Vontade do tribunal ou generosidade da Constituição? Trazendo o constituinte para o debate

AutorEvandro Proença Süssekind
Páginas11-62
Introdução
Nos últimos anos, tornou-se inegável o aumento da participação do Supremo
Tribunal Federal no cenário político brasileiro. A sociedade se acostumou a
uma suprema corte que julga casos sensíveis1 à opinião pública, e a academia
já discute há tempos a possibilidade de vivermos uma “Supremocracia”.2 No
entanto, os membros do tribunal não parecem concordar com tal diagnóstico.
Alguns Ministros se defendem da acusação de estarem expandindo os pode-
res3 do tribunal argumentando que estariam apenas exercendo suas compe-
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determinadas matérias.4 Assim, o tribunal não exerceria poderes não previstos
em nossa Constituição.
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nião pública, como por exemplo: o aborto de anencefálicos (ADPF 54), a união homoafeti-
va (ADPF 132), o uso de células tronco (ADI 3510), o programa de cotas nas universidades
(ADPF 186) e escândalos de corrupção como o Mensalão (Ação Penal 470).
2 Vieira, O. V. (2007). Supremocracia: Vícios e virtudes republicanas. Valor Econômico, p. 10,
06 nov.
3 Aqui preferimos o termo “expansão dos poderes” a “ativismo judicial” por querermos abor-
dar a relação dos juízes com seus poderes e não a percepção do mundo de tais poderes.
Ainda assim, sobre uma análise da percepção de ativismo no Brasil ver Arguelhes, D. W., de
Oliveira, F. L., & Ribeiro, L. M. Ativismo judicial e seus usos na mídia brasileira. Ver também
entrevista de Ricardo Lewandowski durante o XI Congresso Goiano da Magistratura pro-
movido pela Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO). Na entrevista o
Ministro diz preferir o termo protagonismo a ativismo, pois o ativismo pressupõe um agir
espontâneo, sendo que o juiz é provocado. Parece inferir que o ativismo não existe, visto
que o judiciário invariavelmente só age quando provocado. No entanto, coloca que o juiz
deve estar atento aos seus limites, e deixa no ar a pergunta sobre quem ou o que traçaria
esses limites.
4 “Nem se alegue, em tal situação, a ocorrência de ativismo judicial por parte do Supremo Tri-
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prudencial ensejadora da possibilidade de exercício de direitos proclamados pela própria
Carta Política, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da
República, muitas vezes vulnerada e desrespeitada por inadmissível omissão dos poderes
públicos. Em uma palavra, Senhor Presidente: práticas de ativismo judicial, embora mode-
radamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se
uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retar-
VONTADE DO TRIBUNAL OU GENEROSIDADE DA CONSTITUIÇÃO?
TRAZENDO O CONSTITUINTE PARA O DEBATE
EVANDRO PROENÇA SÜSSEKIND
“Every step and every movement of the multitude, even in what are
termed enlightened ages, are made with equal blindness to the future;
and nations stumble upon establishments, which are indeed the result of
human action, but not the execution of any human design.”
(Adam Ferguson — An Essay on the History of Civil Society)
12 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2014
Este trabalho tem por objetivo demonstrar que por meio de interpreta-
ções suas, o STF avocou5 para si competências que nunca foram previstas no
desenho institucional feito pela Assembleia Nacional Constituinte, mesmo em
casos onde a omissão dos demais poderes não poderia ser alegada. Para isso,
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dência do STF.
Para limitação de nosso escopo optamos por estudar como as duas institui-
ções entenderam o controle preventivo de emendas. Trata-se do controle que
se realiza antes de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ser promul-
gada. O controle de constitucionalidade pela Suprema Corte no Brasil seria, em
tese, repressivo, ou seja, aconteceria em um momento posterior à promulgação
da lei. O controle de cunho preventivo seria feito pelo Congresso e pelo Exe-
cutivo ao longo do processo legislativo, na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) e veto presidencial. No entanto, a corte tem realizado o controle preven-

O art. 60 § 4º de nossa Constituição dispõe: “Não será objeto de delibera-
ção a proposta de emenda tendente a abolir: I — a forma federativa de Estado;
II — o voto direto, secreto, universal e periódico; III — a separação dos Poderes;
IV — os direitos e garantias individuais”. O STF passou a exercer o controle pre-
ventivo ao interpretar que parlamentares, com base nesse parágrafo, teriam o
direito subjetivo de não votar emenda cujo objeto seja tendente a abolir uma
dessas cláusulas. Assim, a hipótese em que a Corte passou a exercer o controle
preventivo de constitucionalidade acontece quando tais parlamentares impe-
tram Mandado de Segurança para ver esse direito resguardado. Caso o STF
entenda que a proposta viola cláusula pétrea, ela não poderá ser votada.
A possibilidade de realizar o controle preventivo pode aparentar ser de-
simportante dentro das inúmeras possibilidades de estudos sobre a expansão
de poderes do STF. No entanto, caso a Assembleia Constituinte não preveja tal
possibilidade de análise, como pretendemos demonstrar, então a Corte terá se
concedido uma espécie inteiramente nova de controle de constitucionalidade.
Não se trata de um entendimento novo dentro da espécie de controle usual,
dam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se
tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos
à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. Discurso proferido
pelo Ministro Celso de Mello, em nome do STF, na solenidade de posse do Ministro Ayres
Britto na presidência do STF em 19/04/2012. Ou “O grande protagonista social do século 21
é o Poder Judiciário. Na inércia dos dois Poderes — Legislativo e Executivo —, o Judiciário
vai lá e resolve”, palestra proferida por Ricardo Lewandowski no 11º Congresso Goiano da
Magistratura.
5 Ver ARGUELHES, D.W. (2012). “Poder Não é Querer: Preferências restritivas e redesenho
institucional no Supremo Tribunal Federal Pós-Democratização”. Trabalho apresentado no
ciclo de conferências “A Jurisdição Constitucional em 2020”. Universidade de Brasília, Fa-
culdade de Direito, Abril de 2012.
VONTADE DO TRIBUNAL OU GENEROSIDADE DA CONSTITUIÇÃO? 13
que é o repressivo, trata-se de uma espécie de controle nova ainda a ser ex-
plorada pela corte.
Além disso, caso exista o controle preventivo, ele não poderá ser visto
como um agir do tribunal em resposta a alguma omissão. Primeiramente, não
se trata de nenhuma matéria onde possamos acusar o Congresso de omitir-
-se, como saúde ou educação, trata-se do poder de julgar matérias, sejam elas
quais forem, em um momento novo. Assim, um Ministro do STF não poderia
alegar que, ao omitir-se de fazer o controle preventivo de constitucionalidade,

Ainda assim, tendo em vista que o Congresso e a Presidência realizam seu
controle preventivo por meio da Comissão de Constituição e Justiça e veto
presidencial, respectivamente, não pode ser algo que o Congresso possa ser
acusado de furtar-se de fazer. O STF pode, obviamente, discordar do resultado
do controle preventivo feito pelos demais poderes, mas discordar do resultado
não é a mesma coisa que acusá-los de omissão.
Outra razão para estudarmos o controle preventivo se deve ao fato de a
primeira jurisprudência em que há uma mudança importante de entendimen-
to6 sobre o assunto se dá anteriormente à Constituição de 88.7 Dessa forma,
poderemos seguir a linha jurisprudencial dos casos mais importantes até hoje,8
observando o entendimento anterior e posterior à constituinte.
   
preventivo ser resolvida no âmago da repartição de competências entre Supre-
-
mento do Tribunal sobre a principal resposta institucional do Congresso a ele.9

que lhes foram dadas, poderemos contribuir para as mais diversas argumenta-
ções envolvendo a relação entre os três poderes. Assim, esperamos proporcio-
nar ferramentas para outros debates envolvendo a relação entre constituinte
originário e derivado tendo um terceiro com interesses próprios, no caso o STF,
como defensor e intérprete da Constituição.10
6 Ver Pertence, J. P. S. (2007). O controle de constitucionalidade das emendas constitucio-
nais pelo Supremo Tribunal Federal: crônica de jurisprudência. Revista Eletrônica de Direito
do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº9.
7 Trata-se do MS 20.257 de 1980 impetrado por Itamar Franco que será estudado adiante.
8 No caso, o último MS de nossa linha do tempo foi o MS 32.033 impetrado em 2013 por Ro-
drigo Sobral Rollemberg.
9 No entanto, esse poder de resposta tem sido ameaçado ao longo do tempo. Com o poder
do STF de julgar Emendas inconstitucionais e o entendimento expansivo do alcance das
cláusulas pétreas, o STF, mesmo no controle repressivo já é capaz de tolher em muito a
margem de manobra do Congresso. Para essa discussão ver ADI 939.
10 Para a importância desse debate para a democracia ver Holmes, S. (1993). 7. Precommit-
ment and the paradox of democracy in Elster, J., & Slagstad, R. (Eds.). (1988). Constitutio-
nalism and democracy. Cambridge University Press. Onde: “Shapiro and Hayek typify the

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