Violência sexual e comportamento moral: violência de gênero na Comarca de Chapecó - 1958 a 1988

AutorFernanda Arno
CargoMestranda em História Cultural na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista Capes
Páginas102-119
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 02 - 2º Semestre de 2014
ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Seção 05 : Gênero, Sexualidade e Feminismo
Violência sexual e comportamento moral: violência de gênero na
Comarca de Chapecó 1958 a 1988 Fernanda Arno
Resumo: Este artigo propõe algumas
considerações a respeito dos discursos
contidos nos inquéritos policiais do
crime de estupro pertencentes a
Comarca de Chapecó (referente aos
municípios de Chapecó, Caxambu do
Sul, Nova Itaberaba, Guatambu,
Planalto Alegre e Cordilheira Alta), no
período de 1958 à 1988. Através dos
depoimentos dos envolvidos nos crimes,
analiso o tratamento dado as mulheres
pelos indiciados, familiares, amigos,
conhecidos e órgãos jurídicos e,
também, como o comportamento moral
e sexual da vítima era visto ao longo do
processo-crime.
Palavras-chave: Violência de gênero.
Inquéritos policiais. Comarca de
Chapecó.
Abstract: This article proposes some
considerations regarding to the
discourses contained in the police
investigation of the crime of rape
related to the Judicial District of
Chapecó (referred to the municipalities
of Chapecó, Caxambu do Sul, Nova
Itaberaba, Guatambu, Planalto Alegre
and Cordilheira Alta) on the period of
1958 to 1988. Through the testimony of
those involved in these crimes, I
analyze the treatment that was accorded
to women by the defendant, family,
friends, acquaintances and legal bodies
and also how moral and sexual conduct
of the victim was seen throughout the
criminal proceedings.
Keywords: Gender violence. Criminal
inquiries. District of Chapecó.
Inquéritos Policias como fonte de
pesquisa histórica
O uso de registros e inquéritos
policiais como fonte para a pesquisa
histórica, e o olhar que o historiador
aplica aos documentos produzidos pela
polícia transformando-os em
documentos históricos, fazem parte de
uma ampliação de objetos no campo da
pesquisa histórica, principalmente após
a chamada Escola dos Annales. O
aumento do campo de análise histórica
carregou consigo uma ampliação
também da ideia de “documento
histórico”, de seus tipos e usos, já que o
aumento do campo de investigação
implicou mudanças no conceito de
documento histórico “a tudo que
contivesse a possibilidade de vislumbrar
a ação humana” (KARNAL; TATSCH,
2009: 15).
A partir da década de 1980 a
utilização das fontes policiais e também
judiciais viria cada vez mais ganhar
espaço no campo das ciências humanas,
mais precisamente na História e nas
Ciências Sociais (Sociologia e
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 02 - 2º Semestre de 2014
ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Antropologia). Com a utilização e a
análise destas fontes, sejam os
inquéritos policiais ou processos-crime,
de acordo com uma determinada
corrente teórica, seria possível ressaltar
informações sobre práticas sociais e
cotidianas dos sujeitos envolvidos,
estabelecendo comportamentos e
valores sociais aceitos e legitimados.
Como afirma Kich,
As possibilidades de usos do s
processos criminais tornam-se
imensas, visto que os estudos
podem enfocar diferentes
personagens, espaços ou recortes
das infor mações existe ntes. Tanto
fatos ou pessoas conhecidas,
como o contrário; tanto cidades
populosas, como pequenos
lugarejos, além de oco rrências
muito antigas, como as mais
atuais. I ndependente da classe
social dos envolvidos, os
processos criminais co ntêm dados
a respeito de pessoas, as quais
podem ser abordadas
qualitativamente ou
quantitativamente. (KICH, 2 010,
s.p.).
Para compreender esta fonte,
como afirma Chalhoub (2012) é
necessário estar atento as repetições nas
falas dos inquéritos, pois são nestas
repetições que se evidenciam
comportamentos cotidianos e as
relações de poder aí construídas “As
diferentes versões produzidas são vistas
neste contexto como símbolos ou
interpretações cujos significados cabe
desvendar. Estes significados devem ser
buscados nas relações que se repetem
sistematicamente entre as várias
versões, pois as verdades do historiador
são estas relações sistematicamente
repetidas” (CHALHOUB, 2012: 40).
Outras informações podem ser
utilizadas para compreender o contexto
a ser estudado e ser comparadas com as
versões encontradas nas fontes policiais.
Analisar dados demográficos,
periódicos ou mesmo entrevistas orais
nos ajuda a entender as relações
percebidas, os padrões comportamentais
e possíveis formas de resistência a ele,
nos dando pistas que ajudam a
esclarecer as lacunas deixadas por estas
fontes. No entanto, neste artigo procuro
evidenciar os enunciados contidos nos
depoimentos dos inquéritos policiais, o
que pode ser visto e o que é apenas
lacuna e só pode ser preenchido com
possibilidades, o que é dito e o que
podemos apreender no não dito. A
análise que o historiador faz do
documento refere-se muito mais a
pergunta que fazemos a ele e as
respostas que conseguimos a partir
deste ponto de partida do que o que está
propriamente escrito ali e também,

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