Direitos humanos: universalismo, indivisibilidade e democracia liberal x relativismo cultural, globalização e democracia ?agonísta'

AutorMicheli Pereira
CargoMestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Páginas13-34
DIREITOS HUMANOS: UNIVERSALISMO, INDIVISIBILIDADE E
DEMOCRACIA LIBERAL X RELATIVISMO CULTURAL,
GLOBALIZAÇÃO E DEMOCRACIA ‘AGONÍSTA’
HUMAN RIGHTS: UNIVERSALITY, INDIVISIBILITY AND LIBERAL
DEMOCRACY X CULTURAL RELATIVISM, GLOBALIZATION AND
DEMOCRACY ‘AGONIST’
Micheli Pereira1
Resumo: Propõe-se uma reflexão a respeito do que se ent ende pela concepção contemporânea dos
direitos humanos, marcada pela ideia de universalidade e indivisibilidade desses direitos, bem como por
seu vínculo com a democracia (liberal). Por outro lado, são ab ordadas as principais críticas a essa
concepção. Abordam-se temas como o relativismo cultural, multiculturalismo, o impacto da
globalização fre nte à ‘i ndivisibilidade’ dos direitos humanos e o que vem se entendo por de mocracia
‘agonística’ em um mundo ‘multi polar’. Pri meiro, se desenvolve uma análise a respeito do que se
entende por concepção contemporâ nea de direitos humanos, abarcand o-se, sob este enfoque, os temas
da universalidade e a indivisibilidade desses direitos, bem como o seu vínculo com a democracia
(liberal). Segundo, são apresentadas uma a uma, as crítica s feitas a essa concepção, consistentes,
basicamente, na discussão acerca do relativismo cultural ou mul ticulturalismo, efeitos da globalização e
democracia ‘liberal’ como modelo ocidental .
Palavras chave: Universalismo – Multi culturalismo – Indivisibilidade – Globalização – Democracia.
Abstract: We pro pose a reflection about what is meant by the contemporary co nception of human
rights, marked b y the idea of u niversality and indivisibility of these rights, as well as its li nk with
democracy (liberal). On the other hand, d eals with the main criticisms of this conception. It addresses
issues such a s cultural relativism, multiculturalism, the i mpact of globalization facing the indivisibil ity
of human rights and coming to under stand why democracy 'agonistic' in a world 'multipolar'. First,
develops a n analysis as to what is meant by contemporary conception of human rights, c overing up,
under this appr oach, the themes of universality and indivisibility of these rights, as w ell as its
relationship with democracy (liberal). Second, are presented one by one, the criticism s of this
conception, consisting mostly of a discussion of cultural r elativism or multiculturalism, effects of
globalization and democracy 'liberal' a s the Western model.
Keywords: Universalism – Multiculturali sm – Indivisibility – Globalization – Democracy.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é propor uma reflexão a respeito do que vem se
entendendo pela concepção contemporânea dos direitos humanos, marcada pela
ideia de universalidade e indivisibilidade, bem como pelo vínculo desses direitos
com a democracia (liberal). Por outro lado, são abordadas as principais críticas a
essa concepção. Traz-se à discussão os temas do relativismo cultural,
multiculturalismo, o impacto da globalização frente à ‘indivisibilidade’ dos direitos
humanos e o que vem se entendo por democracia ‘agonística’ em um mundo
‘multipolar’.
Em um primeiro momento, será desenvolvida uma análise a respeito do
que se entende por concepção contemporânea de direitos humanos, abarcando-se,
sob este enfoque, os temas da universalidade e a indivisibilidade, bem como o
vínculo desses dir eitos com a democracia (liberal). Em um segundo momento,
serão analisadas, uma a uma, as críticas feitas a essa concepção, consistentes,
basicamente, na discussão do relativismo cultural ou multiculturalismo, efeitos da
globalização e democracia ‘liberal’ como modelo ocidental.
1 Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Univ ersidade Católica do Paraná.
E-mail: michelipereira2003@yahoo.com.br
14 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.5, n.9 , p. 13-34, jul./dez. 2010
1 CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS:
UNIVERSALISMO, INDIVISIBILIDADE E DEMOCRACIA
A concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela ideia de
universalidade e in divisibilidade, foi in troduzida a partir da Declaração Universal
de Direitos Humanos e reiterada na Declaração de Direitos Humanos de Viena de
1993. Ela é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos,
surgido no pós-guerra, como resposta aos horrores ocorridos durante o período do
nazismo. Diante da tragédia vivida, passou-se a conceber que “se a Segunda
Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria
significar a sua reconstrução”2.
Assim, a principal preocupação desse movimento de internacionalização
dos direitos humanos passou a ser a n ecessidade de estender ao domínio
internacional a proteção a esses direitos, sob o fundamento de que a proteção não
poderia “reduzir-se ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de
legítimo interesse internacional”3. A noção de soberania passou, então, a ser
relativizada, uma vez que as intervenções nos Estados eram necessárias em prol da
proteção aos direitos humanos. Além disso, cristalizou-se a máxima de que o
indivíduo é titular de direitos, tanto no âmbito nacional, como no plan o
internacional4.
O marco do processo de internacionalização dos direitos humanos se
configura, justamente, pela introdução da concepção contemporânea dos direitos
humanos como ‘universais’ e ‘indivisíveis’: universais porque “a condição de
pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos”5, não
havendo distinção de etnia, sexo, nacionalidade, etc.; indivisíveis porque “a
garantia dos dir eitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos
sociais, econômicos e cultur ais e vice versa”6, ou s eja, um está ligado ao outro de
modo que se um for violado, o outro também o será.
Flávia Piovesan explica que a Declaração Universal de 1948, ao consagrar
valores universais, teve p or objetivo fundar uma ordem pública mundial, cujo
fundamento é o respeito à dignidade humana. Aduz que o único requisito para ser
titular de direitos é a c ondição de ‘pessoa’, razão porque o documento deixou par a
trás o legado nazista que atribuía o ‘direito a ter direitos’ a uma única raça (raça
pura ariana)7. No mesmo sentido, Norberto Bobbio ensina que a Declaração de
2 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e ju stiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9.
3 Idem, p. 12.
4 Idem. Ibidem.
5 PIOVESAN, Flávia. A univ ersalidade e a indivi sibilidade dos direitos humanos: desafios e
perspectivas. I n: BALDI, Cé sar Augusto (O rg). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 49.
6 Idem. Ibidem.
7 “A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundia l fundada no respeito à
dignidade humana ao consagrar valore s básicos universais. Desde seu pr eâmbulo, é afirmada a
dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáv eis. Vale dizer, para a
Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de
direitos. A universalidade dos direitos humano s traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que
condicionava a titu laridade de direitos à pertinência à determinada raça (a raça pura ariana). A
dignidade humana co mo fundamento dos direitos humanos é concepção qu e, posteriormente, vem a ser
incorporada por t odos os tratados e declarações de direitos humanos, que passam a integrar o chamado
Direito Internacional dos Direitos Humano s” (Idem, p. 49-50).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT