Parâmetros para uma análise empírica da relação entre idéias, elites e instituições

AutorAdriano Nervo Codato
CargoProfessor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Editor da Revista de Sociologia & Política e Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP).
Páginas23-48
Dossiê
Parâmetros para uma análise empírica
da relação entre idéias, elites e instituições
Adriano Codato*
1. Introdução1
A
crise profissional e ideológica que tomou conta do estado-maior
da política paulista depois de 1930 pode ser medida pela coleção
de posições divergentes que os dirigentes do estado assumiram
diante do governo federal, pela quantidade de vezes que eles rom-
peram e reataram com o Presidente da República e pela exuberância
das justificativas que deram ao público doméstico para cada um
desses rodopios. Uma maneira objetiva de decidir esse drama foi
não dispensar os atores, mas trocar de teatro. Na década seguinte,
já sob o Estado Novo, o futuro Ministro do Trabalho (e, posterior-
mente, também da Justiça) Marcondes Filho, Vice-Presidente do
Departamento Administrativo do Estado de São Paulo, exaltou o
que seria, de fato, um feito:
Muitos e admiráveis milagres, de ordem moral e material, o Sr.
Getúlio Vargas terá realizado e ainda realizará no desempenho da
missão histórica que a Providência lhe confiou [sic]. Mas, a meu ver,
nenhum será mais belo, mais profundo e de maior ressonância do
* Adriano Codato é Professor de Ciência Política da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), Editor da Revista de Sociologia & Política e Coordenador do Nú-
cleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP). Endereço eletrônico:
adriano@ufpr.br.
1 A oportunidade para discutir mais sistematicamente as questões aqui tratadas
surgiu no colóquio “Variações sobre um tema: interpretações do Brasil e do
Estado Novo”, realizado em novembro de 2007, em Florianópolis, na Universi-
dade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este ensaio é um desenvolvimento da
conferência que apresentei, intitulada “São Paulo sob o Estado Novo”.
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Nº 12 – abril de 2008
que este, que nos fez recuperar o verdadeiro e glorioso sentido de
nós mesmos e ver que ele está, ainda e sempre, no âmago do próprio
destino excelso do Brasil (MARCONDES FILHO, 1941, p. 195).
Esse milagre era “a sincera, entusiástica e definitiva integração
de São Paulo” à União nacional. “Entusiástica integração” é um oxi-
moro, considerando-se todos os antecedentes históricos: a revolução
contra a confederação oligárquica encimada pelo Partido Republica-
no Progressista (PRP) em 1930; a Revolução Constitucionalista, em
1932, contra o governo tenentista e seus desacertos; o golpe contra
o candidato da União Democrática Brasileira (UDB) em 1937 etc. Até
quando ela seria definitiva é uma questão a se verificar, ainda que,
àquela altura, não houvesse tantas outras possibilidades assim. Um
dos problemas históricos mais significativos no intervalo 1930-1945
corresponde ao grau de sinceridade dessa assimilação e sua direção
política. Em suma: o regime incorporou politicamente os paulistas
ou os paulistas incorporaram ideologicamente o regime?
O objetivo geral deste artigo é fornecer algumas sugestões
teóricas e metodológicas para se pensar, em um registro diferente
do habitual, a questão empírica do transformismo ideológico da
elite política de São Paulo nos anos 1940 e também, em termos
mais amplos, as relações entre idéias, elites e instituições políticas.
Por “transformismo” quero designar aquilo que Antonio Gramsci
definiu com precisão: não apenas a passagem de indivíduos, em geral
parlamentares (transformismo “molecular”), ou de grupos inteiros de
um campo político (ou ideológico) a outro, mas um fenômeno mais
complexo: a assimilação, “decapitação” e destruição das elites de um
grupo inimigo. Assim, o transformismo é a fabricação “de uma classe
dirigente cada vez mais ampla, [...] com a absorção gradual, mas con-
tínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos
surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam
irreconciliavelmente inimigos” (GRAMSCI, 2002, p. 286; p. 63).
Na primeira seção, defino melhor o assunto específico que
me interessa tratar – aquilo que Anthony Giddens chamou de a
“integração moral” de uma classe política – e seus desdobramentos
analíticos possíveis. Na segunda, determino dois parâmetros novos
de interpretação daquele enigma político, um de tipo social, outro

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