Mercosul: o verticalismo das instituições no cone sul e a emancipação participativa como um desafio regional

AutorJosé Augustinho Luciano
CargoGraduando em Relações Internacionais e membro do grupo de pesquisa plataforma de análise técnica em relações internacionais da América do Sul – PÁTRIAS. Pesquisa o déficit democrático na América do Sul.
Páginas2-18

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Introdução

Este trabalho não pretende se prender tão-somente à estrutura formal do Mercosul, mas sim analisar o Mercosul através das suas raízes e de suas frágeis relações das instituições com a sociedade civil. O foco principal se prende à débil participação popular nas transformações institucionais. Far-se-á uma releitura dos fatores que explicam o contexto histórico no Cone Sul, para então compreender o crônico déficit democrático na sub-região. O Mercosul será visto pelos seus fundamentos e pela relação de poder estabelecida entre seus membros no espaço delimitado como Cone Sul, distinto e ao mesmo tempo contido na América Latina. Levar-se-á em conta que uma integração regional não pode ser relacionada apenas por um fator isolado, é preciso explicá-lo através do conjunto que determina uma direção comum a todos os atores envolvidos. Far-se-á um estudo do Mercosul como um produto da história, algo que se explica através de um processo estabelecido no espaço e no tempo ainda não definido.

O artigo será apresentado em três partes principais, num primeiro momento buscar-se-á definir o Mercosul de acordo com os fundamentos regionais, pela relação de poder e pela distinção do Cone Sul dentro do contexto da América Latina. Num segundo momento será analisada a construção institucional dessa região e a ausência da participação popular com relação às instituições dos Estados e do Mercosul, buscando teorizar esse fenômeno. Por terceiro, far-se-á uma leitura analítica da sociedade civil da referida região, analisando-a de acordo com o aspecto político e econômico. Buscar-se-á um diagnóstico para essa sociedade e apresentando as possibilidades de uma emancipação participativa dentro do novo contexto da economia mundial. A integração regional poderia significar um melhoramento no modo de vida da população do Cone Sul? Qual seria o caminho viável da integração? Este trabalho tem como objetivo buscar essas respostas

1 Fundamentos da integração nos limites do cone sul

A distinção de cone sul dentro da América Latina e a compreensão da integração sub-regional exigem o retorno aos contextos históricos relacionados aos contatos comerciais, ainda em tempos de colônia, e a formação econômica com a relação de poder que se estabeleceu na região do Rio da Prata desde o período colonial. A partir das minas de Prata de Potosi, no Alto Peru, que fez do Rio da Prata o maior corredor logístico da América do Sul, nasceu o primeiro sistema econômico e o “amálgama” regional com base no comércio e outras atividades que resultaram dasPage 3viagens comerciais de tropeiros, aventureiros ou de bandeirantes portugueses2. Essa relação ilustra um contato econômico que transcende as linhas de fronteiras e mostra a região como uma área geográfica contagiada pela participação, desde o princípio, da sociedade numa certa rebeldia fronteiriça numa entonação integracionista comercial ao Cone Sul3.

O intercâmbio comercial se mostrou um elemento necessário para o desenvolvimento de atividades, sustentação, sobrevivência e formação de um modo operante regional. Porém para que se compreenda o processo de integração não se pode esquecer as relações de poder dentro do contexto geográfico da sub-região. Por que exatamente o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai iniciam uma integração sub- regional entre si e não com outros países? Para que se possa responder a estas questões é preciso reler o contexto histórico, político e cultural no qual se insere esses quatro países. Edmundo A. HEREDIA relata a história do Cone Sul distinguindo-o dentro da América Latina4.

HEREDIA contextualiza a América Latina pela sua origem e pela época de incorporação de suas nações à economia e ao sistema político mundial5. A história das nações latino-americanas traz, em primeiro lugar, o período de luta pela emancipação, na qual a maior parte dos recursos e atenções ficou a serviço da vitória; num segundo momento foram travados conflitos internos para definir organizações políticas e estruturais na área social, sendo que nesse último caso pode-se atentar para projetos de sistemas confederados que teriam o papel de agrupar várias nações para formarPage 4unidades regionais. Depois desse período estas nações ficaram envolvidas em um sistema que de algum modo as englobava. Algumas autoridades governamentais e de opinião acabavam por reconhecer uma história mais ou menos comum e em envolvimentos em projetos mais ou menos semelhantes com a finalidade de inserir-se no mundo. A partir de então, o conjunto de todas as sub-regiões passa a ser englobado sob o rótulo de América Latina6. No contexto apresentado por HERÉDIA, a América Latina passaria a buscar seu próprio conceito e a inserção de grupos sub-regionais com características comuns, tanto pela união, pelo conflito, pelas definições de fronteiras, disputas regionais e exercício de diplomacia. Temos então a distinção do Cone Sul como sendo uma das sub-regiões dentro da América Latina, que pela perspectiva histórico-geográfica é formado pelas atuais nações do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia7, coincidentemente formadores iniciais do Mercosul, sendo que os dois últimos em fase de associados ao bloco de integração.

Segundo HERÉDIA, O Cone Sul pode ser compreendido através de duas perspectivas: a geografia e a histórico-cultural. Pela primeira, a configuração do espaço unitário se prende a três fenômenos naturais: a região e bacia platinas, na qual estão relacionados a Argentina, o Brasil, o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia; a passagem inter- oceâneca austral, na qual se insere as relações entre Chile e Argentina; e a região e bacia amazônicas, onde está inserido as relações entre o Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e as guianas. A participação e a ingerência de cada um dos países nesses fenômenos são diferentes, pois são vinculados à participação nacional com relação a esses territórios e esta vinculação está relacionada com a capacidade do exercício de poder frente aos seus vizinhos. Um exemplo dessas diferenças é o caso da Bolívia que tem sido excluída desses dois primeiros fenômenos quanto à utilização, manejo e administração dentro desses complexos naturais, suas relações são deficitárias quanto à região amazônica, mas é mais grave no caso da bacia platense na qual inclui boa parte de seu território. Temos ainda o Paraguai como um país da bacia platina inibido da condição de participante em virtude do protagonismo encerrado por Brasil e Argentina8. Desta forma, os países do Cone Sul se vinculam a uma posição geográfica frente aos fenômenos apresentados, e nesse contexto cada qual desprende o esforço para sustentar-se em si mesmo, determinando a relação de poder na sub-região, marcada pela assimetria regional, um fator relevante para explicar a complexidade do Mercosul.

A segunda perspectiva trata de um espaço comum marcado pela história e pela cultura, pela problemática que envolve a condição de distanciamento do império hispânico, afastado dos centros coloniais mais ricos como uma região periférica com relação à atenção da Metrópole. A sub-região foi zona de confronto entre os domínios da Espanha e de Portugal, bem como palco de confrontação entre brancos e índios e receptor significativo de variadas culturas e nacionalidades da Europa em grandes contingentes imigratórios9. Assim, a história traz os países do Cone Sul vinculados aPage 5problemas semelhantes e ao mesmo tempo distintos que, pela semelhança ou pela diferença podem ser compreendidos como componentes de um concerto. Segundo HERÉDIA, as nações do Cone Sul seriam comparadas a uma verdadeira família, cuja qualificação se pode definir de mal havida, com parentescos às vezes não aceitos, e quando assumidos é com desagrado e protesto. Enquanto laços de vinculação são firmados com as nações hegemônicas da economia e política a nível mundial o que lhes garante uma inserção na órbita internacional numa qualidade de sócios menores. Esses vínculos foram mais fortes que os laços familiares e, com isso, ficaram subordinados aos sócios maiores como condições de estarem incluídos10.

As relações que se estabeleceram tanto no sentido das rivalidades entre grupos dominantes, como das alianças regionais, deram origem à criação de Estados nacionais que não levaram em conta as questões culturais e étnicas da sub-região. Tentou-se forjar uma identidade do ser nacional cuja essência se encontraria em uma suposta cultura nacional. As evidências mostram a durabilidade e persistência de formas culturais conservadas que continuam operando, apesar dos empenhos dirigidos no sentido de realizar os projetos nacionais11. Essas formas culturais respondem com persistência através da sua moldagem étnica cultural, chegando a formar uma sólida contextura baseada no sentimento grupal e comunitário que dão testemunho originário de reivindicações perfiladas entre manifestações pacíficas ou impulsos de violência12. Os bolsões culturais e étnicos que transcendem fronteiras no Cone Sul13 foram violentados pela construção institucional do Estado Nacional e forçados à vinculação da doutrina oficial com base numa suposta nação cercada por linhas geográficas. Essas linhas demarcadas pela geopolítica, resultantes do processo violento da colonização não foram suficientes para liquidar as comunidades culturais. Visto pela perspectiva ocidental, esses grupos são constituídos por comunidades plurinacionais, porém, partindo delas mesmas, não passam de comunidades compostas por indivíduos que se identificam entre si por uma cultura ou padrões de vida comuns, oriundos de uma história comum. Nesse sentido, elas não fragmentam ou enfraquecem a coesão nacional, pois são alheias aos modelos impostos pelo aparelho estatal centralizado. Nesse caso, esses grupos podem...

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