Dano Moral: Aspectos Gerais

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas64-71

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5.1. Dano moral: conceito e caracterização

A pessoa humana necessita da efetividade dos direitos indispensáveis a uma convivência social fundada na igualdade, liberdade e solidariedade.

Se um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB) e ela consiste no respeito aos atributos necessários a garantir-lhe um tratamento livre, igualitário e fraterno, que lhe permita, na atuação individual e em comunhão com os demais componentes da sociedade, desenvolver a sua autonomia espiritual como ser integral, concretizar os ideais e ter acesso aos bens da vida, mecanismos devem ser buscados, no plano infraconstitucional, para a compensação dos padecimentos sentimentais causados aos seus direitos extrapatrimoniais, como a humilhação sofrida pelo trabalhador em virtude de uma revista íntima ou o assédio sexual ou moral, por ele experimentado.

Afinal, se a ordem jurídica tem preocupação com a compensação dos prejuízos patrimoniais, deve igualmente procurar compensar os danos sentimentais como frustração, vexame, indignação, revolta, dor, mágoa, convicções, afeições, decorrentes das ofensas aos atributos físicos, valorativos e psíquicos ou intelectuais da pessoa humana.

Por outro lado, também no plano coletivo é possível a verificação de dano moral, quando a lesão é dirigida aos valores culturais ou extrapatrimoniais de uma comunidade.

Concluindo, são danos morais as ofensas aos atributos físicos, valorativos e psíquicos ou intelectuais da pessoa, suscetíveis de gerar padecimentos sentimentais ou ainda como decorrência do uso não autorizado da imagem ou da violação do bom nome da pessoa jurídica e, finalmente, os causados aos valores culturais de certa comunidade.

Observa MARIA HELENA DINIZ que para distinguir dano moral de dano patrimonial, o critério utilizado não poderá ater-se à natureza do direito, mas sim ao interesse que pressupõe esse direito ou ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, eis que do prejuízo causado a bem jurídico econômico pode resultar perda de ordem moral e da ofensa a bem jurídica extrapatrimonial pode advir dano moral, podendo até

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ocorrer a concomitância de lesões de ordem moral e patrimonial, por exemplo, se a injúria feita a alguém importar em queda de sua fonte de renda, além do dano causado ao amor-próprio, de ordem moral, surgirá dano patrimonial indireto.65

Embora geralmente ligado ao aspecto emocional, nem todo sofrimento decorre de ofensa moral ressarcível, eis que os "aborrecimentos normais, próprios da vida em coletividade", são juridicamente indiferentes. A respeito, CARLOS ROBERTO GONÇALVES observa que se um casal de namorados rompe o relacionamento e um deles entra em depressão, a angústia experimentada não é ressarcível, o que não ocorre se perante os convidados em cerimônia de casamento, um dos noivos resolve dizer "não", deixando o outro em situação humilhante66. Da mesma forma, a frustração do empregado decorrente de uma despedida sem justa causa.

Outrossim, se determinada pessoa presencia o atropelamento fatal de outra, o violento abalo emocional que venha a acometê-la não é ressarcível, por se cuidar de pessoa estranha à vítima ou de pessoa que em relação à ela não tem especial afeição como um parente próximo, cônjuge ou conivente.67

5.2. Notícia histórica e fundamento

Embora o direito romano não tenha conhecido os direitos da personalidade, chegou a reconhecer, por meio da actio injuriarum, a reparação de situações hoje definidas como de dano moral.

Como demonstrado por JHERING, a actio injuriarum abstrata está relacionada àquilo que a pessoa é (por exemplo, na ocorrência de lesões ao corpo, à liberdade e à honra da pessoa), enquanto aquilo que a pessoa tem diz respeito à actio injuriarum concreta (por exemplo, na ocorrência de lesões à propriedade, posse e detenção da coisa)68.

Observa o prof. WILSON MELO DA SILVA que a reparabilidade do dano moral não era de todo desconhecida pelo direito romano69.

Assim é que dentre as quatro categorias existentes de delitos privados, três eram reguladas pela lei Aquilia (fartum, rapina e damnum injuria datum) e a outra (injúria) o era pela actio injuriarum aestimatoria (injúrias verbais, faladas ou escritas) ou pela Lex Cornelia (injúrias traduzidas por meio de ações), sendo que nas duas últimas hipóteses de reparação do dano moral, o ofendido podia utilizar-se de dois

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caminhos: a ação civil, objetivando reparação em dinheiro, e a ação criminal, pretendendo a imputação de pena ao ofensor.

Note-se que nos delitos privados o conceito de injúria chegou a alcançar entre os romanos tal amplitude - extravasando assim os estreitos limites da Lei das XII Tábuas, onde se referia apenas aos danos de natureza corporal -, que em período mais avançado daquela legislação tornou-se objeto de proteção jurídica, com inegável preocupação com a dignidade humana, passando a compreender as agressões à liberdade, integridade e honra do ofendido.70

Segundo os negativistas (SAVIGNY, GABBA71), contraria à moral a atribuição de valor pecuniário à dor, à honra e outros direitos personalíssimos, para os quais inexiste preço, havendo, por outro lado, impossibilidade prática de sistematizar, mensurar e provar os reflexos negativos provocados, em concreto, nas pessoas atingidas em tais valores, pelo que o juiz fixaria, de forma arbitrária, eventual valor indenizatório.

Para os negativistas, tendo a prestação contida na obrigação conteúdo econômico e não sendo o componente puramente moral estimável em dinheiro, não se pode cogitar de reparação pela simples inexistência de obrigação jurídica.

Objetou-se no sentido de que a patrimonialidade da prestação não se confunde com o interesse do credor, que pode ser econômico ou moral, não constituindo a reparação de danos morais uma fixação de preço para a dor e sim uma compensação do lesado.

Dentre os positivistas, alguns impõem limitações para a reparabilidade do dano moral e outros não fazem restrições72.

Para as teorias limitativas ou...

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