3.3 Direitos Materializantes da Cidadania: Direitos Sociais e Coletivos

AutorLoreci Gottschalk Nolasco
Páginas130-138

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Com a nova concepção de liberdade e igualdade ou, em termos práticos, de cidadania constitucional, a massa passa a exigir,

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precisamente em razão da absoluta carência da população em geral de todos os direitos materializantes da cidadania - direitos sociais e coletivos -, que, além, do direito de voto, sejam mate-rializados os direitos que lhe são atribuídos, para que ela possa algum dia vir, de fato, a definir as políticas que lhe são destinadas ou, em outros termos, para que o exercício do voto não seja inconsciente, manipulado, uma mera formalidade de legitimação da burocracia.

A extensão paulatina do direito de sufrágio a parcelas cada vez mais amplas da população acabava permitindo que demandas por mudanças no status quo também viessem à tona no universo normativo. Surge, então, na virada para o século XX, o Estado do Bem-Estar Social36e, com ele, a consagração constitucional de uma nova constelação de direitos, que demandam prestações estatais positivas, destinadas à garantia de condições mínimas de vida para a população (direito à saúde, previdência, educação, habitação, etc.).

Os direitos sociais, incluindo os econômicos e culturais, que são de legislação mais recente, aparecem com a Constituição mexicana de 1917 e, em seguida, a de Weimar de 1919. Com a concepção dos direitos sociais, passa-se a considerar o homem para além de sua condição individual; assim, ao Estado impõe-se o dever da prestação positiva, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material. Fica clara a distinção: enquanto os direitos individuais funcionam como proteção ao indivíduo que o Estado liberaliza, os direitos sociais defendem o indivíduo contra o poder da dominação econômica dos outros indivíduos e do próprio poder estatal.

Dentro da nova conjuntura, o Estado é chamado a intervir na vida social e os limites da administração ultrapassam, definitivamente, a sua condição de segurança de polícia e de pro-

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vedor da repartição das finanças. Passou-se, então, a exigir do Estado-administração (Estado liberal) medidas econômicas e sociais, com intervenção direta na economia e com controle diretivo de um sistema completo de prestações em todos os níveis da vida social. Assim, os movimentos reivindicatórios organizam-se e requerem dos poderes públicos uma intervenção efetiva que transformasse as estruturas sociais dos direitos humanos fundamentais individuais, também chamados de direitos fundamentais de primeira geração, ou seja, os direitos-garantia, de cunho individualista (direitos da liberdade e os direitos civis e políticos).

No plano do Direito Positivo, o reconhecimento da importância dos direitos de segunda geração já se encontra na Constituição Francesa de 1791, que, no seu Título 1º, previa a instituição do secours publique para criar crianças abandonadas, aliviar os pobres doentes e dar trabalho aos pobres inválidos que não o encontrassem. Na Constituição Francesa de 1848, que, apesar de ter emanado de uma Constituinte conservadora, refietiu a consciência dos problemas trazidos pela Revolução Industrial e condição operária, no entanto, se há o reconhecimento de deveres sociais do Estado, não existe uma proclamação dos direitos correlativos dos cidadãos. Estes só surgirão nos textos constitucionais do século XX, por força da infiuência da Revolução Russa, da Revolução Mexicana e da Constituição de Weimar. Na experiência brasileira, como é sabido, o reconhecimento constitucional dos direitos de segunda geração data da Constituição de 1934.

Nessa perspectiva, os direitos sociais surgem como frutos de variadas reivindicações, que incluem desde o direito a condições dignas de vida, a uma justa remuneração pelo trabalho rural ou urbano, "até o direito à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, etc., como forma de realização de uma idéia de justiça social que procura diminuir as desigualdades sociais".37No entanto, apesar da célebre lição de Norberto Bobbio de que não importa saber "quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais

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seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados", o problema nuclear dos direitos do homem, "hoje, não é tanto o de justi? cá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político".38Nesse passo, "as declarações universais dos direitos tentam hoje uma ‘coexistência integrada’ dos direitos liberais e dos direitos sociais, econômicos e culturais, embora o modo como os estados, na prática, asseguram essa imbricação, seja profundamente desigual", afirma José Joaquim Gomes Canotilho.39No Brasil, hoje, segundo o professor José Geraldo de Sousa Júnior, "a experiência de luta pela construção da cidadania se expressa como reivindicação de direitos e liberdades básicos e de instrumentos de...

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