Prevenção e resolução de conflitos trabalhistas coletivos: 'cidades invisíveis

AutorJean Filipe Domingos Ramos - Matheus Campos Caldeira Brant
Ocupação do AutorAdvogado. Mestrando em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade Pitágoras. - Advogado. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais. Músico.
Páginas399-412

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"O que será que será (...) - Que anda nas cabeças? Anda nas bocas? Estão falando alto Pelos botecos E gritam nos mercados Que com certeza Está na natureza Será, que será? O que não tem certeza Nem nunca terá!"1 "Desaprender oito horas por dia ensina os princípios".2

1. Introdução: o perguntar

Pablo Neruda tem um livro que se chama O livro das Perguntas. São 74 poemas curtos, sem título, em forma de indagações, por meio das quais o poeta propõe incessantes questões sobre animais, sobre ele próprio, sobre o transcorrer da vida e o significado da morte provocando, assim, no leitor, uma postura reflexiva que o leva a se questionar e a questionar o mundo à sua volta.

Levados pela poesia de Neruda, queremos com este trabalho relembrar a importância do ato de perguntar para a produção de conhecimento. Nosso desejo é de que, livres de métodos previamente estabelecidos, possamos encontrar, na abertura inerente ao estado de espírito que envolve a formulação de uma pergunta, o prazer da construção do saber autêntico.

É bom que se diga, contudo, que a abertura e a liberdade, próprias do perguntar, encontram-se limitadas pelo tema que se pretende compreender, no caso presente: a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Justiça do Trabalho e dos demais atores sociais na prevenção e resolução de conflitos.

E compreender parece que é a palavra correta, pois se relaciona diretamente ao fundo teórico que fundamenta a forma escolhida por este trabalho para abordar o assunto em questão, forma esta que entende ser o perguntar, recurso indispensável para que se atinja a essência do saber e que situa, portanto, a pergunta como veículo para a compreensão do mundo. Está-se a falar da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, para quem:

"Uma das mais importantes intuições que herdamos do Sócrates platônico é que, ao contrário da opinião dominante, perguntar é mais difícil do que responder [...]. uma conversa que queira chegar a explicar alguma coisa precisa romper essa coisa através de uma pergunta. [...] Essa é a razão por

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que dialética se concretiza na forma de perguntas e resposta, ou seja, todo saber acaba passando pela pergunta. pergunta quer dizer colocar no aberto. A colocação de uma pergunta pressupõe abertura, mas também delimitação. Implica uma fixação expressa dos pressupostos vigentes, a partir dos quais se mostra o que está em questão, aquilo que permanece em aberto (grifo nosso)"3.

Orientados, pois, pela "primazia hermenêutica da pergunta"4, dividimos o presente artigo em duas partes que, dialeticamente, se complementam. Come-çamos pela elaboração de breves textos que trazem parâmetros normativos, doutrinários e jurisprudenciais relacionados ao tema em estudo. Nesse primeiro momento, o perguntar teve como interlocutores os próprios textos legais e as construções dogmáticas, doutrinárias e jurisprudenciais que se fizeram deles dando forma, como se verá, há perguntas sem respostas; há perguntas que constituem mais provocações do que indagações com respostas implícitas.

Em seguida, dando corpo à segunda parte do trabalho, desenvolvemos, a partir dos questionamentos surgidos na primeira parte, um leque de perguntas e convidamos para respondê-las a ProcuradoraChefe Adjunta e Coordenadora dos Órgãos Agente e Interveniente do Ministério Público do Trabalho da 3ª Região-MG, Adriana Augusta de Moura Souza, e o Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região, Antônio Pádua Aguiar.

Longe de ser um rol estanque de indagações, tal "questionário" desempenhou, na verdade, o papel de mero referencial, assegurando, assim, a abertura e a liberdade do perguntar hermenêutico. Assim, teve lugar um debate do qual participaram, além dos entrevistados mencionados acima, também participaram nossos colegas do Programa de Pós Graduação/Nível Mestrado da Faculdade de Direito da UFMG e a nossa Professora Doutora e também Juíza do Trabalho, Titular da 35ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG, Adriana Goulart de Sena.

Pedimos ao prezado leitor que procure se desvencilhar das noções previamente formuladas e encare os assuntos discutidos no presente trabalho como se o vissem pela primeira vez, com a curiosidade de criança e a argúcia de um velho sábio. Afinal, não por acaso, a citação que abriu este texto foi extraída de um livro que se chama O Livro das Ignorãças: "desaprender oito horas por dia ensina os princípios" o que dito de uma maneira um tanto menos poética e um pouco mais filosófica talvez corresponda a:

"Não há método que ensine a perguntar, a ver o que deve questionar. o exemplo de sócrates ensina que o que importa aqui é saber que não se sabe. A dialética socrática, que conduz a esse saber através de sua arte de desconcertar, cria assim os pressupostos para o ato de perguntar. todo perguntar e todo querer saber pressupõe um saber que não se sabe. Mas o que conduz a uma pergunta determinada é um não saber determinado (grifo nosso)5".

E o saber que não se sabe, no nosso caso, foi o que procurávamos intuitivamente e que nos foi trazido pelos dois entrevistados em seus relatos: a maneira como se relacionam as experiências da realidade em face da normatividade e vice-versa. Por isso que, em resumo, este artigo nada mais é do que uma grande pergunta, cujos pontos de partida e chegada correspondem, alternadamente, ao legal enquanto normatividade e ao real enquanto prática. O caminho entre tais extremos, descobrimos, pode ser feito por uma longa e sinuosa ponte chamada conhecimento.

Seguem os textos e após, a transcrição do debate. Note, prezado leitor, que procuramos conservar ao máximo a espontaneidade das falas na tentativa de transportar para o texto escrito o clima que envolveu as discussões, permitindo-se assim que as ideias veiculadas por cada um que se manifestou no debate fossem transmitidas com a maior fidelidade possível. Em outras palavras:

"Como as pessoas contam o que contam é fundamental para compreender o que contam. Colocar um sinônimo, nas aspas do entrevistado, já é traí-lo. No mínimo desde Freud sabemos que as palavras que escolhemos - e mais ainda as que deixamos escapar - falam de nós6".

Não é demais dizer, ainda, que tais transcrições e sua inclusão neste artigo foram devidamente autorizadas por seus autores.

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2. Termo de ajustamento de conduta - TAC - para a prevenção de conflitos trabalhistas
2. 1 Origem e conceito

Antes da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), os Ministérios Públicos dos Estados já realizavam compromissos com seus investigados. Somente eram feitos tais compromissos quando se constatava ser a melhor solução para corrigir a lesão a direitos metaindividuais encontrada.7

A Lei que institui o CDC, em seu art. 113, acres-centou à Lei da Ação Civil Pública (n. 7.347/1985) - o § 6º ao seu art. 5º, formalizando a prática usual do Ministério Público.

Entretanto, a vigência de tal parágrafo foi muito questionada logo após a edição da Lei, pois o Presidente da República, na sua fundamentação para o veto do art. 92, parágrafo único, do CDC, acabou por dizer que também vetaria o parágrafo em questão. No entanto, apesar de tais fundamentos, o parágrafo foi promulgado8.

Na década de 90, reverberou a tese de veto implícito para a inclusão do § 6º ao art. 5º da Lei de Ação Civil Pública. Ocorre que tal tese não fora acolhida pelo STJ, portanto mantida a vigência do referido parágrafo9.

Assim, nesse compasso, conceitua-se o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, como:

"[...] a prática de estabelecer condições e compromissos de ajuste das condutas dos particulares às exigências legais, mediante a formalização de termos com força de título executivo extrajudicial, corrigindo-se e adequando-se as condições de exercício das atividades produtivas."10

2. 2 Competência

Note-se que a previsão legal para o Termo de Ajustamento de Conduta está na Lei da Ação Civil Pública.

A Ação Civil Pública, conforme dita o art. 5º da referida lei, pode ser ajuizada pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista e associações, dentre as quais os sindicatos, sendo estas passíveis do cumprimento de dois requisitos: constituída há mais de um ano; e, inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Acontece, contudo que, inexplicavelmente, a competência para ajuizar Ação Civil Pública não é a mesma daquela para celebrar o TAC uma vez que o § 6º do mesmo art. 5º da Lei n. 7.374/1985 faz uma restrição subjetiva através do termo "órgãos públicos legitimados". Como o sindicato não é um órgão público, portanto não pode pactuar TAC.

Dentre os órgãos públicos legitimados, há os órgãos da administração pública direta e da administração pública indireta. Pergunta-se seriam todos legitimados para propô-lo?

Lorentz não questiona a legitimidade da administração direta e até das autarquias e fundações públicas, entretanto "[...] por não terem natureza jurídica pura de "órgão públicos" [...]"11 não teriam legitimidade para celebração de TAC as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

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