Férias Anuais Remuneradas

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas378-386

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1. Considerações gerais - Como consequência do que comentamos no início do capítulo sobre o repouso semanal, também as férias anuais têm origem na limitação das forças humanas e, portanto, baseiam-se em princípios biológicos e socioeconômicos.

Quanto aos princípios biológicos, a ciência médica já comprovou que o repouso semanal de 24 horas é suficiente para a recuperação das toxinas produzidas pelo organismo durante a semana de trabalho.

Sobre o assunto, Segadas Vianna concluiu: "Especialmente, o excesso de trabalho dá motivo a que a recuperação orgânica não se processe no mesmo ritmo que o desgaste, e também as toxinas que se produzem não chegam a ser eliminadas com a rapidez necessária e se acumulam a ponto de criar um grau perigoso de toxidez".1

O citado autor, em seu estudo sobre a fadiga, declara: "A fadiga é um reflexo inibitório causado pela última modificação do bioquimismo, mas todos estão de acordo que sua consequência é a criação de um estado orgânico perigoso e que, afetando o sistema muscular e, de maneira especial, o sistema nervoso, provoca a perda da capacidade de fixação no serviço e da coordenação de movimentos, dando causa, também, a acidentes de trabalho".2

Por isso, entre as formas de repouso obrigatório do trabalhador, ditadas por motivo de higiene social, entende Arnaldo Süssekind que "é inegável que aquela que melhor permite a restauração do equilíbrio orgânico é a que corresponde às férias anuais remuneradas. É que elas permitem ao trabalhador subtrair-se do ambiente onde quotidianamente executa suas tarefas, possibilitando-lhe afastar-se do próprio clima onde as executa e das coisas que as lembram".3

Quanto ao fundamento socioeconômico das férias, o mestre peruano, de saudosa memória, José Montenegro Baca, ensina que elas "permitem ao trabalhador cultivar-se, viajar, robustecer os laços familiares e sociais", bem como "diminuem o absenteísmo, que em grande porcentagem é determinado pelo desejo invencível dos trabalhadores de entregar o organismo a um descanso mais longo que o proporcionado pelos descansos ordinários".4

Assim, permitindo que o trabalhador se integre à sua família e à coletividade, as férias anuais possibilitam o aumento da produção nacional, como consequência direta do repouso do empregado durante um período maior que os descansos ordinários.

2. Fundamentos legais - Criado entre nós em 14.4.1889 para os funcionários do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o direito às férias anuais foi estendido pela Lei n. 4.982, de 24.12.1925, aos empregados e operários comerciais, industriais e bancários, além das instituições de

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caridade e beneficiárias. No início da década de 1930, dois decretos foram baixados, estabelecendo meios de fiscalização e cominando penalidades aos infratores: o primeiro, de n. 23.103, de 19.8.1933, regulando as férias dos comerciários, enquanto o segundo, de n. 23.786, de 18.1.1934, estabelecendo sobre as férias dos industriários, obrigando, inclusive, em seu art. 4º, a sindicalização dos trabalhadores.

Em 1943, as férias foram incluídas na CLT, ampliando o direito e beneficiando os próprios trabalhadores rurais. O Capítulo IV do Título II da CLT tem a sua redação atual dada pelo Decreto-Lei n. 1.535, de 13.4.1977.

Na Constituição Federal, o instituto das férias está incluído desde 1934, tendo sofrido alteração em sua denominação na Carta de 1937 para "licença anual remunerada", voltando à denominação tecnicamente mais perfeita em 1988 para "férias anuais remuneradas", no inciso XVII, do art. 7º.

A Carta Magna atual reconhece o direito dos trabalhadores urbanos, rurais, avulsos e domésticos às férias anuais remuneradas, sendo concedido no inciso XVII do art. 7º um novo direito ao trabalhador, ou seja, abandono de um terço a mais do que o salário normal. A própria Constituição estendeu tal direito aos servidores públicos civis e militares, por força dos arts. 39, § 2º, e 142, VIII, respectivamente.

Em 5 de outubro de 1999, foi promulgado, pelo Decreto n. 3.197, o Decreto Legislativo n. 47, de 23.9.1981, que aprovou a Convenção da OIT n. 132 sobre Férias Anuais Remuneradas, tendo o governo brasileiro depositado o instrumento de Ratificação da referida Convenção em 23.9.1998, passando a mesma a vigorar em território nacional um ano após.

O direito brasileiro em vigor tutela mais o trabalhador do que o Ato internacional, razão pela qual deve ser aplicado o art. 19.8 da Constituição da OIT, que estabelece: "Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação". (grifo nosso)

Assim, ocorre em relação à aquisição do direito de férias estabelecida no art. 7º, XVII, da CF/1988, que prevê a anualidade, devendo ser usufruídas doze meses após. Como o texto consolidado não pode ser revogado pela norma internacional, continuam em vigor os art. 129 e 130 da CLT. A norma brasileira é mais favorável com relação à duração das férias (20 dias úteis x 30 dias corridos) (art. 6º da Convenção x art. 130, CLT). O mesmo ocorre em relação ao fracionamento das férias, sendo o direito brasileiro mais favorável (Convenção art. 9.1 admite que o restante das férias possa ser gozado no prazo de 18 meses, enquanto o art. 134 da CLT somente permite o gozo das férias, mesmo em dois períodos, 12 meses após a aquisição). Exatamente por isso, uma vez concedidas as férias após o prazo de 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito, deverá ser paga em dobro, nos termos do art. 137 da CLT.

A remuneração também é mais favorável no direito brasileiro, uma vez que o art. 142 da CLT especifica todas as formas de pagamento, o qual deverá corresponder ao que o empregado percebia no momento da concessão. O art. 7.1 e 7.2 estabelece a média da remuneração devida ao empregado.

A única questão que indubitavelmente prova que a norma internacional garante melhor ao empregado está prevista no art. 5 da Convenção, ao dispor que "um período mínimo de serviço poderá ser exigido para a obtenção de direito a um período de férias remuneradas anuais", não podendo "em caso algum ultrapassar 6 (seis) meses. Além do mais, "as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade individual da pessoa empregada interessada, tais como faltas devidas a doenças, a acidentes ou a licença para gestante, não poderão ser computadas como parte das férias remuneradas anuais mínimas previstas no § 3º do art. 3º da presente Convenção". O inciso IV do art. 133 da CLT prevê a perda de férias em caso de o empregado ter percebido da Previdência Social prestações de acidente de trabalho ou de auxílio-doença por mais de 6 (seis) meses, embora descontínuos.

Assim, a CLT deveria ser considerada derrogada, uma vez que o inciso IV do art. 133 conflita com o art. 5º da Convenção n. 132, cujo texto é mais favorável aos trabalhadores.

3. Princípios jurídicos - Três são os princípios jurídicos que norteiam o direito às férias: a) anualidade; b) obrigatoriedade; e c) irrenunciabilidade.

O primeiro se deduz do próprio Texto Constitucional que se refere a "gozo de férias anuais remuneradas" (art. 7º, XVII), expressão também utilizada no art. 129 da CLT, in verbis: "Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período

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de férias sem prejuízo da remuneração" (grifo nosso). Deve-se ressaltar que tais expressões não se referem ao ano civil, ou seja, do calendário, mas, sim, ao do contrato individual de trabalho. Consequentemente, cada empregado de determinada empresa tem o seu próprio ano de aquisição ao direito de férias, com os respectivos termos a quo e ad quem absolutamente individuais.

Quanto à obrigatoriedade, Cesarino Júnior considera que "a natureza jurídica das férias anuais remuneradas é dupla: a) para o empregador, constitui uma obrigação de fazer e de dar: de fazer, consentindo o afastamento do empregado durante o período mínimo fixado pela lei, e de dar, pagando-lhe o salário equivalente; b) para o empregado é, ao mesmo tempo, um direito de exigir o cumprimento das mencionadas obrigações do empregador, e uma obrigação, a de abster-se de trabalhar durante o período de férias. É lógico que, dessa obrigação (a de não trabalhar nas férias), surge para o empregador um direito, que é o de exigir seu cumprimento".5

No que se refere ao princípio da irrenunciabili-dade, o art. 137 da CLT é taxativo ao determinar, na hipótese de as férias não serem concedidas no prazo legal: "Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração".

Dessa forma, a nova redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei n. 1.535/1977 impede qualquer negociação entre as partes, podendo o empregador, por isso mesmo, obrigar o seu empregado a gozar as férias. Inclusive, a época da concessão das férias será, dentro do período fixado por lei, a que melhor atenda aos interesses do empregador (art. 136 da CLT).

Permite, no entanto, o art. 143, CLT, que o empregado converta um terço do período de férias a que tiver direito em abandono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. Tal ato não caracteriza uma transação entre as partes, mas, sim, um direito potestativo do empregado, o qual deverá ser por ele exercido até 15 dias antes do término do período aquisitivo (art. 143, § 1º da CLT), sob pena de decadência.

4. Aquisição do direito - O art. 130 da CLT estabelece que o direito a férias surge após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho. O número de dias corridos de férias varia de acordo com o número de faltas que o empregado houver tido no respectivo ano. Se tiver faltado menos de cinco vezes, o empregado gozará 30 dias corridos de férias. Os demais períodos...

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