Tutela Coletiva Inibitória para a Efetivação do Direito Fundamental ao Meio Ambiente do Trabalho Saudável

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas47-62

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Introdução

A globalização econômica e a explosão demográfica mundial propiciaram o surgimento de uma sociedade de massa que traz como consequência inexorável uma cadeia de degradação em massa. É dizer, o mundo inteiro vem sofrendo com os problemas gerados pela degrada- ção ambiental em massa, pela produção industrial em massa, pela distribuição produtiva em massa e pelo consumo em massa.

Na seara das relações sociais trabalhistas, a mudança do modelo fordista para o toyotista de produção e distribuição de bens e serviços implicou novas formas de trabalho, como a robotização, o teletrabalho e o trabalho a distância, além de o próprio Direito do Trabalho sofrer influências estruturais com os fenômenos decorrentes da globalização, como a flexibilização das normas de proteção ao trabalho humano subordinado, gerando, igualmente, a degradação em massa dos direitos sociais dos trabalhadores, especialmente os direitos relativos à sadia qualidade de vida no meio ambiente laboral.

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Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura o acesso - individual e metaindividual - ao Poder Judiciário, tanto nas lesões quanto nas ameaças a direito (art. 5º, XXXV), o legislador constituinte reconheceu, definitivamente, a necessidade de se buscar novos meios que pudessem tornar o processo mais ágil e útil à sociedade de massa, por meio de uma prestação jurisdicional coletiva, efetiva e tempestiva, o que foi reforçado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que introduziu o princípio da duração razoável do processo.

Para assegurar a defesa dos direitos ou interesses metaindividuais, a Constituição brasileira de 1988 previu a ação civil pública, "para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (CF, art. 129, III).

O presente estudo, portanto, tem por escopo analisar a tutela coletiva inibitória para a proteção do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho saudável no ordenamento jurídico brasileiro.

Para tanto, buscar-se-á, sem a pretensão de esgotar a temática pertinente, responder às seguintes indagações: o que é meio ambiente do trabalho e qual o seu fundamento constitucional? O que é tutela coletiva inibitória, qual o seu fundamento e natureza jurídica? É possível a tutela coletiva inibitória de urgência? Como a tutela coletiva inibitória de urgência pode contribuir para a proteção do meio ambiente do trabalho? Quais os requisitos para a concessão da tutela coletiva inibitória de urgência? É possível a tutela coletiva inibitória de urgência ex officio para proteção do meio ambiente do trabalho?

1. O meio ambiente na constituição federal de 1988

A Constituição brasileira de 1988 contempla inúmeros aspectos a respeito do meio ambiente, reservando, de forma inédita no constitucionalismo brasileiro, um capítulo específico sobre o tema, o qual não deve ser interpretado isoladamente. Ao revés, a compreensão holística do meio ambiente requer a interpretação sistemática de todos os princípios e normas contidas na própria Constituição e dos Tratados Internacionais.

O conceito fundamental de meio ambiente é extraído do art. 225 da CF, in verbis:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Este conceito foi recepcionado do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81, que define o meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Vê-se, assim, que a definição de meio ambiente é bastante ampla, constituindo, na verdade, um conceito jurídico indeterminado, permitindo, de tal arte, a abertura no ordenamento jurídico para a sua concretização na perspectiva da terceira dimensão dos direitos humanos.

Visando à efetivação do conceito de meio ambiente, a doutrina classifica-o, para fins meramente didáticos, em: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho, sendo este último objeto específico deste estudo.

2. O meio ambiente do trabalho saudável como direito e dever fundamental

A compreensão (e efetivação) do direito humano e fundamental ao meio ambiente do trabalho saudável requer do intérprete a conjugação apriorística dos princípios e regras:

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a) da Constituição Federal - arts. 1º, III e IV, 6º, 7º, XXII, XXIII, XXVIII, XXXIII, 200, VIII, 225 (a saúde como bem ambiental);

b) dos Tratados Internacionais - especialmente as Convenções da Organização Internacional do Trabalho n.s 148, 155, 161 e 170 (que são, no mínimo, para acompanhar o recente entendimento do STF, normas de natureza supralegal).

Destarte, as normas relativas à segurança e medicina do trabalho previstas no Título II, Capítulo V (arts. 154 a 223) da CLT, na Lei n. 6.514/77 e na Portaria n. 3.214/78 com as suas respectivas Normas Regulamentares, devem ser interpretadas conforme os princípios e regras previstos na Constituição Federal e nos tratados internacionais acima referidos.

A concepção moderna de meio ambiente do trabalho, portanto, está relacionada aos direitos humanos e fundamentais, notadamente os direitos à vida, à segurança e à saúde dos trabalhadores. Esses direitos, na verdade, devem ser interpretados e aplicados com arrimo nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa e da cidadania.

Nesse sentido, adverte Paulo Roberto Lemgruber Ebert:

Supera-se, assim, a concepção tradicional da doutrina juslaboralista pátria, calcada apenas nas normas técnicas da CLT e nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, que preconizam o meio ambiente do trabalho tão somente sob a perspectiva dogmática e formal da medicina, higiene e segurança do trabalho.

No atual contexto de evolução alucinante dos riscos laborais, a falência do modelo casuístico-legalista, pautado pela subsunção mecânica das previsões normativas em abstrato aos fatos, é notória. Em tal realidade, somente o desvelamento do conteúdo histórico-institucional das normas principiológicas de direitos fundamentais à luz das nuances dos casos concretos, na acepção formulada por Dworkin e Zagrebelsky, é capaz de responder a tais desafios com um mínimo de eficiência.

Para que isso seja possível, faz-se necessário, em primeiro lugar, superar aquela concepção clássica (e positivista) que enxerga as diretrizes normativas pertinentes à segurança e à medicina do trabalho como meros adendos legais aos contratos laborais definidos de forma estrita, casuística e em numerus clausus. Nesse sentido, a incorporação do conceito de "meio ambiente do trabalho" e de sua principiologia à regulamentação de tais aspectos e à resolução em concreto das controvérsias é de substancial auxílio para o tratamento eficiente dos riscos laborais a que os obreiros estão expostos.

Para tanto, as diretrizes constantes da Lei n. 6.938, de 31.8.1981 e da Constituição Federal de 1988, oferecem amplo manancial principiológico e conceitual que permite inserir os locais e as condições de trabalho no conceito de "meio ambiente" expandindo, também para essa seara, os mecanismos preventivos, inibitórios e repressivos que tutelam os indivíduos contra os riscos à vida e à integridade física, independentemente da natureza do vínculo mantido com o detentor dos meios de produção.1

Vale dizer, o novo conceito de meio ambiente do trabalho há de ser extraído da interpretação sistemática das referidas normas em cotejo com as previstas nos arts. 200, VII, 7º, XXII e XXVIII, da CF, in verbis:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

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(...)

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

(...)

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Em seguida, chega-se ao conceito de meio ambiente do trabalho, que passa a ser, segundo Sidnei Machado, o "conjunto das condições internas e externas do local de trabalho e sua relação com a saúde dos trabalhadores".2

Consequentemente, para o mundo do trabalho - prossegue o citado autor:

essa aproximação do meio ambiente com a saúde do trabalhador, numa perspectiva antropocêntrica, coloca a ecologia dentro da política. O produtivismo é a lógica do modo de produção capitalista, cuja irracionalidade dilapida a natureza para sua reprodução. Essa é a verdadeira fonte da crise ecológica, que também gera a exploração desenfreada da força de trabalho que coloca em perigo a vida, a saúde ou o equilíbrio psíquico dos trabalhadores.3

A nosso sentir, portanto, meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado é um direito humano e fundamental dos trabalhadores à sadia qualidade de vida física, psíquica, social e moral no ambiente laboral.

No Estado Democrático de Direito ou, como prefere Ingo W. Sarlet, no Estado Socioambiental e Democrático de Direito...

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