Atos do perito médico
Autor | Rubens Cenci Motta |
Ocupação do Autor | Médico - Especialista pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego |
Páginas | 127-138 |
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Podemos depreender pelo que já foi dito que toda perícia médica exigirá do Perito Médico idoneidade, conhecimentos teóricos consistentes, experiência clínica, tempo para examinar adequadamente, responsabilidade e conhecimento dos critérios jurídicos ou administrativos etc., visto que o perito emite um juízo de valor técnico, relacionando fatos e conhecimentos técnicos e científicos, com caráter diagnóstico e, muitas vezes, prognóstico.
Enquanto prova, é retrospectiva; enquanto ato médico, a perícia é prospectiva!
Vimos que quando o Perito Médico atua no judiciário ou qualquer outra área (Administrativa, Previdenciária - Regime Geral e dos Regimes Próprios etc.), sem nenhuma dúvida, deve conhecer os aspectos peculiares destes campos de atuação, com destaque ao campo dos Operadores do Direito, contudo não requer aprofundamento conceitual.
O desenvolvimento dos processos, trabalhista e civil, ocorre através do procedimento ordinário, que comporta as seguintes fases:
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FASE POSTULATÓRIA: o autor (Requerente - Reclamante) apresenta e fundamenta seu pedido e o réu (Requerido - Reclamado) apresenta sua defesa. Nesta fase, a propositura da ação é feita por petição inicial (exordial - Contrafé49) e termina com a resposta do réu. A petição inicial deve conter, necessariamente, a identificação do autor e do réu, o tipo de ação proposta, o pedido do autor, os fatos que justificam o pedido e os fundamentos que o embasam, o valor da causa, as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos e o requerimento para a citação do réu;
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FASE CONCILIATÓRIA: é realizada a tentativa de acordo entre as partes, antes mesmo de se esclarecerem os fatos que elas alegam;
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FASE DE SANEAMENTO: o juiz declara o processo em ordem e apto para prosseguir e toma deter-minadas decisões com relação ao seu desenvolvimento;
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FASE INSTRUTÓRIA: são produzidas as provas necessárias para elucidar os fatos controvertidos. Nesta fase são produzidas as provas, especialmente a pericial e a testemunhal. Durante a realização do trabalho pericial as partes poderão apresentar quesitos e indicar Assistentes Técnicos. Além disso, as partes podem apreciar o trabalho pericial, impugnando-o ou concordando com as suas conclusões. Também podem requerer ao juiz explicações do perito sobre os aspectos do laudo ou das respostas aos quesitos, formulando
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quesitos elucidativos ou que o perito se manifeste sobre a crítica do assistente técnico. As partes podem, ainda, requerer a complementação do trabalho pericial através de procedimentos considerados indispensáveis e que não foram realizados, solicitando a juntada de documentos relativos ao trabalho pericial que não foram anexados ao laudo, o seu depoimento pessoal e/ou dos assistentes na audiência, podendo, inclusive, solicitar a realização de nova perícia;
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FASE DECISÓRIA: o juiz julga o mérito do processo e outras questões que lhe foram submetidas. Nesta fase, encerrada a instrução processual, o juiz profere a sentença desde logo ou no prazo de dez dias. A sentença se compõe de três partes:
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o relatório, que é uma síntese do processo;
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a fundamentação, na qual são analisados os fatos e o direito aplicável;
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o dispositivo, que é a decisão do juiz sobre o pedido e as questões que lhe foram submetidas pelas partes.
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RECURSOS: a parte perdedora requer o julgamento da ação por instância superior. Nesta fase, qualquer uma das partes discordando da decisão monocrática em 1ª instância entra com recurso cabível, no qual formula seus argumentos contrários à decisão que julga injusta. Após o julgamento do recurso em 2ª instância, um acórdão é publicado com a decisão da turma de desembargadores, no qual deverão constar explicitamente os motivos do convencimento destes para o julgamento do recurso. Caso uma das partes entenda ter um direito constitucional ou processual ferido, esta poderá ajuizar ação em instância superior, onde finalmente a sentença será dada "em julgado", não cabendo mais recursos.
O rito técnico trabalhista
O processo trabalhista diante de acidente de trabalho, imaginariamente ideal para alguns, deveria ser multidisciplinar.?
Concordamos, porém não defendemos.?
Sabemos que tais procedimentos técnicos demandam tempo e está consagrado que a Perícia Médica e perícia ambiental (perícia de engenharia) são suficientes. Avançarmos por outros caminhos, traria claro encarecimento do processo e maior demanda temporal para ser findo o ato processual e seus efeitos. Inovar com todo cuidado é imperioso em demandas que envolvem aspectos técnicos.
O Perito Médico deve conhecer que, em nosso sistema jurídico, existe uma hierarquia entre as leis, existindo as Leis Constitucionais, Complementares e Ordinárias. Existem também as Normas e Resoluções como, por exemplo, o Código de Ética Médica.
As leis constitucionais são a própria constituição. As leis complementares são as votadas pela legislatura ordinária, destinadas à regulamentação dos textos constitucionais. As leis ordinárias são as que emanam dos órgãos que a Constituição investiu da função legislativa. Em nossa organização política, compete ao Poder Legislativo fazer as leis, com a colaboração do Poder Executivo.
Como apresentado a seguir, a sequência hierárquica é a seguinte:
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Lei magna - Constituição Federal;
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Leis federais ordinárias;
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Constituição Estadual;
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Leis estaduais ordinárias;
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Leis municipais;
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Normas Subalternas (Decretos, Resoluções,...) - Código de Ética Médica, por exemplo.
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Nota: Havendo conflito entre elas - antinomia -, observa-se a hierarquia quanto à sua aplicação. Para solucionar um conflito de normas, a própria doutrina jurídica apresenta algumas alternativas:
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critério hierárquico (norma superior revoga a inferior);
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critério cronológico (norma posterior revoga norma anterior);
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critério da especialidade (norma especial revoga a norma geral). O Código de Ética Médica, as demais resoluções do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais encontram-se em posição hierárquica inferior às leis ordinárias.
Entre outros aspectos deve, o Perito Médico, compreender a forma de atuação dos Magistrados e Administradores nos seus diversos campos de atuação.
No campo judicial merece ênfase a forma de atuar do juiz, como dito por juízes:
O Juiz deixa de ter um papel meramente de aplicador da lei e passa a ser um realizador de políticas públicas previstas na Constituição Federal de 1988 ao promover a solução de conflitos extremamente complexos, que os demais poderes não resolveram - O clamor de aplicação de direitos sociais (Boaventura de Sousa Santos50).
O Judiciário em transformação como agente social que vem a atuar perante questões subtraídas da disponibilidade dos titulares do direito de ação (Firmino Alves Lima51).
Dr. Firmino Alves Lima diz que o Magistrado contemporâneo deve ser sensível aos seguintes aspectos:
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Superar os desafios da crise da justiça - lentidão, má acessibilidade, desigualdade;
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Não repetir os "erros" do passado;
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Focar na busca pela solução do conflito social e não mais na busca pela exclusiva solução do processo;
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Simplificar os procedimentos - atuação em processos de massa - lides coletivas - ações cole-tivas - procedimentos conjunturais - construção de uma atividade jurisdicional em nome da cidadania - iniciativa e impulso oficiais levados ao mais profundo nível - garantir o interesse público sobre o privado - visão integradora do Judiciário - processo como instrumento pacificador - multidimensionalidade dos conflitos;
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Buscar novos saberes - multidisciplinaridade - visando ao atendimento das expectativas da sociedade na solução de conflitos.
Comumente, o juiz espera que o perito, inclusive o Perito Médico, seja:
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Auxiliar na realização de políticas públicas e objetivos constitucionais maiores;
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Elemento decisivo nas soluções de conflitos no que tange à matéria técnica;
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Agente auxiliar do Estado na solução dos conflitos sociais;
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Íntegro para trazer a realidade dos fatos técnicos para o juiz;
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Integrado a um novo sistema judiciário comprometido com a cidadania e os valores constitucionais - que seja um "Servidor ‘Público’ Social".
Dos juízes, o que se espera, é que efetivamente leiam tudo o que consta nos autos, notadamente às manifestações do contraditório técnico, pois num estado democrático de direito, a garantia do amplo direito de defesa não pode ser relegada a desídia, sendo mito que na Justiça Trabalhista, e digo mito, pois particular-mente não acredito que isto ocorra nesta douta justiça especializada, de que "juiz do trabalho não lê parecer ou quesitos dos Assistentes Técnicos". Lê sim, e não faz isso por desconfiar ou desmerecer o seu Auxiliar Técnico, mas faz para, se diante de uma boa sustentação de contraditório técnico, sopesar com o máximo de retidão, inclusive por ser o judiciário um dos pilares da democracia.
Em seu auxílio, o juiz espera que o Perito Médico traga ao processo:
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Conceitos de medicina facilmente compreensíveis ao leigo;
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Visão ampla do tema técnico - ser o "olho técnico" do juiz;
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A adequada tradução de matérias que dependam de conhecimentos técnicos;
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Auxílio na coleta de fatos importantes para o deslinde da causa, mesmo que possa parecer de menor relevância para as questões médicas;
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Que não julgue a causa!
Podemos dizer que dentre os "desejos do juiz em relação ao Perito Médico" os principais são:
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Clareza e fundamentação acessível nas posições tomadas com exposição do raciocínio do perito;
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Buscar preferencialmente a obtenção de registros sobre a avaliação realizada - fotos, dados, documentos etc. - se não puder ter acesso, solicitar ao juízo;
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Trazer soluções, e não problemas ao processo;
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Disposição para atender outras providências além das habituais, por...
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