Trabalho Infantil

AutorJonábio Barbosa dos Santos
Ocupação do AutorDoutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Mestre em Direito Econômico
Páginas17-34

Page 17

Para se desenvolver no meio social, o homem precisa da conservação, preservação e garantia de sua dignidade. Acima de tudo, deve ter assegurado o seu direito de ser criança para que possa ser um adulto saudável física e mentalmente e tenha condições de contribuir para a formação de uma sociedade melhor e mais igualitária.

As crianças não podem trabalhar, têm que brincar e estudar.

1.1. Considerações iniciais

Durante vários anos, décadas, e até séculos, alguns problemas da humanidade surgiram e ainda continuam sem solução. Muitos desses problemas continuam a existir devido à inércia do Estado, que não adota medidas efetivas para solucioná-los, muito embora não seja o único responsável pelos referidos problemas, como é o caso do trabalho infantil, que tem também na inércia da sociedade um dos fatores que contribui para a sua existência.

A exploração da criança e do adolescente pelos detentores dos meios de produção, na busca incessante por lucro, não representa um acontecimento novo, pois atinge, ao longo de muitos anos, vários países, embora se mostre mais evidente e intenso nos países subdesenvolvidos, e em vias de desenvolvimento. A intensidade da utilização da criança e do adolescente como mão de obra nos países caracterizados ou classificados da forma acima é em grande parte decorrente das dificuldades econômicas das famílias desses menores, que ficam vulneráveis devido à fragilidade das redes de proteção social dos países.

Além desses fatos, é necessário ressaltar que muitas vezes a sociedade até desconhece que determinadas formas de trabalho também caracterizam o trabalho infantil, como é o caso do trabalho artístico de crianças e adolescentes, que em sua maioria passa sem ser percebido, pois, mesmo que a atividade seja e tenha conotações culturais, representa uma forma de trabalho infantil como qualquer outra1.

Os mecanismos estatais voltados para a proteção, além de ineficazes, mostram-se muitas vezes incapazes de identificar de forma concisa as verdadeiras causas do

Page 18

trabalho infantil, como também as atividades e locais em que o trabalho de crianças e adolescentes é utilizado de forma irregular. A sociedade é responsável pela permanência do trabalho infantil em seus Estados, na medida em que criam valores e aspectos culturais invertidos, contribuindo de forma decisiva para o aumento, o descaso e o descumprimento do direito à preservação da dignidade2 da criança e do adolescente, muito embora existam registros em todos os momentos da história da humanidade, pois é fruto da relação de poder entre capital e trabalho, que termina sendo uma das causas da exploração do trabalho de crianças e adolescentes3.

O trabalho infantil tem a Revolução Industrial4 como um marco para que a sua problemática começasse a ser observada com mais interesse e intensidade, pois esse tipo de atividade traz prejuízos ao desenvolvimento de todo ser humano em todos os aspectos, situação que impõe a fixação de um limite de idade para que alguém possa exercer uma atividade laborativa, além de criar condições para que as famílias dessas crianças e adolescentes possam assegurar o seu direito à educação5.

Sobre a questão, é importante ressaltar que a exploração do trabalho infantil não pode ser compreendida apenas como um caso de polícia, reduzindo ao fato de compreender uma conduta criminosa, pois a questão passa por uma problemática bem mais complexa, tendo que ser compreendida dentro de um contexto social, não carecendo apenas de leis, mas, sobretudo, de acesso à educação de qualidade, além de normas que efetivamente sejam cumpridas e de instrumentos estatais de prevenção, fiscalização e repressão a essa prática que realmente funcionem, não sendo necessário apenas leis rígidas.

Observa-se também nessas que a burocratização dos procedimentos estatais prejudicam as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado visando o combate e a erradicação do trabalho infantil contribuindo indiretamente para que as forças de expansão do mercado terminem sendo beneficiadas6.

Page 19

Deve-se destacar que o trabalho infantil precisa ser estudado, analisado e cuidado sob vários aspectos: o social, o econômico, o legal e o estatal. Esses aspectos servem de instrumentos ou pontos de partidas para que as leis e as políticas públicas estatais não sejam apenas retórica e papéis oficiais e passem a ser, necessariamente, instrumentos de mudança da situação de completo desprezo com que a criança e o adolescente são tratados no Brasil.

Nesse contexto, os processos de integração econômica representam situações em que os Estados-Partes podem eleger o combate ao trabalho infantil como objetivo a ser alcançado de maneira conjunta, identificando pontos de congruência em relação à existência do problema, áreas ou setores da atividade econômica que fazem uso dessa mão de obra, além de trocarem experiências no sentido de contribuírem para que as políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho infantil sejam efetivamente instrumentos de mudança da realidade social dessas crianças e adolescentes e que as suas famílias ou núcleos familiares tenham condições econômicas e sociais de protegerem os seus filhos contribuindo para que tenham uma melhor qualidade de vida.

Essa questão é importante devido às constatações feitas por organizações inter-nacionais de que a falta de inclusão social e a má distribuição de renda, o desemprego e a miserabilidade são fatores que contribuem para que os índices de desenvolvimento humano registrados em países como Argentina e Brasil sejam alarmantes, no sentido de gerar situações de trabalho infantil em sinais de trânsito, no setor agrícola, nas indústrias de confecções, feiras livres, trabalhos domésticos, carvoarias, mineração, como também a exploração da criança e do adolescente pela própria família, que entrega suas crianças para aliciadores de trabalhadores, de prostituição e tráfico de pessoas, além da utilização desses menores em atividades domésticas familiares, como forma de contribuir para a melhoria da renda familiar.

Os riscos a que estão sujeitas as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil vão desde distúrbios psíquicos, físicos, até câncer devido a exposições climáticas diferentes, vícios em drogas, por exemplo, bem como a perda da infância e do direito de acesso à educação7.

No que tange ao mercado de trabalho, há uma grande quantidade de formas de exploração ilegal e indecente do trabalhador, principalmente nas regiões mais pobres,

Page 20

onde a exclusão social de grupos, como é o caso das crianças e adolescentes, devido à sua vulnerabilidade representa mais uma forma de produzir trabalhadores de segunda categoria, dada a inexistência de acesso à educação, bem como a condições dignas de trabalho.

Fator importante na definição de trabalho infantil é a desigual, imoral e injusta concentração de renda, principalmente em países mais periféricos ou mais pobres o que contribui de maneira decisiva para o aumento das desigualdades sociais e, acima de tudo, para ser mais uma justificativa para a superexploração de crianças e adolescentes8.

Ainda sobre essa questão, deve ser ressaltado que o trabalho infantil também não pode mais ser visto como uma solução para retirar o menor e sua família da condição de pobreza9, pois, ao longo da História, ficou comprovado que a situação em sua maioria maciça terminava por aprofundar ainda mais a situação de pobreza do menor e da sua família10. Contudo, o trabalho infantil é uma situação que se encontra distante de ser erradicada. A busca pela erradicação, porém, deve começar de forma concreta imediatamente, em todas as partes do mundo, inclusive nos países desenvolvidos, que devem se negar a adquirir bens que tenham sido produzidos através do trabalho infantil, além do combate ao tráfico de pessoas e a prostituição infantil.

Para combater essa situação de exploração a OIT e seus Estados-Partes têm desenvolvido políticas públicas voltadas para a erradicação dessa conduta que denigre a dignidade da criança e do adolescente. Entretanto, a questão precisa não apenas de projetos e

Page 21

políticas públicas inefetivas, pois a sua solução precisa, inicialmente, de uma ordenação do trabalho dos adolescentes e da proibição do trabalho pelas crianças.

Ainda sobre a questão, deve ser anotado que leis, ideias e projetos mirabolantes servem apenas para ilustrar peças publicitárias de políticas governamentais, que em sua maioria não trazem para os destinatários resultados consistentes ou mudança de sua situação.

A ineficácia das políticas públicas no tocante ao trabalho infantil decorre essencialmente da falta de aparelhamento dos instrumentos de fiscalização, e da burocratização das políticas públicas, o que compromete o sucesso e os resultados de qualquer política pública que envolva ou busque a mudança de situações sociais, como é o caso do trabalho infantil, que possui causas diversas e efeitos também diversos influenciando de forma decisiva o desenvolvimento da criança e do adolescente11, fato que compromete a sua dignidade e o seu futuro12 por atingir o físico e o psíquico13.

Sendo assim, observa-se que o objeto do presente estudo representa um dos principais temas da atualidade, que, devido às suas multifacetas, tem trazido dificuldades em sua solução, principalmente por ser fruto da fragilização de integrantes da sociedade oriundos da exclusão social, que têm no desemprego, na falta de acesso à educação de qualidade, nas dificuldades econômicas seus principais empecilhos.

Nesse sentido, não podemos esquecer, como já ressaltado, as questões, que envolvem a cultura e os interesses econômicos de grupos e, infelizmente, às vezes, até da própria família, que termina por se utilizar do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT