quanto aos termos e condições de emprego durante um deter-minado período. (...) Mediação. Esforço por parte de uma pessoa estranha no sentido de conseguir um acordo entre o empregador e os representantes dos trabalhadores. A mediação, na sua própria essência, indica espontaneidade, consistindo a única função do mediador em ajudar os litigantes a chegarem a uma solução, em vez de propor uma solução, como no caso de um árbitro. (...) Arbitragem. O processo de submeter os conflitos de trabalho entre empregadores e empregados (ou entre dois sindicatos rivais) à decisão de adjudicadores imparciais. Embora a decisão do árbitro obrigue por lei, a arbitragem é diferente do processo judicial em muitos pontos importantes:

  1. os litigantes concordaram voluntariamente em submeter o assunto à arbitragem e eles próprios escolheram o árbitro; embora o árbitro realize sessões de inquirição, estas são usualmente muito menos formais do que as sessões dos tribunais. Também, o árbitro não se apoia exclusivamente no que lhe é presente nessas sessões; caso ache necessário, pode fazer investigações independentes. (...) Arbitragem compulsória. O processo de solução de conflitos entre empregador e trabalhadores por um órgão do governo (ou outros meios previstos pelo governo), que tem poderes de investigar e formular uma decisão que as partes litigantes são obrigadas a aceitar; não se deve confundir com acordos voluntários entre empregadores e sindicatos para submeter todos os dissídios a uma entidade imparcial, que lhes dará uma solução final".1

    Assim, respeitando o critério apresentado por Efrén Córdova, citado no Capítulo XXXI, classificamos como heterocomposição os seguintes institutos: conciliação, mediação, arbitragem e intervenção judicial, ou dissídio coletivo.

    2. Conciliação - Situada a meio caminho entre a autocomposição, que é a que determina, no final das contas, o seu êxito, e a intervenção de um terceiro que dirime a controvérsia, a conciliação, segundo Efrén Córdova,2 representa o ponto de união entre as

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    novas tendências para o comportamento autônomo e as velhas tradições intervencionistas.

    A conciliação tem natureza contratual, de acordo com o magistério de Georgenor de Sousa Franco Filho, "podendo ser convencional ou regulamentada. Está prevista na Recomendação n. 92 da OIT e possui dois tipos: judicial e extrajudicial. Eventualmente, pode surgir a figura do conciliador, que não se assemelha com as demais intervenções de terceiros, e, que, voluntariamente, oferece seus préstimos à busca de uma solução, tendo, segundo Bueno Magano, natureza administrativa".3

    Américo Plá Rodríguez comenta que "existem inúmeras formas de conciliação que podem ser classificadas de diferentes modos, segundo o critério utilizado. Dependendo de quem seja o terceiro, podemos distinguir as conciliações privadas das públicas. Entre estas cumpre diferenciar a conciliação administrativa da judicial, segundo o funcionário encarregado dependa do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. Militam a favor de cada uma dessas modalidades argumentos diversos e contrapostos que têm pesos diferentes, segundo o conflito seja de direito ou de interesse".4

    A OIT, por meio da Recomendação n. 92, de 1951, sugere que deveriam ser criados organismos de conciliação voluntária, apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir para a prevenção e solução dos conflitos de trabalho entre empregadores e trabalhadores. Esses organismos, estabelecidos sobre uma base mista, deveriam compreender uma representação igual de empregadores e trabalhadores. De acordo com esse organismo internacional, deveriam ser adotadas disposições "para que o procedimento pudesse ser principiado por iniciativa de uma das partes em conflito ou, oficialmente, por organismos de conciliação voluntária".

    Entre nós, o primeiro dispositivo a tratar da matéria foi a Lei n. 1.637, de 5.11.1907, que previu criação dos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem. Souza Netto comenta que "a lei é omissa, mas resulta dos termos do dispositivo que esses conselhos teriam composição mista e, certamente, paritária, de modo a se estabelecer o indispensável equilíbrio nas suas decisões. ... O processo de conciliação seria regulado pelo regimento interno dos próprios conselhos e, quanto à arbitragem, seriam observadas as disposições de direito comum, relativas ao assunto".5 Esses conselhos não vieram a ser implantados.

    Evaristo de Moraes Filho considera que "coube ao governo Washington Luís instituir no Estado de São Paulo os primeiros organismos de uma autêntica justiça do trabalho, os chamados Tribunais Rurais, pela Lei n. 1.869, de 10.10.1922".6 Esses Tribunais eram compostos de um juiz de direito da comarca, um membro indicado pelos fazendeiros e outro indicado pelos colonos.

    Em 1932, por meio do Decreto n. 21.396, de 12 de maio, foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação com a competência de dirimir as questões oriundas das convenções coletivas. No mesmo ano, em 25 de novembro, por meio do Decreto n. 22.123, modificado pelo de n. 24.742, de 14.7.1934, foram instituídas as Juntas de Conciliação e Julgamento (hoje Varas do Trabalho, conforme EC n. 24), com a finalidade de decidir os conflitos individuais de trabalho.

    Instalada a Justiça do Trabalho, como organismo judiciário, em 1.5.1941, quando entrou em vigor o Decreto-Lei n. 1.237, de 2.5.1939, ficou dividida em três níveis: 1) as Juntas de Conciliação e Julgamento, com a competência para conciliar e julgar dissídios individuais; 2) os Conselhos Regionais de Trabalho, com competência recursal e originária para decidir os dissídios coletivos estabelecidos no espaço geográfico de sua jurisdição; e 3) o Conselho Nacional do Trabalho, órgão de cúpula da jurisdição trabalhista, dividido em duas câmaras: a da Justiça do Trabalho e a da Previdência Social.

    Poucos dias antes da promulgação da Constituição Federal de 1946, e já seguindo a sua orientação, o Decreto-Lei n. 9.797, de 9 de setembro, passou a integrar a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário. Assim, a conciliação deixou de ter qualquer caráter administrativo, passando a integrar o processo judicial e ser obrigatória (arts. 846, 850, 862, 863 e 864 da CLT), constituindo-se, segundo Délio Maranhão, numa "sentença aceita pelas partes, enquanto a sentença é uma conciliação imposta pelo juiz".7 Uma vez feita a conciliação, extingue-se a relação processual, sendo, em consequência,

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    incabível qualquer recurso. Nesse mesmo sentido, estabelece a Súmula n. 259 do TST: "Só por ação rescisória é atacável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da Consolidação das Leis do Trabalho".

    Com a finalidade de regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, objetivando, ainda, aliviar o excessivo acúmulo de demandas individuais na Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho elaborou um Projeto de Alteração da Legislação Processual do Trabalho, designados relatores os ministros Carlos Barata Silva e José Luiz Vasconcellos. Esse trabalho realizado em 1991, como muitos outros engavetados até hoje, previa que "nas empresas com mais de duzentos empregados no mesmo Município, é obrigatória a constituição de Comissão de Conciliação Prévia" (art. 60). Os conflitos individuais, surgidos no âmbito da empresa, deveriam ser obrigatoriamente submetidos à Comissão de Conciliação Prévia, integrada por quatro trabalhadores da empresa, sendo dois representantes de empregados e dois do empregador. Os termos de conciliação deveriam ser homologados pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, que reservaria em todos os dias úteis horário para audiência pública.

    Com relação à experiência internacional relativa à proposta da OIT materializada na Recomendação n. 94, de 1952, sobre a colaboração no âmbito da empresa,8 Arnaldo Süssekind aponta os três sistemas que vêm obtendo maior êxito no direito comparado: "1º) organismos especializados, que atendam aos diferentes graus de conhecimento dos litígios que lhes são submetidos, com especialização relativa aos diversos setores trabalhistas. É o que ocorre na Espanha, França e Itália, cujos órgãos estatais foram criados por via legislativa, e na Dinamarca, cujo organismo resultou de convenção coletiva nacional; 2º) organismos privados que atuam num determinado setor da economia ou categoria econômica. Os seus membros possuem, naturalmente, os conhecimentos requeridos para a boa compreensão da atividade profissional que corresponde à sua competência. É o caso, por exemplo, da Venezuela; 3º) organismos intraempresariais, com representação da empresa e dos seus empregados, que vêm se multiplicando em virtude de contratos coletivos, nas mais diversas regiões do mundo, sendo que na Europa Oriental e na República Federal da Alemanha (agora unida à antiga República Democrática da Alemanha), sua instituição decorre de lei".9

    Uma nova tentativa de o instituto da conciliação ser aplicado extrajudicialmente veio...

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