Suspensão do Contrato e Interrupção da Prestação de Serviços

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas280-290

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1. Considerações iniciais - A tese que versa sobre a suspensão e interrupção do contrato de trabalho em geral foi detalhadamente examinada por Evaristo de Moraes Filho, em suas aulas.1

  1. O Capítulo IV do Título IV da CLT tem como enunciado "Da suspensão e da interrupção". Talvez seja no direito comparado o único código que regula a matéria com essa nítida distinção entre as duas figuras. Ao contrário do que informa Yamaguchi (La théorie de la suspension du contrat de travail, p. 9, 286/7), esse tratamento de matéria não se assemelha em nada com o italiano. Como sistema, talvez o nosso seja o único desse estilo. Os legisladores de 1943 procuraram inovar, com a melhor das intenções, e o conseguiram em parte, como veremos adiante. Mas qualquer dos dois vocábulos - o primeiro mais do que o segundo - preenche plenamente as consequências jurídicas da ausência, por este ou aquele motivo, de qualquer das prestações ou das contraprestações inerentes ao contrato de sinalagmático que vincula as partes.

Em sendo a relação de emprego um contrato sinalagmático perfeito, comutativo e de trato sucessivo, exige que o direito de um corresponda à obrigação do outro, numa troca de certa forma equivalente, e que não se esgota numa só operação instantânea de crédito. Pacto de duração fica sujeito às numerosas vicissitudes por que deve passar ao longo da sua existência. O exercício do contrato de trabalho não é uniforme, homogêneo e sempre com o mesmo ritmo. Nem sempre o empregado pode ou deve prestar serviço, nem sempre o empregador lhe pode proporcionar trabalho ou outras condições concretas de trabalho. Por isso, a legislação, mais do que a livre vontade das partes, distribui os riscos na execução do contrato, fixando os direitos e os deveres das partes nessas ocorrências de ausência da prestação ou da contraprestação contratual. Claro, essa distribuição de riscos é muito relativa, principalmente numa legislação como a nossa, que adota a teoria do risco da empresa (art. 2º da CLT), como contrapartida do comando e do desempenho da sua atividade econômica. Por outro lado, ainda dentro do sentido protecionista do direito do trabalho, tudo é feito tendo em vista o valor maior da permanência do vínculo, que deve ser mantido, tanto quanto possível, ao longo de sua vida.

Podemos definir a suspensão e a interrupção como a inexistência temporária das obrigações de uma das partes, ou de ambas, no contrato de trabalho, fazendo com que se efetuem os seus efeitos, mantido, no entanto, o acordo de vontades que as vincula, isto é, o contrato subsiste. Paolo Greco já em 1939 - Il Contratto di Lavoro, p. 333 - referia-se, de modo geral, aos riscos da suspensão do trabalho, como expressão suficiente do instituto de que tratamos. Depois de Camerlynck, Olier e Horion, mais recentemente, Jean Pélisser tem como ambígua a expressão "suspensão

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do contrato de trabalho", porque, na realidade, não ocorre suspensão do contrato, já que se acha suspensa somente a execução da prestação do trabalho e, even-tualmente, por via de consequência, o pagamento do salário (cf. Reflexions a propos de la suspension du contrat de travail. Études de Droit du Travail Offertes à André Brun, 1974. p. 429).

Estamos em pleno acordo com as críticas e com a adoção do novo termo, porque, visto bem de perto, não há um só caso de suspensão ou de interrupção do contrato de trabalho em que não se configure a ausência da prestação de trabalho, o resto todo é consequência. Em havendo ausência de trabalho e de salário também, estar-se-ia diante de uma suspensão total, assim classificada na CLT. Em havendo ausência de prestação de serviço, mas sendo devido pagamento de salário, estar-se-ia diante de uma suspensão parcial. Denominando essa última hipótese de interrupção, procurou a CLT criar um esquema rigorosamente simétrico e lógico: seriam casos de interrupção todos aqueles em que, por esta ou aquela razão, por este ou aquele mandamento, houvesse pagamento total ou parcial de salário por parte do empregador. A consequência para as partes seria a contagem do tempo (da interrupção) como de tempo efetivo para todos os efeitos legais. Na denominada suspensão, pouco importando a sua duração ou as suas causas, em não havendo pagamento total ou parcial de salário, como que permaneceria o contrato em morte aparente, sem que o empregado tivesse direito à contagem do tempo como se o fora de serviço efetivo.

Quando da promulgação da CLT, o sistema funcionava com mais nitidez e segurança. Os seus autores davam como exemplos inequívocos de interrupção o repouso semanal e as férias, e como exemplo de suspensão, a prestação de serviço militar. O mesmo argumento cabia nos casos de acidentes do trabalho. Mas bastou a Lei n. 4.072, de 10.6.1962, acrescentar um parágrafo único ao art. 4º da CLT para que se borrassem as linhas, primitivamente nítidas, que distinguiam a interrupção da suspensão: "Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente de trabalho". O projeto, do qual resultou a lei, pretendia dois organismos de previdência social. Assim, ainda que o empregador não pague salário ao empregado em ambos os casos - acidentes e serviço militar -, manda a lei que sejam eles considerados como hipóteses do que se vinha chamando de mera interrupção do contrato de trabalho.

Embora seja dispensável o tratamento dualista - de suspensão e interrupção -, sendo mais aconselhável a adoção do critério monista, como ocorre por toda parte, não há de negar que a doutrina nacional e a jurisprudência dos tribunais ainda se deixam guiar pelos cânones do primitivo sistema da CLT de 1943. Será melhor mesmo que fique para os tribunais a análise de cada caso concreto, dos motivos da ausência do empregado, da sua duração, do pagamento ou não de salário, a fim de que seja ele enquadrado em uma ou em outra espécie, com as suas consequências jurídicas, são as palavras de Evaristo.

2. Hipóteses - Adotando-se o ensinamento ora apresentado, as hipóteses de suspensão do contrato e interrupção do tempo de serviço poderão ser classificadas da seguinte forma:

Como tempo efetivo: serviço militar e acidente de trabalho;

Como tempo efetivo e salário: ausências legais, licença remunerada, repousos remunerados, gravidez da empregada e paralisação da empresa;

Como paralisação total: aposentadoria por invalidez, licença sem vencimentos, suspensão disciplinar;

Como tratamento dual: doença do empregado, greve, mandato sindical, diretor eleito, convocação militar do reservista, afastamento no interesse da segurança nacional, encargo público e inquérito judicial.

3. Como tempo efetivo - A Lei n. 4.072, de 10.6.1962, incluiu o parágrafo único no art. 4º da CLT, determinando o cômputo na contagem do tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, dos períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho.

Quanto à primeira hipótese, a Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375, de 17.8.1964), em seu art. 60, garante aos empregados, quando incorporados ou matriculados em Órgãos de Formação de Reserva, por motivo de convocação para prestação de Serviço Militar, o retorno ao emprego respectivo, dentro dos 30 dias que se seguirem ao licenciamento ou término do curso, salvo se declararem, por ocasião da incorporação ou da matrícula, não pretender a ele voltar.

Tal dispositivo legal amplia a garantia estabelecida no § 1º do art. 472 da CLT, que exigia ao

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empregado notificar o empregador da intenção de voltar a exercer o cargo do qual se afastou, por telegrama ou por carta registrada, dentro do prazo máximo de 30 dias, contados da data em que se verificar a respectiva baixa.

Quanto ao acidente de trabalho, é considerado como aquele que ocorre pelo exercício de trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Sérias são as hipóteses de equiparação ao acidente, como, por exemplo: atos de sabotagem, desabamento, imprudência de terceiros no local de trabalho, bem como fora da sede da empregadora, no percurso para o trabalho, além da doença profissional.

Para efeito de determinação do período de férias, a legislação não considera como falta ao serviço a ausência do empregado por motivo de acidente de trabalho (art. 131, III, da CLT), excetuando-se, apenas, a hipótese de ter ele percebido da Previdência Social prestações por mais de 6 (seis) meses, embora descontínuos (art. 133, IV, da CLT).

Além do mais, o art. 118 da Lei n. 8213/1991 foi considerado constitucional, tendo inclusive o TST aprovado a Súmula n. 378, sendo a sua última redação aprovada conforme Res. n. 185/2012, divulgada em 25, 26 e 27.9.2012, do seguinte teor:

I- É constitucional o art. 118 da Lei n. 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado (ex-OJ n. 105 da SBDI-1 - inserida em 1º.10.1997)

II- São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ n. 230 da SBDI-1 - inserida em 20.6.2001)

III- O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho pre-vista no art. 118 da Lei n. 8.213/1991.

Em ambos os casos ora examinados, aplica-se o disposto no art. 28 do Decreto n. 99.684, de 8.11.1990, que determina o depósito a título de FGTS, em conta bancária vinculada, da importância equivalente a 8% da remuneração correspondente ao cargo exercido pelo empregado antes de suspensão...

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