A Jurisdição Trabalhista Constitucional no Século XXI: Novas Tutelas

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani - Daniel Gemignani
Ocupação do AutorDesembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas - Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas69-79

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"A imprescindibilidade de uma nova teoria do processo deriva, antes de tudo, da transformação do Estado, isto é, do surgimento do Estado constitucional, e da consequente remodelação dos próprios conceitos de direito e jurisdição."

Luiz Guilherme Marinoni. Teoria geral do processo. v. 1.

6.1. Introdução

Enquanto o direito material do trabalho surgiu sob a égide do princípio da proteção, o direito processual trabalhista sempre esteve imbricado com o princípio de acesso à jurisdição, marcado por procedimentos simples e diretos, que priorizavam a análise de mérito das controvérsias postas em juízo.

Inicialmente, tinha por escopo primordial a reparação da lesão já ocorrida, mediante tutela ressarcitória dos prejuízos sofridos, passando posteriormente a admitir também a tutela dos bens ameaçados, atuando para evitar a concretização da lesão.

A Constituição Federal de 1988 trouxe nova configuração ao direito processual, desencadeando inúmeras alterações legais no CPC desde a última década do século passado, muitas delas lastreadas no princípio da eficiência, acrescentado ao rol do art. 37 pela Emenda Constitucional n. 19/98, conferindo à jurisdição uma atuação mais assertiva.

Entre elas, merecem especial destaque as modificações introduzidas nos arts. 273 e 461 do CPC quanto à concessão de tutela antecipada, abrindo caminho para a posterior constitucionalização da razoável duração, implementada pela Emenda n. 45/2004 ao inserir o inciso LXXVIII no art. 5º, exsurgindo inequívoca a preocupação em conferir o máximo de eficiência e efetividade à prestação jurisdicional.

As alterações sociais e econômicas provocadas pela pós-modernidade se intensificaram no início do século XXI, levando o mundo do trabalho a um ritmo frenético, a demandar o alargamento das vias de acesso à jurisdição. Já não bastava apenas ressarcir os danos já ocorridos, ou as ameaças evidenciadas.

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Era preciso ir além.

Na contemporaneidade, o acesso à jurisdição lança como novo desafio jurídico a efetivação das tutelas de prevenção e precaução, a fim de conferir eficácia ao marco normativo posto pelos princípios constitucionais, na senda aberta por Dworkin80 ao demonstrar a importância de levar os direitos a sério para preservar a vida em sociedade.

6.2. As diferentes fases

Em obra clássica sobre o tema, Mauro Cappelletti81 explicou que o acesso à justiça passou por momentos distintos.

O primeiro considerava ser preciso abrir caminhos aos menos favorecidos, para que pudessem obter tutela jurisdicional nos casos de lesão, já que não dispunham de condições para a realização concreta dos seus direitos. Na Justiça Comum, surgem as defensorias públicas e as leis que garantem assistência judiciária gratuita. Na Justiça do Trabalho, que já albergava o jus postulandi e a assistencia sindical, ampliam-se as possibilidades de substituição processual.

O segundo, marcado pela intensificação da urbanização e do desenvolvimento das grandes cidades, vem desnudar a existência de interesses difusos e transindividuais homogêneos, evidenciando a importância da tutela jurisdicional para que se revestissem de eficácia, evitando que fossem deixados à margem do sistema.

O terceiro deixa de tratar o processo como fim em si mesmo para considerá-lo instrumento de efetivação do direito material, revelando que mais importante do que resolver uma lide é solucionar o próprio conflito, mediante pacificação com justiça.

Cândido Rangel Dinamarco82 acentuou esta diretriz ao tratar dos escopos do processo, relacionando-os à ideia de justiça e ressaltando que sua utilidade só pode ser medida e avaliada quando claramente delineados quais os fins propostos e se são atingidos ou não. Tal se dá porque "não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo".

Como bem ressalta Cássio Escarpinella Bueno83, o que deve ser posto em destaque é que os direitos constitucionais, "independentemente de qual ‘dimensão’ ou ‘geração’ pertençam, são, ao contrário do que a doutrina tradicional quis parecer, ‘justiciáveis’ no sentido de que eles não podem e não devem ser entendidos como meras prescrições de direitos sem que houvesse, garantidos no próprio ordenamento jurídico, meios de sua realização concreta, imperativa ...".

Nessa senda, explica Dinamarco, para a "plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica".

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Os princípios postos pela Carta Constitucional de 1988 configuram o processo como instrumento para garantir a efetividade dos direitos trabalhistas, de sorte que o acesso à justiça não pode ficar restrito ao aspecto formal, devendo implicar na eficiente tutela do direito material.

Conhecido como "dever de boa administração", segundo Diógenes Gasparini84, tal princípio impõe a obrigação de obter o máximo de resultados positivos em prol da coletividade, preceito que também se aplica à administração da justiça, de modo a conferir maior satisfatividade quanto ao acesso à jurisdição, traçando uma diretriz de aprimoramento institucional que abre caminhos para o exercício pleno da cidadania para os atores sociais que militam no mundo do trabalho.

Traz para o processo trabalhista a teoria garantista de Luigi Ferrajoli85 notadamente quando trata da efetividade da norma e de sua eficácia como balizadora de conduta.

6.3. 70 anos da clt e 25 anos da constituição federal a renovação do desafio

A comemoração dos 70 anos da CLT e dos 25 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988 não é só uma feliz coincidência. Traz o renovado desafio de implementar esta perspectiva garantista em concreto, mediante a edificação de uma jurisdição trabalhista constitucional. Tal se dá porque na era contemporânea, marcada pela crescente complexidade dos conflitos, se revela insuficiente a mera cominação de ressarcimento após o dano já ter ocorrido, sendo necessário conferir maior amplitude às tutelas de urgência e evidência, além de abrir espaços para a implementação das tutelas de prevenção e precaução que atuem antes, evitando a própria ameaça ou ocorrência do dano, a fim de dar cumprimento aos princípios constitucionais que garantem o efetivo acesso à justiça.

6.4. As novas tutelas

A configuração de direitos tidos por fundamentais pela Carta Constitucional de 1988, dentre os quais estão inseridos os trabalhistas, abriu o horizonte deste debate, principalmente nos pontos em que o art. 7º da CF/88 navega em intersecção e confluência com o disposto no art. 5º da Carta Constitucional. Diferentemente do que aduzem alguns doutrinadores, as diferentes "gerações" de direitos fundamentais não se apresentam mais setorizadas em compartimentos estanques, passando a atuar de forma dinâmica, em sinergia.

Assim sendo, não se pode mais restringir o escopo do processo trabalhista apenas à reparação pecuniária da lesão já consumada, quando seu marco distintivo está atrelado a uma perspectiva mais ampla, como pioneiro na abertura dos canais de acesso rápido e direto a uma jurisdição comprometida também com a tutela da prevenção e precaução, a fim de evitar a ameaça e a própria ocorrência da lesão, notadamente quando se trata de reduzir os riscos inerentes ao trabalho e garantir a proteção em face da automação, conforme preceituam os incisos XXII e XXVII do art. 7º, que devem ser implementados com observância da "razoável duração do processo" e "dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação", como estabelece o inciso LXXVIII do art. da CF/88.

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O movimento de constitucionalização, desencadeado pela Carta de 1988, veio provocar alterações legais significativas no processo civil a partir da década de 1990, que passaram a ser adotadas pela jurisprudência também para o processo trabalhista por força do art. 769 da CLT, em decorrência da explícita compatibilidade.

Entre estas merecem especial destaque as seguintes.

6.4.1. Possibilidades mais amplas de antecipação de tutela

Aplicação no processo trabalhista do disposto no caput, incisos I e II, além do § 7º, do art. 273 do CPC, in verbis:

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

(...)

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado."

Ao prever a antecipação do provimento judicial inaudita altera parte, agasalhando as tutelas de urgência (inciso I) e de evidência (inciso II), além de conferir nova configuração à medida cautelar incidental nos autos do processo já ajuizado (§ 7º), o preceito legal vem priorizar a eficiência da jurisdição, possibilitando a concessão baseada em verossimilhança, para...

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