Vínculo Empregatício - Bancário - Corretor de Seguros - Subordinação Estrutural

AutorJuiz Murilo Carvalho Sampaio Oliveira
Ocupação do Autor5ª Região - BA
Páginas101-112

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SENTENÇA

  1. RELATÓRIO

Patrícia Santos Cordeiro ajuizou Reclamação Trabalhista em face do Banco Bradesco S/A e Bradesco Vida e Previdência S/A, postulando as pretensões elencadas na inicial de folhas 01-25, juntando documentos. Devidamente notificados, os Reclamados compareceram à sessão de audiência, recusando a conciliação, oferecendo defesa única às fls. 390-438, juntando documentos. Alçada fixada em valor superior a quarenta salários mínimos. A manifestação da Reclamante sobre os documentos ocorreu às fls. 580-586. Foram ouvidas as partes e quatro testemunhas, fls. 588-591. Sem mais provas a produzir, foi encerrada a instrução. Razões finais remissivas. Segunda tentativa de conciliação renovada.

II. FUNDAMENTAÇÃO

  1. PRELIMINARES

1.1. INÉPCIA

A defesa suscita a inépcia da petição inicial, sob alegação de que os pedidos de normas coletivas dos bancários não têm "elementos que sustentem os pleitos" (fl. 392).

Inicialmente, a exordial declina os fatos que, conforme sua argumentação, caracterizam a Reclamante como bancária e faz os pedidos das vantagens normativas de bancários. Saliente-se que os pedidos formulados decorrem exatamente dos fatos narrados. Frise-se que os pedidos são específicos, organizados, havendo sempre narração fática (causa de pedir) e postulação (pedido), preenchendo, portanto, os requisitos legais.

Assim, os pedidos foram lógicos em relação às causas de pedir, não contendo qualquer inaptidão. Ademais, houve total possibilidade de defesa a partir da exposição lançada na exordial, tanto que o Reclamado pode, e fez a impugnação específica das alegações. REJEITA-SE.

1.2. ILEGITIMIDADE PASSIVA

A defesa formula preliminar de ilegitimidade passiva, aduzindo que a Reclamante não tinha vínculo empregatício, pois desenvolveu relação de natureza cível-comercial. Como se vê não se trata de ilegitimidade passiva, mas de alegação de ausência de responsabilidade, questão, portanto, meritória, que depende da produção de provas.

As condições da ação são apreciadas prima facie, isto é, cotejadas em abstrato sem qualquer avaliação sobre a veracidade das assertivas da inicial. Há pertinência subjetiva, porquanto a Reclamante afirma que prestou serviços para os Reclamados, configurando in statu assertionis a legitimidade passiva, pois a veracidade dessa alegação diz respeito ao mérito. REPELE-SE.

2. PRESCRIÇÃO

2.1. TRABALHISTA - QUINQUENAL

A arguição da defesa de prescrição quinquenal merece acolhida, uma vez que os créditos postulados

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compreendem período superior aos últimos cinco anos. Em face do teor do art. 7º, XXIX da Constituição da República, somente são exigíveis os créditos trabalhistas dos últimos cinco anos, contados do ajuizamento da ação, consoante orientação da Súmula n. 308, I do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Como a petição inicial foi ajuizada em 26.4.2012, restaram prescritos os créditos anteriores ao quinquênio constitucional. Declaram-se, então, extintos os créditos vencidos e exigíveis anteriores à 26.4.2007, ressalvados eventuais depósitos de FGTS decorrentes de verbas incontroversas e pagas em atenção à Súmula n. 206 do TST.

Saliente-se que a prescrição somente atinge a exigibilidade do direito, não fulminando a base de cálculo da parcela, cuja composição poderá ter verbas prescritas, conforme o vencimento e exigibilidade, a exemplo das férias, as quais têm exigibilidade somente ocorre após o período concessivo (art. 149 da CLT) e o 13º salário exigível a partir de 20 de dezembro (art. 1º, Lei n. 4.749/65).

2.2. DANO MORAL - TRIENAL

No tocante à alegação de prescrição trienal do Código Civil, art. 206, § 3º, V, suscitada em face do dano moral, não merece guarida a alegação da defesa. A reparação pretendida decorre da execução do contrato de trabalho, assumindo, por consequência, a natureza trabalhista, com a prescrição bienal e quinquenal, consoante comando constitucional do art. 7º, XIX. REJEITA-SE.

3. VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Em resumo, afirma a Reclamante que atuava, efetivamente, como bancária/securitária dos Reclamados, embora com a "denominação de corretora de seguros". Relata que foi obrigada a constituir uma empresa (pessoa jurídica), a fim de "mascarar" o vínculo empregatício, mas que exercia tarefas determinadas pelos Reclamados, inclusive com subordinação e fiscalização. Assim, requer o vínculo empregatício e o enquadramento sindical como bancária/securitária e as decorrentes vantagens normativas.

A defesa, em síntese, nega a existência de vínculo empregatício, aduzindo que havia contrato cível-comer-cial de corretagem com a pessoa jurídica (Hoje e Sempre Corretora de Seguros), da qual a Reclamante era sócia. Registra que a Reclamante é corretora devidamente inscrita na SUSEP e que a legislação que disciplina a atividade de corretagem impede a formação de vínculo empregatício. Alega ainda que a Reclamante não era subordinada ou tinha jornada fiscalizada pelos Reclamados, não havendo também exclusividade na atuação da Reclamante, a qual não era bancária ou securitária.

Inicialmente, não existem impeditivos legais para o reconhecimento do vínculo empregatício de corretor com empresa, inclusive seguradora, desde que presentes os requisitos da CLT. Isto porque o sistema constitucional-celetista não convalida dispositivos legais infraconstitucionais que vedem a existência de vínculo empregatício quando, repita-se, presentes os elementos fáticos desta relação, mormente diante da força do princípio da primazia da realidade no Direito Laboral. Logo, o art. 17, alínea b da Lei n. 4.594/64 ou o registro na SUSEP não tem o condão de impedir a aplicação da CLT na hipótese do preenchimento dos requisitos fáticos da relação de emprego, sendo igualmente relevante o teor dos Decretos citados pela defesa, valendo o registro de que a Lei n. 6.435/77 foi revogada. Neste sentido, vem decidindo este E. TRT:

"CORRETOR DE SEGUROS. TRABALHADOR AUTÔNOMO X EMPREGADO. Apesar do art. 17, da Lei n. 4.594/64, vedar expressamente o reconhecimento do vínculo de emprego dos corretores com a sociedade seguradora, tal proibição não impede o trabalhador de vir a Juízo pugnar pelo reconhecimento da relação de emprego nas hipóteses em que a atividade é desenvolvida nos moldes do art. 3º, da CLT, e não de forma autônoma. Isso porque, no Direto do Trabalho vige o Princípio da Primazia da Realidade segundo o qual "deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica" (Mauricio godinho Delgado in Curso de Direto do Trabalho, LTR, 1. ed., p. 203). Assim, se o trabalhador é contratado como corretor de seguros, inclusive com inscrição na SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, mas desempenha suas atividades de forma subordinada, inclusive sem clientes próprios, nada impede que obtenha em Juízo a identificação do liame empregatício." (Processo 0106200-84.2009.5.05.0023 RECORD, ac. n. 078782/2011, Relatora Desembargadora DALILA ANDRADE, 2ª TURMA, DJ 23.9.2011).

"RELAÇÃO DE EMPREGO - CORRETAGEM DE SEGUROS. A vedação legal, em abstrato, à subordinação entre o corretor de seguros e a seguradora não obsta o reconhecimento do contrato de trabalho, quando efetivamente existente, posto que a lei não constitui trincheira para ocultar a realidade e excluir o trabalhador da proteção a que tiver jus." (Processo 0030400-26.2009.5.05.0031 RECORD, ac. n. 101262/2012, Relatora Desembargadora IVANA MÉRCIA NILO DE MAGALDI , 1ª TURMA, DJ 20.6.2012).

Do exame da prova documental, identifica-se (fls. 29-34) os atos constitutivos da empresa Hoje e Sempre Corretora de Seguros, cujas sócias são a Reclamante e sua genitora. Verificam-se cópias do "crachá" e do cartão de visitas da Reclamante, na qual consta a marca do 2º Reclamado e a referência função de "consultora de previdência e consórcios". Os documentos de apresentação de fls. 479-483 referenciam que foi a Reclamante, pessoalmente e não a empresa Hoje e Sempre Corretora de Seguros, indicada a trabalhar em diversas agências do Bradesco. Os documentos de fls. 482-484, intitulados "consulta de corretores", sempre individualização o nome da Reclamante e não da mencionada pessoa jurídica.

O "acordo operacional" (fls. 490-501) indica que a empresa Hoje e Sempre Corretora de Seguros foi contratada pelo Bradesco Vida e Previdência para angariar

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e intermediar a vendas de contratos de seguro e planos de previdência privada, mediante pagamento de comissões, sendo tal acordo subscrito apenas pela Reclamante. O documento de fl. 405 demostra que a Reclamante, em caráter pessoal, ficou ciente que não era bancária, mas que poderia acessar as dependências do Banco Bradesco desde que utilizasse crachá.

Somente do exame da prova documental constata-se a existência de trabalho de caráter pessoal da Reclamante em favor dos Reclamados. Isto porque a sócia da Reclamante na empresa Hoje e Sempre Corretora de Seguros nunca prestou serviços aos Reclamados, tampouco ocorreu indicação de preposição por terceiro em nome daquela empresa. Ao contrário, todos os documentos (crachá, termo de apresentação, termo de ciência, etc.) dos autos demonstram que havia vinculação pessoal do trabalho da Reclamante, o que já caracteriza a existência de pessoalidade.

Logo, a contratação de pessoa jurídica não afasta a verificação da existência de vínculo empregatício, sob o prisma do princípio da primazia da realidade, haja vista a cristalina ocorrência de pessoalidade, o que demonstra que a utilização de pessoa jurídica pode ter sido expediente de elisão da relação empregatícia, caso presentes os demais requisitos do art. 3º da CLT.

Nas três horas de duração da audiência de instrução, o cenário fático confirmado foi bastante diferente daquele descrito na defesa. No próprio depoimento dos prepostos já se percebe a existência de um padrão de trabalho demarcado pela "dependência" da Reclamante perante os Reclamados e a...

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