5.2 'O Princípio da Proibição do Retrocesso Social e sua Função Limitadora dos Direitos Fundamentais

AutorLoreci Gottschalk Nolasco
Páginas182-192

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A expressão direito fundamental, na primeira concepção que chega aos nossos sentidos, dá a idéia daquela espécie de direito que é mínimo, que é básico do ser humano e que, portanto, não pode ser afetado, molestado ou reduzido, sob pena de deixar de ser fundamental, de ser sólido, seguro e inabalável, dentro da visão constitucional.

O direito fundamental, numa análise sistemática e contextualizada, na verdade, não pode ser entendido como um direito absoluto e irrestrito, uma vez que o seu conteúdo, alcance e eficácia encontram limites em outros bens ou direitos igualmente protegidos.

Em consonância com a realidade positiva, o sistema jurídico estabelece restrições aos direitos fundamentais do homem justamente como forma de garanti-los, reconhecê-los e efetivá-los nas múltiplas relações jurídicas que os cidadãos constroem na sociedade.

Têm-se, então, com o professor Gilmar Ferreira Mendes que:

[...] os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promul-

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gada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata).15Nesse sentido, refere-se Canotilho que os limites constitucionais imediatos consistem naquelas restrições estabelecidas na própria norma constitucional garantidora do direito fundamental. Na espécie, a norma, além de declarar e garantir um determinado direito fundamental, traça também limites ao seu exercício e ao seu cumprimento.16Na Constituição Federal de 1988 encontram-se vários exemplos da aludida espécie de restrição, valendo citar o caso do inciso XI do art. 5º: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de fiagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." Veja-se, no exemplo, que o direito fundamental da inviolabilidade do domicílio sofre limitações na própria norma, já que a inviolabilidade é restringida em caso de ? agrante delito, desastre, prestação de socorro e determinação judicial. Assim, é o próprio texto constitucional que consagra o direito de "reunir-se pacificamente, sem arma" (CF, art. 5º, XVI), a liberdade de "locomoção no território nacional em tempo de paz" (CF, art. 5º, XV).

A outra restrição, conhecida como limites de? nidos em lei ou reserva de lei restritiva, ocorre quando a norma constitucional garantidora do direito fundamental admite, de forma expressa, a restrição do direito por outra lei infraconstitucional. Gilmar Mendes salienta que "os diversos sistemas constitucionais prevêem diferentes modalidades de limitação ou restrição dos direitos individuais, levando em conta a experiência histórica e tendo em vista considerações de índole sociológica ou cultural". O autor cita que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já possuía referências a restrições legais, por exemplo, seu art. 4º definia não só a idéia de limites dos direitos naturais, mas

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também a necessidade de intervenção legislativa para a sua fixação, contemplando assim, não só o problema relativo à colisão de direitos, mas também o princípio da supremacia da lei e da reserva legal.17Da mesma forma, na Constituição Federal de 1988, encontra-se um bom número de exemplos do segundo tipo de restrição. É o caso do inciso XII do art. 5º:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Nota-se que o homem tem direito ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, contudo, para fins de investigação criminal ou para instrução processual penal, a norma constitucional autoriza que a norma infraconstitucional estabeleça restrições aos referidos direitos. Veja-se também que a norma constitucional, ao ser estabelecida, nada mais fez do que remeter à outra lei a tarefa de limitar ou restringir o direito fundamental insculpido na Carta Magna.

A restrição denomina-se limite imanente ou limite constitucional não escrito e ocorre quando o texto da norma constitucional não estabelece nem remete a outra lei a restrição do direito fundamental que expressamente assegura. Na espécie, em que pese o direito fundamental não possuir limites expressos e específicos, sofre restrições pelo sistema jurídico como um todo e como forma de salvaguardar outros direitos e bens igualmente protegidos. Em outras palavras, o direito fundamental de uma determinada pessoa encontra limites nos limites do direito fundamental ou nos bens de uma outra pessoa.

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Gilmar Mendes fornece um exemplo à espécie de reserva à lei restritiva ao analisar a colisão do direito de liberdade de expressão e comunicação (Constituição Federal, art. 5º, IV), em face do direito à honra e à imagem (CF, art. 59, X). O autor parte de casos concretos em que se coloca em jogo a aplicação dos mencionados direitos e chega à conclusão de que nenhum deles se exclui; ao contrário, convivem harmonicamente no sistema jurídico, um restringindo o outro. No caso, por meio da técnica da ponderação, o intérprete dará mais relevância a um direito em detrimento do outro, segundo os valores e os contornos do caso concreto. Em outras palavras, na colisão entre os dois direitos fundamentais, o intérprete não exclui nenhum deles do sistema, apenas o restringe para poder solucionar o confiito. Por conseqüência, dependendo do caso, poderá o direito à liberdade de expressão ser mais relevante do que o direito à imagem e vice-versa.

Ciente de que os direitos fundamentais representam conquistas históricas do homem consagradas pela ordem jurídica, a Constituição Federal, por isso mesmo, considera-os como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º); com isso, o legislador e o intérprete não podem ter poder absoluto e irrestrito, no que tange à limitação dos direitos fundamentais, sob pena de torná-los esvaziados ou despidos de e? cácia em face da subjetividade ou da arbitrariedade do agente limitador.

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