Classificações

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas115-125

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8.1. Generalidades

Árdua é a tarefa de classificar os direitos fundamentais. A noção de direitos fundamentais é suficientemente maleável, a ponto de acolher em seu seio várias famílias de direitos, daí a importância da classificação, que permite tomar consciência do conjunto e bem assim de cada uma delas.

Em epistemologia, classificação é a operação que consiste em repartir os conceitos ou os objetos estudados em classes hierarquicamente ordenadas, em gêneros e em espécies1. A classificação enseja a distribuição sistemática em diversas categorias segundo as analogias e caracteres comuns. Ela desenvolve a extensão da ideia, enumerando os objetos aos quais convém. A classificação deve ser adequada e irredutível: adequada, no sentido de que a soma das partes dos grupos abrangidos deve ser igual ao todo; irredutível, porque é preciso que os grupos que o compõem não penetrem uns nos outros.

A utilidade da classificação é, portanto, evidente. Difícil, contudo, é classificar os direitos fundamentais: várias classificações existem, entrecruzando-se, a ilustrar a riqueza e a diversidade dos direitos fundamentais. Tudo depende do próprio conceito formulado e bem assim do critério que se adote para empreender o esforço classificatório.

Na esfera restrita dos direitos da personalidade, Carlos Alberto Bittar classifica estas categorias de direitos em: a) direitos referentes à pessoa em si (como ente individual, com seu patrimônio físico e intelectual); b) direitos referentes à posição da pessoa em face de outros seres na sociedade (patrimônio moral).

Os direitos referentes à pessoa em si compreendem os componentes materiais da estrutura humana (ex.: a integridade corporal) e os relativos a elementos intrínsecos à personalidade (integridade psíquica, abrangendo por exemplo a liberdade, a intimidade, o sigilo). Como ente social, a pessoa reveste atributos valorativos (ou virtudes) que compõem seu patrimônio

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moral, abrangendo a identidade, a honra e as manifestações do intelecto. Os direitos pertinentes à posição da pessoa perante outros seres na sociedade representam, respectivamente, o modo de ser da pessoa e suas projeções na coletividade.

A essa classificação aplica-se a observação de seu autor que, embora entenda louvável o esforço classificatório (porque possibilita a sistematização e evidencia os diferentes direitos identificados como tais), salienta que a evolução demonstra a "contínua alimentação dessa categoria com novos direitos que a elaboração científica (...) vem inserindo em seu contexto"2.

Por tal motivo, a classificação em exame é inaceitável, já que restrita a certa categoria de direitos, deixando à margem a maior parte dos direitos ditos fundamentais.

8.2. A classificação de Karel Vasak

Karel Vasak classifica os direitos humanos segundo seis diferentes critérios: 1º - o da importância dos direitos; 2º - o da natureza intrínseca dos direitos; 3º - o do sujeito (ou titular) dos direitos; 4º - o do caráter positivo ou negativo dos direitos; 5º - o da perspectiva histórica; 6º - o da pertinência às gerações presentes e às gerações futuras.

O critério da importância enseja distinção entre os direitos fundamentais e os demais direitos humanos. Os primeiros são os constituídos pelo núcleo duro dos direitos do homem, integrado pelo direito à vida; proibição da tortura; proibição da escravidão e da servidão; e direito à irretroatividade da lei penal. Os demais direitos humanos não seriam tidos por fundamentais. Fácil é criticar esta distinção, pois a importância deste ou daquele direito do homem é relativa e depende de dada situação em determinado país.

O critério da natureza intrínseca dos direitos do homem permite retomar a clássica distinção entre direitos civis e políticos, de um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, de outro. Os Pactos Internacionais aprovados pela Organização das Nações Unidas em 1966 fazem esta distinção. A classificação é aleatória, porque pelo menos dois direitos figuram em ambas as categorias: o direito dos pais de escolher a educação religiosa e moral de seus filhos e a liberdade sindical.

De acordo com o critério do sujeito, os direitos humanos se classificam em individuais e coletivos. Este critério possui um ponto fraco, porque as pessoas jurídicas também são titulares de direitos. Há sempre um aspecto coletivo e indeterminado sob o ângulo individual nas pessoas jurídicas.

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O critério do caráter positivo ou negativo dos direitos do homem causa perplexidades: se, por um lado, ao direito de casamento (positivo) corresponde o direito negativo de não se casar, o que dizer do direito à vida? Deve este direito ser igualmente compreendido em sentido negativo, como seja o direito à morte, no momento livremente escolhido? O direito ao silêncio é o negativo do direito à liberdade de expressão? O direito ao trabalho encontra sua face negativa no direito de não trabalhar e, em consequência, de optar pela vadiagem como modo de vida?

O critério da perspectiva histórica reforça a classificação entre direitos civis e políticos, de um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, de outro. Os primeiros surgiram no final do século XVIII, com as revoluções americana e francesa e formam os direitos de liberdade, enquanto os outros decorrem das revoluções mexicana e russa, ocorridas no século XX, e se caracterizam como direitos de igualdade. Neste sentido, fala-se de sucessivas "gerações" de direitos: os da primeira geração envolvem direitos-atributos da pessoa humana, oponíveis ao Estado, do qual preconizam inicialmente uma atitude de abstenção para serem respeitados; os de segunda geração contêm direitos de crédito perante o Estado, do qual exigem prestações positivas. Surge no decurso do século XX a terceira "geração" de direitos, derivados da solidariedade.

O sexto critério - o da pertinência às gerações presentes e futuras - parte do pressuposto de que a Terra não é uma herança das gerações pretéritas, mas uma expectativa das gerações futuras. A cadeia temporal dos direitos do homem nos conduz do passado, pelo presente, ao futuro. Surge a objeção jurídica do reconhecimento de direitos a sujeitos ainda inexistentes (as gerações futuras), com a consequente impossibilidade material de exercício atual. É certo, contudo, que as gerações futuras existirão a seu tempo e, em consequência, cabe assegurar-lhes o exercício de direitos humanos, como o da preservação ambiental e da vida humana. O direito à preservação da vida humana acarreta a obrigação, para as gerações atuais, de preservar o genoma humano e a herança genética da humanidade3.

8.3. A classificação de Jean-Jacques Israel

A doutrina francesa distingue nitidamente as liberdades públicas dos direitos e se esmera em classificar apenas as primeiras. Gilles Lebreton considera falsas as classificações que confundem as liberdades com os direitos, indicando o caso típico da distinção clássica entre "liberdades-resistências" e "liberdades-créditos", já que as liberdades públicas são sempre liberdades-

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-resistências. As pretendidas liberdades créditos são na verdade direitos, e não liberdades, por isso é preferível qualificá-las como "direitos-créditos"4.

As liberdades públicas podem ser classificadas, segundo Jean-Jacques Israel, de acordo com diferentes critérios: 1º - função da liberdade a respeito do indivíduo segundo sua situação; 2º - condições e modos de exercício das liberdades; 3º - existência de uma hierarquia entre as diversas liberdades; 4º - realidade ou efetividade das liberdades5.

8.3.1. Função da liberdade a respeito do indivíduo segundo sua situação

Quanto ao primeiro critério, as...

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