Tribunal Superior do Trabalho

Páginas173-196

Page 173

Processo: TST-RR-122600-60.2009.5.04.0005 Recorrente: Leandro da Rosa
Recorrido: WMS Supermercados do Brasil Ltda.

Acórdão:

- “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL – NÃO

CARACTERIZAÇÃO. Ante a razoabilidade da tese de violação dos arts. 5º, X, da Constituição Federal e 927 do Código Civil, recomendável o processamento do recurso de revista, para exame da matéria veiculada em suas razões. Agravo provido.” RECURSO DE REVISTA.

DANO MORAL. NORMA REGULAMENTAR QUE PROÍBE O RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE EMPREGADOS. ABUSO DO PODER DIRETIVO DA RECLAMADA. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À LIBERDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 927 DO CÓDIGO CIVIL CARACTERIZADA.

A partir da segunda metade do século XX, consolidou-se a percepção de que também os denominados “poderes privados” podem vulnerar os direitos fundamentais das pessoas com as quais mantêm relações jurídicas, principalmente naquelas de natureza assimétrica, em que um dos polos está em estado de sujeição ou é hipossu?ciente do ponto de vista jurídico, econômico ou social. Daí a consagração da denominada e?cácia horizontal dos direitos fundamentais ou a sua e?cácia na esfera do Direito Privado ou entre particulares, instrumento mediante o qual o Poder Judiciário atua para limitar o exercício arbitrário ou abusivo do poder por particulares que atinja os direitos fundamentais daqueles com os quais estes se relacionam. Também não cabe, hoje, nenhuma dúvida quanto à aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais em geral no âmbito das relações trabalhistas. A?nal, a doutrina contemporânea reconhece e proclama que “os direitos fundamentais não são como os chapéus que se deixam na entrada do local de trabalho, eis que tais direitos, assim como as cabeças, não podem ser separados da pessoa humana em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância”. Discute-se, no caso, a con?guração do dano moral decorrente de demissão fundamentada em norma interna da reclamada que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados dentro e fora da empresa. A situação fática explicitada na decisão regional é de que o reclamante trabalhava no supermercado e exercia o cargo de operador de supermercado, o qual passou a ter relacionamento amoroso com uma colega, que trabalhava no setor de segurança, de controle patrimonial. Foi aberto, então, um procedimento administrativo contra os dois empregados, com base em

Page 174

norma interna da empresa, por meio da qual se proibia o relacionamento amoroso entre empregados do departamento de segurança e qualquer outro empregado da empresa, sob pena de desligamento imediato. A dispensa dos dois empregados, na mesma data, decorreu do simples fato de estarem morando juntos, tendo um relacionamento, e da companheira do reclamante exercer suas atividades exatamente no setor de Divisão de Loss Prevention ou de prevenção de perdas, presumindo-se que ela poderia não agir corretamente no exercício de suas funções na área de segurança do supermercado. Na hipótese dos autos, não houve nenhuma alegação ou registro de que eles agiram mal, de que entraram em choque ou de que houve algum incidente, envolvendo esse casal, no âmbito da empresa. Esses fatos con?guram, sim, invasão injusti?cável ao patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de trabalho. Ao contrário: isso é inerente à natureza humana. Diante desse contexto fático, não cabe a menor dúvida de que preceitos constitucionais fundamentais estão sendo atingidos, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade, tendo em vista que a vida pessoal desse empregado, sem nenhuma justi?cativa razoável e sem real necessidade, está sendo desproporcionalmente limitada pelo empregador fora do ambiente de trabalho. Com efeito, em razão da condição hierárquica da relação existente entre empregado — subordinado — e empregador, tem-se que esse último detém o poder diretivo, o qual, no entanto, deve observar os limites estabelecidos na Constituição Federal e nas leis, devendo os atos empresariais, sejam eles tácitos, sejam escritos (regulamentos internos e demais normas internas), ser razoáveis, sendo vedado seu uso abusivo e contrário à função social que deve presidir e, ao mesmo tempo, servir de limite daqueles próprios atos empresariais. Destaque-se, aqui, a necessidade de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado no art. 1 º , inciso III, da Constituição Federal, o qual se concretiza pelo reconhecimento e pela positivação dos direitos e das garantias fundamentais, sendo o valor uni?cador de todos os direitos fundamentais, e à liberdade, que constitui um dos pilares principais de efetivação da dignidade humana. Vale ressaltar, por oportuno, que uma das principais características dos direitos fundamentais é sua inalienabilidade ou indisponibilidade, que resulta da fundamentação do direito no valor da dignidade humana: da mesma forma que o homem não pode deixar de ser homem, ele não pode ser livre para ter ou não dignidade — o Direito não pode permitir que o homem se prive de sua dignidade. Nesse contexto, serão indisponíveis exatamente os direitos fundamentais que visam resguardar diretamente a potencialidade do homem de viver com dignidade e de se autodeterminar, como o direito à proteção da personalidade e da vida privada do trabalhador, que se destina a salvaguardar a liberdade do trabalhador de tomar decisões sem coerções externas, mormente quando envolver questões inerentes à própria natureza humana, como é, sem dúvida, o direito de estabelecer relacionamentos amorosos com pessoas com quem um determinado empregado ou empregada houver convivido no ambiente de trabalho, situação ora em análise. Ademais, a norma regulamentar que proíbe aos empregados da reclamada que, de forma absoluta e até mesmo fora de seu local de trabalho, mantenham qualquer forma de relacionamento afetivo ou amoroso com alguns de seus colegas de trabalho também fere direta e frontalmente o art. 5 º , II, da Constituição Federal, ao tentar tornar ilícito, no âmbito da empresa, um comportamento que a Constituição e as leis absolutamente não proíbem e até estimulam por meio do

Page 175

art. 226 da mesma Norma Fundamental, que assegura a especial proteção do Estado à família e à união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar. Por ?m, tal conduta empresarial também ignora por completo o disposto no art. 21 do Código Civil brasileiro, que estabelece incisivamente que “ a vida privada da pessoa natural é inviolável , e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma” (destacou-se). Diante disso, é forçoso concluir que está con?gurado, no caso, o abuso do poder diretivo da empresa, a qual, fundamentando-se exclusivamente em norma interna que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados, dispensou sem causa justi?cada o reclamante, violando direta e indiscutivelmente seu patrimônio moral, lesão que deve ser reparada, nos termos dos arts. 5 º , inciso X, da Constituição Federal e 927, caput , do Código Civil.

Recurso de revista conhecido e provido.
“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE — BASE DE CÁLCULO (alegação de violação aos arts. 7º, IV, da Constituição Federal e 192 da Consolidação das Leis do Trabalho). Não demonstrada a violação à literalidade de preceito constitucional ou de dispositivo de lei federal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na alínea “c” do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido.

HONORÁRIOS DE ADVOGADO (alegação de violação à Lei n. 1.060/50 e divergência jurisprudencial). De acordo com a Súmula/TST n. 221, não se conhece do recurso de revista por violação de texto legal ou de preceito constitucional quando o recorrente não indica expressamente o dispositivo de lei ou preceito constitucional tido por violado. Por outro lado, não citada nas razões recursais a fonte o?cial ou repositório jurisprudencial de que foram extraídas as decisões paradigmas, não há como se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na letra “a” do art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Aplicação da Súmula/TST n. 337. Recurso de revista não conhecido”.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n. TST-RR-122600--60.2009.5.04.0005, em que é Recorrente LEANDRO DA ROSA e Recorrido WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA.

O agravo de instrumento interposto pelo reclamante foi provido em sessão realizada em
27.11.2013, para determinar o processamento do recurso de revista na primeira sessão subsequente à data da certidão de julgamento do agravo, nos termos da Resolução n. 1.418/2010.

É o relatório.

VOTO

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA

Adoto o voto proposto pelo eminente Ministro Relator originário do feito, ao examinar o agravo de instrumento do reclamante, conforme aprovado em sessão de julgamento, nos seguintes termos:

“Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Primeiramente, há de se afastar a alegação de que o despacho agravado ofende o art. 5º, caput, LV, da Carta Magna. É que o juízo de admissibilidade a quo, embora precário, tem por competência funcional o exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, extrínsecos e intrínsecos, como ocorreu no presente caso.

DANO MORAL – NÃO CARACTERIZAÇÃO

Insurge-se o agravante, em suas razões recursais, contra o despacho que denegou

Page 176

seguimento ao seu recurso de revista, sustentando que logrou demonstrar violação de preceito constitucional e de lei federal. Em suas razões de recurso de revista, alegou que “se sentiu humilhado, ultrajado injustamente, e pior: sem emprego conquistado tão duramente no tão disputado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT