Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região

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Processo: 0000759-89.2012.5.15.0069

Recurso Ordinário

Requerente: INTERSUL TRANSPORTES E TURISMO S.A.

Requerido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15a REGIÃO

Origem: VARA DO TRABALHO DE REGISTRO Juiz Sentenciante: VALDIR RINALDI SILVA

Ementa:

- AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DIREITOS E/OÚ INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÉNEOS. SOCIEDADE DE RISCO. COLETIVIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS. NO CAMPO DO PROCESSO, COLETIVIZAÇÃO DAS AÇÕES. Numa sociedade em que os riscos se multiplicam e em que só existir é já um grande risco - não que em épocas passadas o viver não representasse algum risco, mas, sem dúvida, em proporção bem menor e vindo de direções mais bem definidas e sob certa ótica mais previsíveis -, parece (rectius: chega mesmo) a ser intuitivo, há passar, efetivamente, do individual para o social, para que o social dê sustentação e vida ao individual, e isso, no campo do processo, leva à coletivização das ações, nos termos fixados pelo ordenamento jurídico, e que conferem legitimidade ao Ministério Público do Trabalho para a propositura de Ação Civil Pública, visando a defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogéneos, que digam com alguma relação de trabalho.

Da r. sentença de f. 264/8, complementada à f. 272, que julgou PROCEDENTE EM PARTE a ação, recorre a ré, mediante razões de f. 274/85-v, em síntese, quanto à preliminar de falta de interesse de agir; em relação à preliminar de ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido; no que tange à nulidade da sentença extra petita; em referência à jornada de trabalho; no tocante ao valor da multa pelo descumprimento da obrigação de fazer; em alusão ao dano moral coletivo.

Contrarrazões à f. 304/28, pelo Ministério Público do Trabalho.

Os autos não foram encaminhados para apresentação de parecer pela D. Procuradoria Regional do Trabalho, em atenção ao disposto nos arts. HOellldo Regimento Interno deste E.TRT da 15a Região.

Publicação da r. decisão em 2.8.2013-6af., f. 273, sendo tempestivo o recurso da ré interposto em 12.8.2013, f. 274; representação

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processual regular, f. 224 e 274; preparo feito, f. 286/92.

É o relatório.

Voto
Admissibilidade

Conheço do recurso, por preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

Da preliminar de falta de interesse de agir

O recorrente defende a extinção do processo, sem resolução de mérito, sustentando a falta de interesse de agir, uma vez que a presente ação civil pública, conforme alega, tem o mesmo objeto do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta juntado.

O recorrido, por sua vez, assinala que o TAC foi entabulado por outra filial da empresa.

Decerto, a existência de termo de ajustamento de conduta dispensa o aforamento de ação civil pública, quando houver identidade de partes e do objeto, nos moldes dos arts. 876, 'caput', da CLT, 585, inciso II, do CPC e 5fl, § 6fl, da Lei n. 7.347/1985, que atribuem ao TAC força de título executivo extrajudicial.

Mas, in casu, o único TAC apresentado pela ré foi firmado, em 13.7.2010, pela INTERSUL TRANSPORTES E TURISMO S.A. - CNPJ 60.896.248/0006-19, f. 255/7, que, embora faça parte da empresa, se trata de filial, situada em Registro-SP, no centro do município .

Observe-se que a matriz trata-se da INTERSUL TRANSPORTES E TURISMO S.A. -CNPJ 60.896.248/0001-04, situada em Osasco/ SP - vide site da Receita Federal. Mormente, considere-se que a unidade que responde pela presente ação, não se refere à matriz, nem à filial que se comprometeu pelo TAC de f. 25517, mas da unidade INTERSUL TRANSPORTES E TURISMO S.A. - CNPJ 60.896.248/0004-57, igualmente situada em Registro/SP, mas no bairro Arapongal - vide site da Receita Federal.

Trata-se, portanto, a ré, de outra unidade que não aderiu ao TAC de f. 254/7.

Acertada a r. decisão de origem, f. 265/5-v.

Confirmo a rejeição da preliminar de ausência de interesse de agir.

Da preliminar de ilegitimidade de parte

Alega a recorrente que o Ministério Público não tem legitimidade para a propositura da ação civil pública, dizendo que as matérias da extrapolação da jornada de trabalho e da supressão do intervalo interjornadas não se enquadram na definição de interesses difusos ou coletivos, nem mesmo consubstanciam interesses individuais homogéneos, diversamente, cuidam de interesses particulares e singulares, cuja prova, inclusive, deve ser produzida individualmente, de modo que à míngua de amparo legal, relativamente à pretensão deduzida na inicial, a ação deve ser extinta sem apreciação de mérito.

Por sua vez, o recorrido assevera que a pretensão deduzida na inicial é juridicamente possível, tendo amplo amparo na lei, sobretudo nas disposições dos arts. 81, inciso III, da Lei n. 8.078/1990, 127 'caput' e 129, ambos, da CF/l 988, ainda, 52, inciso 1,6fl, inciso VII, letra 'd' e 83, inciso III, todos, da LC n. 75/1996 e, por derradeiro, § 1-, inciso III e 3-, ambos, da Lei n. 7.345/1985. Diz que as normas afrontadas são de ordem pública, irrenunciáveis e destinadas a tutelar os interesses transindividuais e indivisíveis dos empregados, vinculados por uma relação jurídica base com o mesmo empregador, estando, assim, autorizado, o Parquet, ao ajuizamento da presente ação civil pública.

Descreve a inicial que, por meio de inquérito civil, foi constatado elevado número de reclamações trabalhistas, notadamente o desrespeito, na empresa, ao intervalo do art. 66 da CLT, que estabelece uma pausa mínima de 11 h entre as jornadas visando a segurança e/ou proteção dos trabalhadores, além do desrespeito ao limite legal de horas extras de 02 h

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por dia de atividade, impondo uma jornada de trabalho exaustiva aos empregados da empresa de transporte de passageiros, sem qualquer justificativa legal. Ainda, menciona que a ré se recusa a firmar um termo de ajustamento de conduta, f. 03/10.

Dúvida não há que a causa de pedir e o pedido não dizem respeito a meros interesses económicos individuais de cada trabalhador, não versa, por exemplo, de quantas horas extras tem direito este ou aquele empregado, diversamente, se refere, de um modo muito mais abrangente, ao respeito à legislação do trabalho, especialmente às normas de prote-ção à higidez física e mental do trabalhador, a saber, ao intervalo mínimo de 11 h e ao limite ao número de 02 h extras por dia de atividade, direitos, de resto, expressamente assegurados por preceitos de lei e, conforme o libelo, vilipendiados pela recorrente.

É dizer, transcende o âmbito dos direitos individuais a defesa do interesse cuja tutela é pretendida na presente ação civil pública, sendo, portanto, o Ministério Público do Trabalho, legitimado a propô-la, porquanto, na dicção do art. 62, inciso VII, letra 'd\ da LC n. 75/1993, a D. Procuradoria tem o dever institucional de promover a ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogéneos, sociais, difusos e coletivos.

Ressalto que o Parquet não pretende meros direitos económicos, mas a imposição ao demandado de obrigação de não fazer, relativamente a direito de caráter indisponível, através de prestação jurisdicional de natureza cominatória, com efeitos projetados para o futuro. A propósito, a prática questionada na inicial se estende no tempo e/ou trata-se de procedimento genérico e continuativo da empresa ré, surtindo efeito no futuro, não se contendo e/ou a sua origem não se delimita no tempo e/ou se restringe a determinada ocasião.

José Affonso Dallegrave Neto, tratando do cabimento da ação civil pública na Justiça do Trabalho, leciona:

"Observa-se que é no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) que a expressão ações coletivas encontra-se inserida de forma adequada, vez que ampla e em sintonia com o quadro axiológico da Constituição. Posteriormente, com a edição da Lei Complementar n. 75/93, instituiu-se expressamente a prerrogativa de o Ministério Público do Trabalho propor Ação Civil Pública na defesa dos direitos sociais. A expressão 'interesses coletivos' mencionada no inciso III do art. 83 deve ser vista em sua dimensão larga, abrangendo tanto os direitos difusos e coletivos em sentido estrito como os direitos individuais homogéneos que se enquadram dentro do interesse co-letivo em sentido amplo. Tal exegese ampla é reforçada pela leitura do caput do art. 84 dessa mesma lei complementar. Logo, não remanescem mais dúvidas de que os chamados direitos individuais homogéneos encontram-se igualmente incluídos nessa espécie de ação coletiva.

Pela dicção do art. 6a, VII, "d", da LC n. 75/93, o termo Ação Civil Pública é utilizado para salvaguardar os direitos coletivos e difusos, enquanto o art. 84 combinado com o art. 6-, XII, da mesma Lei, estabelece que a expressão Ação Civil Coletiva deve ser usada para a tutela dos direitos individuais homogéneos. Ambas as espécies compõem o género Ações Coletivas.

Não se pode deixar de prestigiar a interpretação sistémica da Constituição, mormente, aquela decorrente da interlocução de seus arts. 129, III e 127, caput, combinado com o art. 1- do CDC. Nessa mesma esteira hermenêutica, é importante que se diga que não existe taxatividade quando se fala de proteger interesses metaindividuais.

Recentemente, a I Jornada de Direito do Trabalho, promovida pela Anamatra com o apoio do TST, aprovou o seguinte entendimento:

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'SÚMULA N. 75. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÉNEOS. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. I - O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para defender direitos ou interesses individuais homogéneos, assim entendidos...

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