Danos Morais aos Valores Culturais de Certa Comunidade (Danos Morais Coletivos)

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas213-221

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10.1. Dano moral aos valores culturais de certa comunidade (dano moral coletivo)

O dano moral pode atingir uma pessoa, como também uma comunidade de pessoas, associadas ou não, em razão de uma ofensa derivada de um mesmo fato ou origem comum.

Assim como o Direito admite a reparação do dano moral que atinge a pessoa, não poderia deixar à margem o dano que atinge uma coletividade de pessoas vitimadas por um mesmo fato ou origem comum.

ROMITA distingue os direitos individuais dos coletivos. Entre os direitos, diz o jurista, verbis:

"... há uns cujo titular é o indivíduo considerado isoladamente; outros, cujo titular é o indivíduo considerado como membro do grupo; finalmente, há ainda alguns direitos cujo titular é o grupo. Daí a classificação dos direitos em individuais e coletivos. Na primeira categoria, alinham-se aqueles cujo titular é o indivíduo, considerado em si ou como membro da coletividade. Na outra, situam-se os direitos que assistem à coletividade, com abstração dos indivíduos que a compõem.

Três critérios são encontrados em sede doutrinária para explicar a oposição entre direitos individuais e coletivos: 1º - quanto ao modo de seu exercício; 2º - quanto ao sujeito passivo do direito; 3º - quanto ao titular do direito.

Os dois primeiros critérios não permitem distinguir de forma nítida os direitos coletivos dos individuais. O primeiro critério (distribuição quanto ao modo de exercício dos direitos) peca porque o exercício da liberdade de associação, embora pressuponha a ação combinada de vários indivíduos, não oculta o fato de que cada indivíduo exerce de maneira concomitante seu próprio direito. E, uma vez criada a associação, cada pessoa tem o direito de a ela aderir ou de abandoná-la. O segundo critério (distinção quanto ao sujeito passivo do direito) também não satisfaz, porque impreciso. Certos limites podem ser

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opostos aos indivíduos ou à coletividade, segundo o contexto, dependendo do tipo de interesse protegido pelo direito. A comunicação, por exemplo, pode ser vista como um interesse coletivo, mas o direito à liberdade de expressão que a protege é, sem dúvida, um direito individual. Já o terceiro critério (distinção quanto ao titular do direito) traça a priori uma nítida fronteira entre as duas categorias de direitos: a designação de uma coletividade como sujeito ativo de um direito gera problemas específicos, que não surgem quando se trata de um titular individual.

Direitos individuais são apanágio do homem, considerado em sua essência individual. Direitos coletivos são direitos dos grupos, direito da família, da nação, da coletividade local ou regional. São os direitos das coletividades ou direitos difusos, como o direito ao ambiente sadio, ao desenvolvimento, à paz internacional etc.(direitos da terceira família).

É certo que a noção de dano moral coletivo decorre do reconhecimento dos chamados direitos de solidariedade, concepção atualizada que deita raízes no terceiro termo da trilogia forjada pela Revolução Francesa de 1789: não a liberdade ou igualdade, mas a fraternidade.

Enquanto os direitos de liberdade e de igualdade se dirigem aos trabalhadores individualmente considerados, os direitos de solidariedade se referem aos vínculos que os unem. Seu objeto não reside na pessoa do trabalhador, mas na coesão da comunidade, ainda que visem à preservação do emprego, porque neste caso entra em jogo o interesse social voltado para o sustento do empregado e de sua família, sem onerar os aparelhos assistenciais e de seguridade social.

O vocábulo solidariedade é utilizado por diferentes ramos do saber humano e quase não é empregado em escritos jurídicos, ressalvada a categoria das obrigações solidárias (noção de direito civil). Poderíamos sofrer a tentação de supor que a solidariedade é uma noção puramente ideológica, vazia de conteúdo jurídico. Do ponto de vista sociológico, sem cogitar da distinção elaborada por Durkhein entre solidariedade mecânica e orgânica, pode entender-se que ela designa a dependência mútua entre os homens, que faz com que uma pessoa não possa sentir-se feliz e desenvolver-se sem que os demais também o possam. Cabe, assim, cogitar de um princípio de solidariedade, que induz a responsabilidade comunitária na vinculação entre os indivíduos, forçando a tomada de consciência das obrigações recíprocas assumidas pelos componentes do grupo, considerados como tais e não como indivíduos isolados.

A solidariedade revela o duplo aspecto da relação que envolve o indivíduo e a sociedade. Assim como o indivíduo está ordenado à comunidade em virtude da disposição natural para a vida social, assim também a comunidade é ordenada

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aos indivíduos que lhe dão o ser, porquanto comunidade outra coisa não é senão o conjunto dos indivíduos encarados em sua vinculação social.

O Direito do Trabalho, mais do que qualquer outro ramo do Direito, destaca o papel fundamental da solidariedade, pois se ocupa do estudo das associações sindicais, instituto central de um dos ramos em que subdivide a disciplina: o Direito Coletivo do Trabalho. O associacionismo profissional, que está na base do fenômeno sindical, forma-se em torno do núcleo da solidariedade para fundar a união dos indivíduos entre eles, quer se trate de agregá-los em grupos de interesses quer de assegurar a coesão desses diferentes grupos.

O dano moral coletivo tanto pode afetar o interesse dos indivíduos considerados como membros do grupo quanto o direito cujo titular seja o próprio grupo."187

Logo, o interesse coletivo é autônomo em relação aos interesses individuais, tendo como titular uma coletividade ou grupo ou categoria.

O art. 5º, X, da CF, quando se refere a certos direitos das pessoas (no plural), demonstra que eles transcendem o interesse individual, podendo atingir a esfera coletiva.

Regulamentando a Constituição, a legislação infraconstitucional prevê a possibilidade de reparação de dano moral coletivo. Essa possibilidade está expressa no art. 6º, VI da Lei n. 8.078/90, ao se referir à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos, sendo que o art. 81, da Lei n. 8.078/90, define quais são os interesses transindividuais que merecem a tutela coletiva.

Para ROMITA, "pode-se, então, entender por dano moral coletivo aquele que decorre da violação de direitos de certa coletividade ou a ofensa a valores próprios dessa mesma coletividade, como sucede, por exemplo, com a crença religiosa, o sentimento de solidariedade que vincula os respectivos membros, a repulsa a atos de discriminação contra membros da coletividade ou do próprio grupo, como tal."188

Dano "moral" coletivo, nas relações de trabalho, é a lesão aos valores extrapatrimoniais de uma comunidade de trabalhadores, por exemplo, a ofensa generalizada aos trabalhadores que têm determinada religião, raça, nacionalidade ou orientação sexual.

Observa XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO, que a...

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