Trabalho Infantil no Brasil: a Glamourização em Torno do Trabalho Artístico Infantil

AutorLorena Marques Torres; Tamara Regina da Silva
Páginas163-170

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1. Introdução

A sociedade brasileira passou por diversas transformações desde a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente com relação à questão do trabalho infantil.

A legislação pátria se adaptou ao clamor social e das entidades internacionais a fim de que se conferisse maior proteção ao trabalho infantil. Entretanto, mesmo com toda a adequação sofrida pela lei, o que temos hoje no Brasil são normas que protegem o labor infantil, mas que não são de fato impostas na prática, e normas que não dão a proteção necessária a determinadas atividades laborais realizadas por crianças e adolescentes.

Considerando o principio da proteção integral presente no Estatuto da Criança e do Adolescente e que norteia todas as relações entre sociedade e crianças e adolescentes, a atividade laboral exercida por estes indivíduos, ainda em desenvolvimento, deve ser atentamente observada pelo Poder Público e pelos aplicadores do Direito.

Diante das inúmeras formas de trabalho infantil, o trabalho artístico chama a atenção. Indo de encontro com as outras formas de trabalho, o trabalho infantil artístico é visto como uma forma glamourizada de trabalho, e não como exploração ou barreira ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Entretanto, a condição peculiar das crianças e dos adolescentes exige que o trabalho artístico seja analisado e tenha a mesma proteção que qualquer outra forma de trabalho exercido por crianças e adolescentes.

A mesma sociedade que reprime determinadas formas de trabalho, por considerar que estas atividades impedem o desenvolvimento físico e psicológico de crianças e os adolescentes, não pode esquecer que aquelas crianças e os adolescentes que estão envolvidos na TV, em espetáculos e em anúncios publicitários também podem sofrer algum tipo de exploração.

2. O trabalho infantil no Brasil
2.1. Evolução legislativa

O trabalho infantil sempre existiu na socie-dade brasileira, porém, com o decorrer do tempo

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e a evolução da legislação, crianças e adolescentes se tornaram sujeitos de direitos e, dessa forma, começaram a ter a sua condição de ser humano em desenvolvimento respeitada e observada, sobretudo
,no tocante à atividade laboral.

Inicialmente, crianças e adolescentes filhos de escravos acompanhavam seus pais em todas as atividades em que se empregava mão de obra escrava, exercendo atividades incompatíveis com a sua condição física.

No ano de 1971 foi promulgada a Lei n. 2.040, conhecida como “Lei do Ventre Livre”, que trouxe em seu texto a primeira forma de combate ao trabalho infantil ao determinar que toda criança filha de escrava que nascesse após a data da publicação da lei seria livre, ou seja, não estaria mais sujeita aos trabalhos forçados, que outrora seriam submetidas.

Com a chegada da Revolução Industrial no século XIX, a situação do trabalho infantil se agravou. Empregadores se valendo das facilidades trazidas com as máquinas, que, consequentemente, passaram a demandar menor esforço físico para manipulá-las, acabaram por reduzir salários e contratar cada vez mais crianças e adolescentes para trabalhar nas indústrias.

A mão de obra barata e desqualificada fez com que crianças e adolescentes executassem as mais variadas atividades, seja no setor primário, secundário e terciário da economia, seja na economia informal e até em atividades ilícitas como o tráfico de drogas e a prostituição. Com a inserção cada vez mais precoce no mercado de trabalho, as crianças e os adolescentes acabavam se afastando da escola e o pouco dinheiro que ganhavam se tornava de vital importância para o sustento de suas famílias.

Diante disso, em 1891, entrou em vigor no Brasil o Decreto n. 1.313, que trouxe diversas medidas, visando diminuir a exploração do trabalho infantil, proibindo, por exemplo, o trabalho de menores de 12 anos em fábricas de tecido, salvo na condição de aprendiz, que compreendia crianças entre 8 e 12 anos de idade. Além disso, o decreto também alterou a jornada de trabalho das crianças, além de proibir o trabalho delas aos domingos e feriados, bem como em horário noturno.

Ocorre que o Decreto n. 1.313 não foi regulamentado, dificultando assim que as proibições nele estabelecidas sequer fossem observadas pelos empregadores.

Sendo assim, as crianças e os adolescentes que trabalhavam eram vistos como simples mão de obra barata e, longe da escola, eram considerados como futuros adultos sem perspectivas e fadados ao fracasso profissional.

Durante muitos anos a questão do trabalho infantil foi negligenciada tanto no Brasil como no resto do mundo. Muitos setores da sociedade consideravam o trabalho infantojuvenil como um fator positivo para a inclusão social.

Em 1927, foi promulgado o Código de Menores, o qual trazia um capítulo inteiramente dedicado ao tratamento do labor infantojuvenil, proibindo, dentre outras coisas, o trabalho infantil de menores de 12 anos de idade, realizado em horários noturnos, em locais insalubres ou perigosos e em atividades nocivas ao desenvolvimento físico e moral da criança. Entretanto, este Código não considerava a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, mas sim entendia que o “menor” que não estudava ou trabalhava seria um potencial “delinquente”, a ser controlado e reprimido pelo Estado, sendo assim, justificava o trabalho infantil como algo moralizante.

A Constituição Federal de 1934 dispunha, no art. 121, § 1º, alínea “d”, ser proibido o trabalho de menores de 14 anos, o que foi mantido na Constituição de 1937.

Neste período, o grande avanço em termos de proteção contra o labor infantojuvenil foi a Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, que entrou em vigor por meio do Decreto-Lei n. 5.452, que reservou um capítulo exclusivo para a proteção do trabalho do menor.

Na década de 1980, a sociedade brasileira começou a questionar cada vez mais a respeito do trabalho infantil. Surgiu na população uma nova visão sobre crianças e adolescentes no mercado de trabalho, posto que esta situação tinha tornado o Brasil um país com grande desigualdade social, com inúmeros analfabetos e diversas crianças morando nas ruas. Sendo assim, iniciou-se uma grande movimentação social em busca de uma efetiva proteção e mudança no tratamento dado às crianças e aos adolescentes que, dentre outras razões, motivou a promulgação de uma nova Constituição Federal para o Brasil.

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Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as crianças e os adolescentes passaram a ter seus interesses colocados como prioritários e a serem tratados como sujeitos de direitos e, assim, começaram a ter a proteção necessária a sua condição especial, sendo proibido o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos de idade.

Em 1989, a Convenção das Nações Unidas, visando a assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, seguindo a doutrina da proteção integral, garantiu que as crianças e os adolescentes fossem protegidos contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que pudesse interferir em sua educação, sua saúde e seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

O Estatuto da Criança e do AdolescenteLei n. 8.069, de 1990 —, inovou na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, efetivando a doutrina da proteção integral ao criar um sistema de defesa que abrange todos os direitos, sobretudo no que se refere ao trabalho.

Após a promulgação da Constituição Federal, o Brasil passou por transformações econômicas e sociais, as quais interferiram na questão do trabalho infantil, tanto que o Brasil passou a fazer parte de programas e organizar discussões nacionais e internacionais acerca da questão do trabalho infantojuvenil1.

Durante este período, a Organização Internacional do Trabalho — OIT, implementou o IPEC (Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil), visando eliminar o trabalho infantil, consolidando estratégias de cooperação e potencialização de ações em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. O Brasil contribuiu para esse objetivo ao realizar iniciativas nacionais de combate ao trabalho infantil.

No ano de 1996, foi criado no Brasil o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil — PETI, que compõe o Sistema Único de Assistência Social, com...

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