Os Tributos

AutorDeusmar José Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogado (Procurador da Fazenda Nacional) e Contador
Páginas91-117

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12. 1 Importância

Se há um instituto jurídico de Direito Tributário que possa reter nossa atenção pelo seu significado, é tributo. O próprio conceito de Direito Tributário edifica-se a partir dos tributos. Não seria demasiado dizer que a palavra "tributário" remete ao tributo.

Em nosso País, o conceito de tributo é legal. Está no artigo 3º

do Código Tributário Nacional que, como se sabe, foi recepcionado como lei complementar. A definição de tributo é norma jurídica entre nós. Dessarte, pode ser modificada ou revogada. Enquanto regra de Direito, há de ser cumprida, principalmente pelo legislador ordinário das entidades estatais.

No quadro geral da classificação das receitas que esboçamos no capítulo 4º, os tributos dão origem às receitas derivadas tributárias. A afirmação afina-se com o artigo 9º da Lei nº 4.320/64, que prescreve: "Tributo é receita derivada..."

12. 2 Conceito

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada64. As linhas sublinhas na definição são:

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I) Prestação pecuniária compulsória, desvendando que o Direito Tributário é obrigacional65por regular o vínculo jurídico que une credor (fisco) e devedor, cujo desfecho hospeda na entrega de dinheiro ao credor (prestação);

II) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. A cláusula final "cujo valor nela se possa exprimir" tem servido para muita discussão. Há quem não consiga ver nessa cláusula nenhuma utilidade ou que a mesma prestar-se-ia só para autorizar a indexação do valor a ser pago (por exemplo, em UFIR). Surge outrossim o problema de saber se o Direito Tributário brasileiro admite os chamados tributos in natura e in labore (pagos com mercadoria ou com trabalho).

No plano da Teoria geral do direito, Becker66escreveu um texto singular sobre o assunto, cerrando fileira ao lado dos defensores da plena valia dessas exações. Contudo, não que sejamos absolutamente positivistas a ponto de apadrinhar peremptoriamente a inadmissão desses tributos. Sob nossa óptica, há um obstáculo de ordem prática ou operacional, concernente à franca opção do Estado pelo pagamento em dinheiro e às dificuldades inerentes em executar a prestação, e mais um, de ordem jurídica, relacionado com o alcance da disposição e com o direito individual fundamental. Pensemos no indivíduo que importa um carro. Como dar à Fazenda Pública parte deste? É claro que a lei pode, em casos dessa ordem, substituir a prestação ou convertê-la em dinheiro. E, aí, voltaríamos ao ponto inicial. A tributação afeta direito fundamental, qual seja, o direito de propriedade de bens, mas que não é inconciliável com a exigência de tributo. Assim não se dá quando a lei, podendo fazer opção pela prestação pecuniária, determina que o sujeito passivo preste pessoalmente serviços ao credor da prestação. A escolha da prestação in labore, a nosso

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sentir, seria desarrazoada e inconstitucional, por violar o direito fundamental de liberdade e o princípio da proporcionalidade. Alfim, se o impedimento residisse no artigo referido, o legislador complementar poderia alterá-lo, mas parece que o problema transcende os lindes legais para alcançar norma constitucional.

III) Que não constitua sanção de ato ilícito. Afirmamos, ao discursarmos acerca das normas jurídicas de Direito Tributário, que o fato gerador é fato lícito. A proposição confirma-se com o texto do CTN. Demais disto, essa fração da norma tem a finalidade de aclarar que o ato ilícito (multa pelo não pagamento de tributo na data aprazada, multa por violação de normas de trânsito ou penais etc.) não é tributo.

IV) instituída em Lei. Denota que a obrigação tributária ganha forma independentemente da vontade do contribuinte. A obrigação diz-se ex lege. Nenhum tributo pode ser criado senão mediante lei ou MP, diante do princípio da legalidade estrita agregado ao inciso I do artigo 150 da Super Carta.

V) Atividade administrativa plenamente vinculada. Praticado o fato gerador, nasce a obrigação tributária. Para constituir o crédito, já carimbado pelas normas de Direito Tributário material, os agentes fazendários deverão observar todas as regras de Direito Tributário formal, não gozando eles de autonomia para emitir juízo de valor sobre a conveniência ou não de constituí-lo. Cuida-se de procedimento administrativo plenamente vinculado quanto ao rito, podendo culminar na lavratura de notificação ou de auto de infração.

12. 3 Finalidade

A criação de tributos e as suas alterações, máxime de base de cálculo e alíquotas, geralmente trazem como escopo primeiro a elevação da carga tributária para contrapor o crescente aumento dos gastos públicos. A assertiva, porquanto verdadeira, não chega a ser um axioma. O Estado, principalmente a União, não raramente utiliza

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tributos com fins econômicos, ora para incentivar uma atividade, ora para impedir outra, ora para proteger seu mercado. Com base nestas premissas, fala-se em classificação econômica dos tributos, fazendo-se remissão a seus aspectos econômicos, que compreendem:

I) a fiscalidade: quando o objetivo precípuo - mas não único, porque isso mostra-se impraticável - do tributo é arrecadar fundos para o ente tributante;

II) a parafiscalidade: manifesta-se no momento em que o titular da competência cria o tributo e o repassa a outra pessoa, como no caso das contribuições que eram captadas pelas Autarquias INSS e FNDE;

III) a extrafiscalidade: a expressão designa que o fim a lograr com a imposição de tributo não se confunde exclusivamente com a obtenção de receita. Mescla-se a arrecadação com a intervenção no ambiente econômico e no meio social. A majoração expressiva da alíquota do imposto de importação, para proteção de setor da economia nacional, é exemplo de extrafiscalidade.

12. 4 Categorias

O artigo introdutório do título VI da Constituição Federal dispõe nestes termos:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

O contato com o texto transcrito pode levar o intérprete a extrair, ao menos, duas importantes conclusões. Uma, quem são os titulares da competência impositiva; outra, quais são os tributos do sistema. Os

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entes políticos agraciados com competência tributária própria são a União, os Estados - e o Distrito Federal - e os Municípios. Os tributos estariam tripartidos em impostos, taxas e contribuição de melhoria. A última conclusão impende melhor análise, inclusive com incursão por todo o texto constitucional a respeito da tributação.

A delicada questão da classificação dos tributos não chega a constituir novidade em nosso território. Desde há muito vem a doutrina cuidando do assunto. Sustentou-se que os tributos seriam: a) impostos ou taxas; ou b) impostos, taxas e contribuição de melhoria; ou c) impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios; ou d) impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições (especiais ou parafiscais).

Um dos expoentes da doutrina que defende a existência de um único par de espécies tributárias (classificação bipartida) é Becker67:

No plano jurídico, todo e qualquer tributo pertencerá a uma destas duas categorias: imposto ou taxa. A serena análise científico-jurídica, em cada caso singular, revelará que inexiste terceira categoria ou categoria mista. Os chamados ‘tributos parafiscais’, ‘contribuições de melhoria’, ‘empréstimos compulsórios’ e ‘monopólios fiscais’, ao serem dissecados pelo método científico-jurídico (não pelos tradicionais ‘métodos’ híbridos que confundem os critérios e conceitos da Ciência das Finanças Públicas com os do Direito Tributário), desnudam-se da ‘camouflage’ político-fiscal ou histórico-filosófica ou simplesmente retórico-acadêmica e mostram-se verdadeiros impostos ou taxas.

Sacha Calmon Navarro Coelho68vem defendendo que a Carta Política de 1988 teria classificado os tributos em três espécies (tripartida):

A matéria que está a nos ocupar diz respeito à existência de apenas três ou mais espécies de tributos na Constituição de 1988. O art. 145, inaugural,

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vimos de ver, dá competência às pessoas políticas, União, Estados (Distrito Federal) e Municípios para instituírem três espécies de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Por outro lado, adotou a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados para viabilizar a resolução do problema do reparte dos tributos entre as várias pessoas políticas. Ora, com agir dessa forma, fechou-se na concepção tripartite do tributos, pois são três e apenas três os tributos reconhecidos por esta escola, até por questão de coerência lógica. É que dita teoria finca no fato gerador e na base de cálculo da exação a técnica de reconhecimento dos tributos, ou melhor, de sua diferenciação. Os tributos têm fatos geradores vinculados a uma atuação estatal referida à pessoa do obrigado. Numa primeira aproximação será lícito dizer, então, que os empréstimos...

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