Uma genealogia das relações de poder-saber no 'canto dos malditos': Um discurso psiquiátrico brasileiro

AutorLucas Melo Borges de Souza
CargoMestrando em Ciências Criminais na PUC-RS
Páginas54-83
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P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 9 (n. 27), 2014
ISSN 1980-775
UMA GENEALOGIA DAS RELAÇÕES DE PODER-SABER NO “CANTO
DOS MALDITOS”: Um discurso psiquiátrico brasileiro
Lucas Melo Borges de Souza
Mestrando em Ciências Criminais na PUC-RS
Resumo: O presente artigo consiste em uma análise genealógica, a partir da metodologia
de Michel Foucault, das relações de poder-saber que se estabelecem durante a
internação de Austregésilo Carrano Bueno em diferentes instituições psiquiátricas na
década de 70, no Brasil. Nesse contexto, será exposto o modus operandi das instituições
psiquiátricas na “função-psi” do indivíduo a partir de dispositivos disciplinares. O relato
Austregésilo está na obra autobiográfica “Canto dos Malditos”. A obra serviu de base para
o filme “O bicho de sete cabeças”, dirigido por Laís Bodanzky e roteiro de Luiz Bolognesi.
Palavras-chave: Genealogia Relações de poder-saber Disciplina da Função-psi
INTRODUÇÃO
Austregésilo Carrano Bueno narra, em seu livro “Canto dos Malditos”, as internações
em diferentes manicômios as quais se submeteu desde a sua juventude (a partir dos 17
anos) até o início de sua vida adulta. O seu relato é um testemunho vivo das condições
dos hospitais psiquiátricos brasileiros durante a década de 70 e um catalisador da luta
antimanicomial no Estado brasileiro.
Dentro desse contexto, ele traz algumas consequências que o “rótulo” de dependente
psicológico de uma certa droga acarretou para o mesmo, entre as quais, podem ser
destacadas, principalmente, mudanças no modo de como suas relações familiares,
sociais e de dentro dos hospitais psiquiátricos passaram a se construir.
Sendo assim, o presente texto tem como finalidade a análise genealógica dessas
diferentes relações que Austregésilo se encontrava após a sua categorização de indivíduo
psicológico que deve se submeter ao saber psiquiátrico. Para tanto, será utilizada como
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base teórica a construção metodológica de Michel Foucault sobre a analítica das relações
sócio-políticas que se estabelecem na sociedade contemporânea, a qual tem como
sustentáculo o conceito “poder-saber” como uma dualidade intrínseca e presente no modo
como o indivíduo se relaciona socialmente.
No primeiro capítulo serão expostos os instrumentos teóricos, delimitados por Michel
Foucault, que serão utilizados para a análise do presente trabalho. Após estabelecer a
moldura teórica, o autor, no segundo capítulo, se debruçará nas relações práticas que são
descritas por Austregésilo na obra “Canto dos Malditos”.
A METODOLOGIA DE ANÁLISE DE PODER EM MICHEL FOUCAULT
A obra do pesquisador francês em estudo, como definiu Lechuga-Solís, pode ser
caracterizada como uma “filosofia da verdade” pelo fato de que Michel Foucault buscava
demonstrar que não existe uma verdade universalmente válida no espaço-tempo, mas
que na verdade existem diversas verdades, as quais são construídas dentro de
determinado contexto social.
1
Para a compreensão da construção dessas verdades é primordial compreender a
arqueologia e a genealogia dos saberes, as quais o filósofo francês trata da seguinte
forma: “A arqueologia seria o método próprio da análise das discursividades locais e a
genealogia, a tática que faz intervir, a partir dessas discursividades locais assim descritas,
os saberes sujeitados que daí se desprendem”.
2
O que o autor tenta explicitar nesse ponto é a importância da arqueologia como método
de reconstrução da história para a compreensão dos movimentos sociais e das diferentes
relações que se desenvolveram no contexto em que se pretende analisar e que
intervieram diretamente na formação do discurso, assim como da importância da
genealogia como tática que faz inserir, como saberes válidos para essa análise, o que o
autor define como “saberes sujeitados”, ou seja, aqueles saberes que não eram
1
LECHUGA-SOLIS apud RIBEIRO JÚNIOR, H. Governamentalidade neoliberal e biopolítica da
exceção: as intervenções biopolíticas sobre a população no contexto da arte de governar neoliberal.
Niterói, 2013. 234 p. Tese (Doutorado em Sociologia e Direito). Programa de pós-graduação em Sociologia
e Direito. Universidade Federal Fluminense, 2013.
2
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 16.

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