Responsabilidade Civil: Noções Gerais

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas25-37

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1.1. Conceito e elementos constitutivos

Responsabilidade civil é a relação jurídica consistente no dever garantido por lei, obrigação ou contrato, de reparar, no campo civil, o dano moral ou patrimonial causado por ato próprio do agente ou por pessoa, animal, coisa ou atividade sob a sua tutela.

O Código Civil regula a responsabilidade civil nos arts. 927 a 954 e em dispositivos esparsos, atinentes a hipóteses específicas.

O dever de indenizar pode e costuma decorrer da prática de ato ilícito (assim com fundamento na culpa do ofensor - responsabilidade subjetiva - caput do art. 927, do CC), mas também pode derivar de hipóteses em que basta a verificação do dano nos casos especificados em lei ou em decorrência do exercício de atividade que implique em risco para os direitos de outrem (responsabilidade objetiva - parágrafo único do art. 927, do CC).9

1.2. Requisitos da responsabilidade

São requisitos da responsabilidade civil o dano, a ação lesiva e o nexo causal.

1.2.1. Dano

Dano, para efeito de responsabilidade civil, é o prejuízo causado pelo ofensor a bem jurídico patrimonial ou extrapatrimonial, por ação ou omissão imputável a outrem.

Segundo MARIA HELENA DINIZ, além da diminuição ou destruição de um bem jurídico moral ou patrimonial são requisitos da indenização do dano: a efetividade ou certeza do dano (que não poderá ser hipotético ou conjetural), a causalidade (relação entre a falta e o prejuízo causado), a subsistência do dano no momento da reclamação do lesado (se já reparado o prejuízo é insubsistente), a legitimidade e a ausência de causas excludentes de responsabilidade.10

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1.2.1.1. Ausência de dano como excludente de responsabilidade

Não haverá responsabilidade civil em não ocorrendo dano, ou seja, lesão indenizável a qualquer tipo de interesse, ainda que não qualificado como direito subjetivo, propriamente dito. O dano pode ser patrimonial, verificado pela diminuição ou destruição de um bem jurídico pertencente a alguém, ou moral, quando o prejuízo consiste na lesão a direito personalíssimo.

Se um motorista abalroa o automóvel de outrem, mas não causa nenhum prejuízo, não haverá dano a indenizar.

Se o empregador despede o empregado sem justa causa, o prejuízo patrimonial a ser composto é tarifado em lei, mas, se o faz sem ofender qualquer direito personalíssimo do empregado, não restará caracterizado qualquer prejuízo moral, o que não ocorrerá se o fizer sob a injusta pecha de ele ter subtraído valores da empresa.

1.2.1.2. Classificação do dano

Costuma-se classificar o dano em patrimonial e moral; positivo (dano emergente) e negativo (lucro cessante ou frustrado); direto e indireto; puro e reflexo; patrimonial direto e patrimonial indireto; moral direto e moral indireto; atual e futuro; certo ou previsível e eventual, imprevisível ou hipotético; individual e coletivo, contratual e extracontratual.

Se determinada pessoa, por culpa, abalroa com o seu automóvel o veículo de um taxista, causando dano, fica obrigado a reparar o prejuízo, consistente no dano emergente (o conserto do veículo) e no lucro cessante (os dias parados, necessários à reparação do veículo do taxista, refletidos na média da féria diária que ele deixa de auferir).

Logo, dano patrimonial é o prejuízo pecuniário causado por ato lesivo imputável a outrem, quer como decorrência direta de ofensa a bem jurídico de natureza econômica, quer como resultado indireto de dano causado a direito da personalidade, enquanto dano moral é o prejuízo diretamente decorrente da ofensa a direito da personalidade. É patrimonial o prejuízo causado pela perda de um negócio, mas também é patrimonial o prejuízo econômico causado pela diminuição de clientela em decorrência de ofensa à honra, independentemente do abalo sentimental causado ao ofendido, caracterizado como dano moral.

Do que foi dito decorre a distinção entre dano patrimonial direto e indireto: é patrimonial direto o dano que causa, imediatamente, um prejuízo no patrimônio da vítima e patrimonial indireto o que, embora atingindo interesses extrapatrimoniais do lesado, causa, de forma mediata, perdas patrimoniais, como as despesas de tratamento de lesões corporais.

O dano direto pode ser atinente: a) àquele causado à própria vítima do fato lesivo e indireto o causado a terceiros em decorrência do referido fato (ex-marido

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que, obrigado a prestar alimentos aos filhos, vem a perecer ou ficar incapacitado para prestá-los como consequência reflexa de dano causado por outrem11); e, b) o dano imediatamente verificado em consequência do fato lesivo e o dano indireto resultante da conexão do fato lesivo com evento futuro (circunstâncias posteriores).12

Quando o dano se atém à prática do comportamento lesivo, sem causar, indireta e mediatamente, outro prejuízo, é denominado puro, mas se vem a causar dano indireto, é este denominado dano reflexo ou derivado (assim o dammage par ricochet no exemplo do ex-marido, acima fornecido).

Dano moral é a ofensa aos direitos da personalidade da pessoa física ou jurídica, ou aos valores culturais de certa comunidade.

Relativamente à pessoa física, trata-se do abalo causado a um de seus atributos físicos, valorativos e psíquicos ou intelectuais, quer os suscetíveis de gerar padecimentos sentimentais como frustração, vexame, indignação, revolta, dor, mágoa, convicções, afeições, quer em decorrência do uso não autorizado da imagem. Já no tocante à pessoa jurídica, ocorrerá em caso de ofensa ao bom nome da entidade.

É de natureza extrapatrimonial, porque eventual consequência patrimonial indireta ou mesmo uma compensação pecuniária da dor, do sofrimento, da humilhação, não transforma o dano em patrimonial, dado o caráter acidental do elemento econômico na primeira hipótese e a falta de equivalência entre a compensação lenitiva e o abalo sentimental causado.

BITTAR distingue danos materiais de danos morais, dizendo que aqueles consistem em prejuízos de ordem econômica suportados pelo ofendido, atingindo o seu patrimônio, enquanto estes correspondem em geral a turbações de ânimo ou reações desagradáveis, desconfortáveis, constrangedoras ou assemelhadas, produzidas na esfera jurídica do lesado, atingindo assim o seu espírito.13

Ocorre que a ofensa moral pode também causar prejuízo material, pelo que é denominado de dano moral direto o dano que causa, imediatamente, um prejuízo moral à vítima e moral indireto o prejuízo material decorrente do evento, por exemplo, perda de clientela em virtude de injúria, esta perturbadora do amor-próprio.

Resumindo, dano "é a lesão suportada por certa pessoa, tanto em seu patrimônio (dano material), como em sua personalidade (dano moral), em função de ato ilícito, ou de exercício de atividade perigosa realizada por outrem".14

Dano atual é aquele fundado em prejuízo inteiramente realizado ou presentemente verificado em sua extensão.

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Dano futuro é o prejuízo ainda não positivado, mas de realização desde logo previsível diante do desenvolvimento atual e normal do fato, não se devendo confundir a incerteza da quantificação do prejuízo com a incerteza da realização dos efeitos futuros do dano.

Dano certo ou previsível é o prejuízo concreto, de existência passível de constatação, ao contrário do dano eventual ou meramente hipotético, que não enseja reparação, posto que incerto ou imprevisível quanto à concretização pela comum pressuposição: no exemplo do taxista, pode-se ter como dano concreto a média de sua féria diária e não a possibilidade de que poderia eventualmente ser contratado para realizar duas viagens a Teresópolis no mês da ocorrência do evento.

Dano contratual é o que decorre do inadimplemento de uma obrigação contratual, sendo extracontratual o que provém da infringência de um dever legal.15

Dano individual é o causado a pessoas determinadas, concreta e particularmente consideradas e ainda que reunidas a fortiori pela homogeneidade de seus interesses; dano coletivo é aquele que atinge uma coletividade de fato ou de direito de pessoas.

O dano coletivo pode ser causado a um conjunto de pessoas pré-associadas em torno de um fim comum, quando então atinge interesse coletivo, ou a uma cole-tividade de pessoas dispersas, agredindo assim interesses difusos, sendo exemplo desse tipo de dano a poluição do meio ambiente por uma fábrica e daquele uma ofensa à classe trabalhadora.

1.2.2. Ação lesiva

A ação lesiva é o próprio ato ou omissão, vedado ou autorizado por lei, causador de prejuízo à esfera jurídica de outrem.

Vedado, por exemplo, na hipótese de ato ilícito; autorizado, v.g., nas hipóteses de estado de necessidade, quando o dono da coisa não for culpado do perigo (art. 929, do CC); de exercício de atividades de risco, como usinas nucleares; de passagem forçada de prédio encravado etc.

Em outras palavras, a responsabilidade civil costuma decorrer de ato ilícito, que pressupõe culpa ou conduta antijurídica de um dos sujeitos ou de ambos (culpa concorrente).

Ocorre que a obrigação de reparar o dano pode também advir da caracterização do evento danoso ou prejudicial à esfera jurídica de outrem, independentemente de culpa, quer por força de lei (guarda de coisa alheia, como automóveis em supermercados e shopping centers, sacrifício autorizado por lei ao direito de outrem, quando

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ressarcível, como passagem forçada de prédio encravado, demolição de prédio para a...

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