Tradução Acéphale II

AutorFernando Scheibe
Páginas210-257
ACÉFALO
II
NIETZSCHE E
OS
FASCISTAS
210
211
N I E T Z S C H E
E O S F A S C I S T A S
ELISABETH JUDAS-FOERSTER
O Judeu Judas traiu Jesus por uma
pequena soma de dinheiro : após o que se
enforcou. A traição dos próximos de
Nietzsche não tem a conseqüência brutal
daquela de Judas mas resume e acaba de
tornar intolerável o conjunto de traições
que deformam o ensinamento de
Nietzsche (que o colocam à medida das
visadas as mais curtas da febre atual). As
falsificações anti-semitas de Mme.
Foerster, irmã, e do Sr. Richard Oehler,
primo de Nietzsche têm aliás qualquer
coisa de mais vulgar que o mercado de
Judas : para além de toda medida, elas
dão o valor de um golpe de chicote (coup
de cravache) à máxima na qual se
exprimiu o horror de Nietzsche pelo anti-
semitismo:
NÃO FREQÜENTAR NINGUÉM QUE
ESTEJA IMPLICADO NESSA FARSA
AFRONTOSA DAS RAÇAS!1
1 Oeuvres posthumes, trad. Bolle, Ed. Du Mercure de
O nome de Elisabeth Foerster-Nietzsche,2
que vem de acabar, em 8 de novembro de
1935, uma vida consagrada a uma forma
muito estreita e degradante de culto
familiar, não se tornou ainda objeto de
aversão... Elisabeth Foerster-Nietzsche
não havia esquecido, em 2 de novembro
de 1933, as dificuldades que se
introduziram entre ela e seu irmão pelo
fato de seu casamento, em 1885, com o
anti-semita Bernard Foerster. Uma carta
na qual Nietzsche lhe lembrava sua
"repulsão" — "tão pronunciada quanto
possível” — pelo partido de seu marido —
este último designado nomeadamente
com rancor — foi publicada sob seus
próprios cuidados3. Em 2 de Novembro de
France, 1934, # 858 p. 309.
2 Sobre E. Foerster-Nietzsche, ver o artigo necrológico de
W.F. Otto em Kantstudien, 1935, n.o 4, p. V (dois
retratos); mas melhor, E. Podach, L’effondrement de
Nietzsche (tr. fr.) N.R.F., 1931; Podach dá uma realidade
às expressões de Nietzsche sobre sua irmã (gentes como
minha irmã são invevitavelmente adversários
irreconciliáveis de minha maneira de pensar e de minha
filosofia, citado por Podach, p. 68) : desaparições de
documentos, omissões vergonhosas do Nietzsche-Archiv
estavam por pôr na conta desse singular “adversário”.
3 Carta de 21 de maio de 1887 publicada em francês em
1933, diante de Adolf Hitler recebido por
ela em Weimar no Nietzsche-Archiv,
Elizabeth Foerster testemunhava do anti-
semitismo de Nietzsche dando leitura de
um texto de Bernard Foerster.
Antes de quitar Weimar para ir a Essen,
reporta o Temps de 4 de novembro de
1933, o chanceler Hitler foi render visita a
Mme. Elisabeth Foerster-Nietzsche, irmã
do célebre filósofo. A velha dama lhe fez
dom de uma bengala-espada que
pertenceu a seu irmão. Ela o fez visitar os
arquivos Nietzsche.
O Sr. Hitler escutou a leitura de um
memoire endereçado em 1879 a Bismarck
pelo doutor Foerster, agitador anti-semita,
que protestava "contra a invasão do
espírito judeu na Alemanha". Tendo em
mão a bengala de Nietzsche, o Sr. Hitler
atravessou a turba em meio às
aclamações e remontou em seu automóvel
para ir a Erfurt e de lá a Essen.
Nietzsche, endereçando em 1887 uma
carta menosprezante ao anti-semita
Théodor Fritsch4, a terminava com essas
palavras:
Lettres choisies, Stock, 1931.
4 A segunda das duas cartas a Th. Fritsch, publicada em
francês por M. P. Nicolas (De Hitler a Nietzsche,
Fasquelle, 1936, p. 131-4). Devemos assinalar aqui o
MAS ENFIM, QUE CRÊ VOCÊ QUE EU
PROVO QUANDO O NOME DE
ZARATUSTRA SAI DA BOCA DOS ANTI-
SEMITAS!
O SEGUNDO JUDAS DO "NIETZSCHE-
ARCHIV"
Adolf Hitler, em Weimar se fez fotografar
diante do busto de Nietzsche. O Sr.
Richard Oehler, primo de Nietzsche e
colaborador de Elisabeth Foerster no
Archiv, fez reproduzir a fotografia no
frontispício de seu livro, Nietzsche e o
porvir da Alemanha5. Nessa obragem, ele
procurou mostrar o acordo profundo do
ensinamento de Nietzsche e de Mein
Kampf. Ele reconhece, é verdade, a
existência de passagens de Nietzsche que
não seriam hostis aos judeus, mas conclui:
...O que mais importa para nós é esta
colocação em guarda: "Nem um judeu a
mais! Fechemo-lhes nossas portas,
sobretudo do lado do Leste!"... "...que a
interesse da obra de Nicolas cuja intenção é, no conjunto,
análoga à nossa e que aporta documentos importantes.
Mas é preciso lamentar que o autor tenha estado
preocupado antes de tudo em mostrar ao Sr. Benda que
ele não deveria ser hostil a Nietzsche... e desejar que o
Sr. Benda permaneça fiel a si mesmo.
5 Friedrich Nietzsche und die deutsche Zukunft, Leipzig,
1935. R. Oehler pertence à família da mãe de Nietzsche.
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