Substituição tributária e repetição do indébito: legitimidade processual

AutorMarcelo de Lima Castro Diniz
CargoMestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas82-91

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1. Introdução

O pagamento indevido, em relação jurídica sujeita à substituição tributária, gera a indagação de quem tem legitimidade para postular a repetição. Quem tem direito à restituição: a pessoa que tem o dever de satisfazer a prestação tributária, isto é, o substituto (responsável), ou o substituído (contribuinte), quem de fato experimenta diminuição patrimonial? Há relação jurídica tributária entre substituto e substituído ou se trata de relação sujeita ao direito privado? E entre substituído e Fisco? Qual a natureza do que é pago pelo substituto e pelo substituído? A norma veiculada pelo art. 166, do CTN, aplica-se à repetição de indébito tributário pago em regime de substituição tributária?

Este trabalho tem por escopo oferecer respostas às referidas indagações, sem qualquer propósito de esgotar o tema.

2. Sujeição passiva tributária

O art. 121 do Código Tributário Nacional prescreve que a sujeição passiva tributária poderá recair sobre o contribuinte ou o responsável. Contribuinte é o sujeito que realiza o fato jurídico tributário, revela capacidade contributiva e é o destinatário constitucional da tributação (sujeição passiva direta). Já responsável, o sujeito a quem a lei impõe o dever de satisfazer a prestação tributária, sem se revestir da condição de contribuinte (sujeição passiva indireta).

O art. 128, do CTN, dispõe sobre a possibilidade de a lei atribuir ao responsável, a sujeição passiva tributária, em cará-ter exclusivo ou supletivo: "Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação". Este preceito constitui a matriz infraconsti-tucional da substituição tributária.

Os sujeitos da relação jurídica tributária, ativo e passivo, nem sempre coincidi-

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rão com a pessoa que institui o tributo (competência tributária) ou com o beneficiário da receita tributária (parafiscalida-de) ou com a pessoa que ostenta capacidade para praticar o fato jurídico tributário (capacidade tributária ativa), ou ainda a pessoa que realiza o fato jurídico tributário e revela capacidade contributiva (contribuinte). Não há simetria entre as mencionadas relações jurídicas:1 a mera alteração da posição dos sujeitos não determina o regime jurídico aplicável. Há regras e princípios distintos para cada uma dessas situações jurídicas.

A relação jurídica de repetição de indébito tributário, oriunda do fato pagamento ou cobrança indevida de tributo, não terá, necessariamente, os mesmos sujeitos da relação jurídica tributária. Nem sempre o sujeito passivo da relação jurídica tributária será sujeito ativo da relação jurídica de repetição do indébito tributário.

A relação tributária é jurídica e patrimonial e esses dados fundamentais devem ser considerados para a correta compreensão do tema. Por se tratar de relação jurídica, o direito estabelece seus limites, contornos, sujeitos, objeto e natureza; por ser patrimonial, a relação tributária encerra o dever de entregar soma em dinheiro aos cofres públicos (obrigação tributária principal ex vi do art. 113, § 1o, do CTN). Trata-se de relação que, a par de viabilizar a realização de valores constitucionais, significa, sob o prisma subjetivo, diminuição patrimonial.

3. Substituição tributária

A substituição tributária constitui técnica de arrecadação que visa, precipua-mente, à realização do primado da eficiên-cia, consagrado pelo art. 37, da CF. Mas substituição tributária é, acima de tudo, norma jurídica.2

A Constituição Federal se reporta à substituição tributária no art. 150, § T, como técnica capaz de viabilizar a imposição de obrigação tributária antes da ocorrência do fato jurídico tributário ("fato gerador presumido").

Os enunciados dos arts. 121 e 128, do CTN, conjugados ao art. 150, § 7o, da CF, conferem os contornos da substituição tributária. Sua conformação jurídica é a seguinte: (i) previsão legal; (ii) contribuinte, que será substituído; (iii) responsável, que figurará como substituto; (iv) direito do substituto de descontar e reter o montante devido do substituído; (v) dever do substituto de repassar o respectivo valor ao sujeito ativo, na forma e prazo estipulados em lei.

A substituição tributária não encerra solidariedade, precisamente porque implica a "substituição" do contribuinte pelo responsável: o dever de cumprir a prestação tributária é cometido ao responsável, em caráter exclusivo ou supletivo.

O regime jurídico é sempre o do substituído e não do substituto. Nesse sentido, se o substituído é titular de imunidade ou isenção tributária, não haverá o dever de satisfazer a prestação pelo substituto. Constitui equívoco exaltar a pessoa do substituto na substituição tributária, pondo-se o substituído em plano inferior. A instituição do tributo tem em mira, sempre, a pessoa do contribuinte (isto é, do substituído), pois é dele que o Estado intenta transferir recursos de modo coativo. A substituição tributária não põe o contribuinte em posição extrajurídica, tampouco lhe retira a condição de sujeito de relações jurídicas.

A substituição tributária dá origem a três relações jurídicas: (i) relação jurídica entre substituído e Fisco, que tem por ob-

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jeto o dever de pagar importância a título de "tributo" (R1); (ii) relação jurídica entre substituído e substituto, mediante a qual é assegurado o direito ao desconto e à retenção do valor correspondente ao "tributo" (R2); (iii) relação jurídica entre substituto e Fisco, que impõe o dever de entregar a importância descontada do substituído, a título de "tributo" (R3).

As três relações são regidas pelo direito positivo e, todas, têm natureza tributária,3 embora a relação jurídica tributária, em sentido estrito (relação jurídica tributária de primeiro nível), vincule apenas o substituto e o Fisco (R3). Em R1, há uma relação jurídica tributária em sentido amplo entre substituído e sujeito ativo (relação jurídica tributária de segundo nível), na medida em que é o substituído quem pratica o fato jurídico tributário e revela capacidade contributiva. Já em R2, também há uma relação jurídica tributária em sentido amplo entre substituto e substituído (relação jurídica tributária de terceiro nível), visto que é assegurado ao substituto descontar ou reter ("cobrar") o montante devido a título de tributo, para posterior repasse ao Fisco.

Enfim, todas essas relações são jurídicas e tributárias, pois disciplinadas pelo direito positivo tributário, que congrega normas sobre instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Negar caráter tributário às mencionadas relações jurídicas implicaria negar relevância à ocorrência do fato jurídico tributário ou à manifestação de capacidade contributiva por parte do substituído ou ainda amesquinhar a atividade de cobrança tributária exercida pelo substituto em relação ao substituído. Significaria, enfim, negar caráter de tributo àquilo que constitui dever do substituído (submeter-se ao desconto e à retenção) e do substituto (entregar a soma descontada ao Fisco).

4. Cobrança epagamento no âmbito da substituição tributária

O exercício da competência tributária e o direito à percepção do tributo por força da relação jurídica tributária pressupõem o direito à cobrança. Sem o direito de cobrar, a Administração Pública seria detentora de um direito vazio de eficácia.

Em razão do primado da indisponibi-lidade dos bens públicos, a atividade de cobrança constitui um dever, que apenas a lei poderá dispensar sempre dentro dos limites estabelecidos pela lei complementar (art. 141 do CTN). E mais, a atividade administrativa de cobrança de tributos é plenamente vinculada à lei, ex vi do art. 3o do CTN. Cobrar tributos é uma atividade (algo dinâmico e procedimental, portanto) que supõe etapas, formas e pluralidade de sujeitos.

Quando o tributo está sujeito à substituição tributária, a atividade de cobrança é compartilhada com o substituto: enquanto o Fisco cobra o substituto, este tem a prerrogativa de cobrar o substituído, mediante desconto e retenção. Luís Cesar Souza de Queiroz4 afirma que o substituto é um verdadeiro "agente arrecadador", pois, por meio da substituição busca-se aprimorar a fiscalização e "agilizar a arrecadação e, consequentemente, acelerar a disponibilidade de recursos". Héctor Villegas5 o denomina "agente de percepción", assim considerado aquele que está na posição de receber do destinatário legal do tributo (contribuinte/substituído) o valor do tributo e depois repassar ao Fisco. Em suma: o Fisco "cobra" do substituto e o substituto "cobra" do substituído.

Pagamento, espécie de extinção da obrigação tributária, também constitui fato complexo no âmbito da substituição tributária. Pagamento supõe diminuição patrimonial, mas também constitui o meio na-

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tural de cumprimento do dever imposto ao sujeito passivo da relação jurídica tributária. Então, o percurso do pagamento inicia-se com a diminuição patrimonial experimentada pelo substituído, mediante retenção ou desconto, e termina com o cumprimento da prestação de dar pelo substituto. Diante disso, indaga-se: o que é pago pelo substituto? E pelo substituído? O substituído está pagando "tributo" ("quantia em dinheiro") quando sofre retenção? Ou quem paga tributo ("prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo") é o substituto, sujeito passivo da relação jurídica...

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