A Tutela Constitucional dos Interesses Difusos

AutorGianpaolo Poggio Smanio
CargoPromotor de Justiça da Cidadania de São Paulo
Páginas10-14

Page 10

A Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente a existência dos interesses difusos em seu art. 129, III, ao dispor sobre as funções institucionais do Ministério Público, destacando a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Reconhece os interesses difusos e, ao mesmo tempo, destina a sua proteção ao Ministério Público, demonstrando não se tratar de norma meramente programática, mas preceptiva ou atributiva de direitos. A própria Constituição confere os meios de investigação, constantes do inquérito civil, e o instrumento de proteção judicial, a ação civil pública. Dispõe, inclusive, sobre a titularidade da ação, ao conferi-la ao Ministério Público.

De acordo com essa visão, também destacamos o art. 5º, LXXIII, da Carta Constitucional, que trata da ação popular, também reconhecendo a existência de interesses difusos e coletivos e estabelecendo que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

A Magna Carta reconhece os interesses difusos e coletivos e impõe a sua proteção pelo próprio cidadão, conforme os direitos e garantias fundamentais, por meio da ação popular. Notamos, então, pelos dois dispositivos constitucionais analisados, que a Constituição Federal não somente reconheceu a existência dos interesses difusos e coletivos mas também estabeleceu um "sistema de garantia" desses interesses, definindo titulares do direito à proteção e instrumentos jurídicos de proteção, ao conferila ao Ministério Público, por intermédio do inquérito civil e da ação civil pública, e ao cidadão, por meio da ação popular.

Ao Ministério Público coube a titularidade ampla, uma vez que poderá tutelar, além dos interesses especificamente mencionados pela Constituição, como o meio ambiente e o patrimônio público e social, os demais interesses difusos e coletivos, conforme a fórmula genérica utilizada pelo mencionado art. 129 da CF.

Aos cidadãos coube titularidade restrita, posto que a ação popular somente pode ter por objeto a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou a entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

A Constituição, entretanto, não define os interesses difusos, o que é objeto da legislação infraconstitucional, tarefa realizada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que, em seu art. 82, I, os reconhece como interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indetermináveis e ligadas por circunstâncias de fato.

Ocorre que o conceito de interesse difuso é um conceito constitucional autônomo, ou seja, conforme Canotilho e Vital Moreira: "conceitos que, não obstante a sua utilização e definição a nível infraconstitucional, devem ser preenchidos em primeiro lugar através da análise do seu sentido na Constituição, pois são conceitos primariamente constitucionais"1.

Prosseguiremos, portanto, para buscar esse conceito, apontando diversos dispositivos constitucionais tratando dos interesses difusos.

1. O meio ambiente

O art. 225, caput, da Magna Carta assegura o interesse difuso ao meio ambiente, estabelecendo concepções fundamentais sobre o Direito Ambiental, pois indica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e dispõe a natureza jurídica dos bens ambientais como de uso comum do povo e impõe tanto ao Poder Público quanto à coletividade o dever de defender e preservar os bens ambientais para as presentes e futuras gerações.

O nosso Texto Constitucional está de acordo com a Declaração sobre o Ambiente Humano, realizada na Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, Suécia, em junho de 1972, na qual ficou estabelecido: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar, e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras."

Na definição de José Afonso da Silva, "o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas"2.

Esse conceito ressalta os três aspectos do meio ambiente: o meio ambiente natural, o artificial e o cultural. O meio ambiente natural é aquele que existe independentemente da influência do homem, como a flora, a fauna, o solo, a água, em que ocorre a interação dos seres vivos.

O meio ambiente artificial, por sua vez, é aquele resultante da interação do homem com o meio ambiente natural, ou seja, o espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações e dos equipamentos públicos.

O meio ambiente cultural também é fruto da interação do homem com o meio ambiente natural, mas com um valor especial adquirido, integrado pelo patrimônio artístico, arqueológico, paisagístico, turístico etc.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência dos princípios constitucionais ambientais ao declarar liminarmente a inconstitucionalidade do art. 182, § 3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que afastava a obrigatoriedade de estudos prévios de impacto ambiental, no que se referia às áreas florestadas ou objeto de reflorestamento para fins empresariais:

"Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-la, através de normas gerais, estaria inserida na competência do legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art. 24, VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitarse da competência legislativa a que se refere o § 3º do art. 24 da Carta Federal, já que esta busca suprir lacunas normativas para atender às peculiaridades locais, ausentes na espécie" (STF, Pleno, ADIn n. 1086-7/SC, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 16.9.1994).

Apontamos os seguintes princípios constitucionais do meio ambiente, fixados no art. 225 da CF:

1- Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal: o Poder Público tem o dever de defender e preservar o meio ambiente, assegurando sua efetividade. A ação governamental deverá ocorrer na manutenção do equilíbrio ecológico.

2 - Princípio da prevenção e da precaução: significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem danos ao meio ambiente. A Constituição exige, na forma da lei, a realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), que será público, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. A lei determina a proteção de ecossistemas, com preservação de áreas representativas e de áreas ameaçadas de degradação.

3 - Princípio da educação ambiental ou princípio da informação e da notificação ambiental: o Poder Público deverá promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para preservação do meio ambiente (a comunidade deve ser capacitada para participar da defesa do meio ambiente).

4 - Princípio da participação e cooperação: o Estado e a coletividade têm o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo para as gerações presentes e futuras. O Estado e a sociedade devem cooperar na formulação e execução da política ambiental. Os diferentes grupos sociais devem participar dessas atividades juntamente com a Administração Pública. A...

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