Trabalho e fé: uma análise jurídica da natureza dos serviços prestados a instituições religiosas

AutorMariana Bettega Bräunert
CargoFormada em Direito (UniCuritiba) e em Ciências Sociais (UFPR) Consultora jurídica do Telejuris/PR
Páginas12-15

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Introdução

As transformações políticas, econômicas e sociais em curso no mundo moderno impõem aos operadores do direito uma série de dificuldades.

Muitas delas advêm da insuficiência normativa ou mesmo da incapacidade dos que a aplicam e interpretam as normas legais em adequá-las às mudanças estruturais mais amplas ocorridas no bojo da estrutura social da qual o direito é, senão, mero reflexo.

Essas transformações atingem também o mundo do trabalho e trazem junto a si uma série de impasses e desafios aos que advogam e operam as normas jurídicas trabalhistas.

Como observa Roberto Fragale Filho, "as atuais transformações do trabalho aliadas a uma conjuntura econômica recessiva propiciam o aparecimento de 'novas' formas de trabalho, que evidenciam uma aparente incapacidade do direito em fornecer respostas adequadas a demandas que não mais são formuladas em termos estritamente jurídicos"1.

Nesse contexto, uma das dificuldades com as quais se deparam os aplicadores do direito do trabalho é esclarecer a natureza da relação existente entre uma categoria específica de trabalhadores - os obreiros de igreja - e as entidades para as quais prestam serviços - as instituições religiosas.

A questão é extremamente atual, haja vista o notório crescimento de demandas trabalhistas dessa natureza, movidas, sobretudo, por pastores evangélicos contra as igrejas a que servem.

É, também, de suma relevância, pois, caso esse tipo de relação possa ser caracterizado como relação de emprego, estão os referidos empregados abrangidos pela legislação celetista (e podem, portanto, acionar a justiça do trabalho para pleitear seus direitos); caso contrário, isto é, caso essa relação não seja considerada uma relação de emprego, quaisquer litígios dela eventualmente decorrentes podem ser solucionados apenas na esfera cível.

A relação de emprego e o trabalho de cunho religioso

Comumente, para que uma relação seja considerada como de emprego ela deve preencher os requisitos elementares deduzidos dos artigos e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quais sejam, pessoalidade, subordinação, onerosidade e nãoeventualidade:

"Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual."

A atividade de natureza religiosa, no entanto, possui algumas peculiaridades bastante relevantes que Page 13 devem ser levadas em conta. Por essa razão, a presença desses elementos não é suficiente para caracterizar a relação de emprego quando se trata de serviço prestado por um fiel a uma instituição religiosa.

As religiões, pois, são consideradas "sistemas unificados de crenças e práticas relacionadas com coisas sagradas"2, que se projetam na vida social, por meio de comunidades morais, chamadas igrejas.

Uma vez que se baseia essencialmente na fé, o envolvimento religioso é uma forma bastante específica de engajamento e difere do exercício de uma profissão, pois pressupõe a doação de si próprio em um sentido desinteressado, comunitário e de submissão espontânea à autoridade hierárquica religiosa.

Portanto, a relação de emprego difere totalmente do vínculo religioso, pois ao passo que a relação empregatícia possui natureza essencialmente econômica, a relação do fiel com sua igreja está assentada na fé, e é norteada por princípios e interesses essencialmente diversos do econômico.

Em vista disso, o entendimento predominante na jurisprudência é o de que as atividades de natureza religiosa em geral não são consideradas como relação de emprego. Confira-se:

Não caracterização - A prestação de serviços religiosos transcende aos limites de uma atividade tipicamente comercial, eis que, assentada na fé, vocação missionária e voluntariedade, detém natureza meramente espiritual, destituída de qualquer interesse econômico mensurável. (PROC. TRT RO nº 1723/2001. Acórdão TRT nº 2357/2001...

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