Caracterização da sucessão trabalhista - Alterações na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa

AutorAriadne Maués Trindade
Ocupação do AutorAdvogada em São Paulo desde 1998, especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Páginas65-98

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3. 1 Conceituações propedêuticas

Iniciaremos este item justificando sua importância no presente trabalho. Deveras, "não cabe ao direito do trabalho dar o seu conceito de empresa, a diferença entre empresa e estabelecimento, e as regras das relações da vida econômica das quais a empresa é um dos agentes principais. Para esses temas devem ser procuradas fontes próprias".132 Por isso é que, antes de caracterizar e contextualizar, no direito do trabalho, institutos que pertencem a outros ramos específicos do direito ou que com eles se relacionam, entendemos imperioso o conhecimento de seus conceitos jurídicos originais, isto é, da forma como determinados por suas áreas concernentes.

3.1. 1 Empresa

Empresa não é sujeito de direitos e obrigações. Por isso, não pode ser confundida com pessoa jurídica. Pessoa jurídica é quem controla a empresa. A pessoa jurídica é quem tem personalidade jurídica e é considerada empresária. É claro que, como ficção jurídica que é, a pessoa jurídica trabalha através de seus sócios pessoas físicas.

Neste particular, socorremo-nos da origem do conceito de empresa, cujas bases estão no direito comercial moderno (hoje direito empresarial, justamente enfatizando a empresa). Nas palavras de Diniz:

o código civil vigente, no art. 966, caput, ao prescrever que o empresário é "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a

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produção ou circulação de bens ou de serviços" adota a teoria da empresa. Tal se deu, ensina-nos Miguel reale, porque, hodiernamente, tem prevalecido a tese de que não é o ato do comércio como tal que constitui o objeto do direito comercial, mas sim a atividade econômica habitualmente destinada à circulação das riquezas, mediante bens ou serviços, o ato de comércio inclusive, implicando uma estrutura empresarial. A teoria da empresa é um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica organizada, ou seja, da que se destina à exploração econômica, com fins lucrativos e de forma mercantil na organização de pessoas, mediante o empresário individual ou sociedade empresária.133 (grifo do autor).

E, citando ruy de Souza, continua Diniz:

A empresa é uma instituição jurídica despersonalizada, caracterizada pela atividade econômica organizada, ou unitariamente estruturada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços para o mercado ou à intermediação deles no circuito econômico, pondo em funcionamento o estabelecimento a que se vincula, por meio do empresário individual ou societário, ente personalizado, que a representa no mundo negocial.134 (grifo do autor).

Portanto, quem gera o lucro é a empresa (atividade), organizada e controlada pela pessoa jurídica ou pela pessoa física. Sem uma empresa, a pessoa jurídica (ou pessoa física) esvazia-se, não tem atividade.

Empresa, portanto, é ramo de atividade economicamente organizada para geração de lucro.

Mas o que seria "atividade econômica organizada" ?

A atividade é a de produção (fabricação) de produtos, circulação (comercialização ou intermediação) de bens ou prestação de serviços (bancários, hospitalares, securitários etc.) e, em si mesma, é a própria empresa, que não se confunde com o empresário individual ou coletivo, nem com o local em que se desenvolve ou com os bens materiais ou imateriais (estabelecimento) utilizados para seu exercício. Poder-se-á ter, então, atividade primária (extração direta da natureza de produtos, como agricultura, pecuária, pesca, mineração), secundária (indústria ou manipulação de produtos, transformando-os em novo produto, p. Ex., colheita de algodão é atividade primária e sua transformação em tecido é secundária) e terciária (prestação de serviços e comércio stricto sensu, p. Ex., compra de produto para revenda). A atividade empresarial

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é a que se manifesta economicamente na empresa e se exprime juridicamente na titularidade do empresário (pessoa natural ou jurídica), no modo e nas condições de seu exercício.

É atividade econômica porque visa criar riqueza ou gerar lucro. É atividade empresarial criadora, a título oneroso, de riquezas, ou seja, de bens (mercadorias e serviços patrimonialmente avaliáveis, por terem valor econômico. Tais mercadorias e serviços, por serem valoráveis patrimonialmente, representam um acréscimo ao patrimônio social. Há circulação de mercadorias e prestação de serviço em troca de dinheiro (res por pecunia). Porém, é preciso esclarecer, como faz Adalberto Simão filho, que o lucro imediato não é o objetivo específico da empresa, mas sim a busca do resultado econômico-financeiro da atividade empresarial. Hipótese em que, como diz fabio Ulhoa coelho, "o lucro é meio e não fim da atividade econômica".135 (grifo do autor).

Para tanto (desenvolvimento da atividade econômica), é necessário um estabelecimento organizado com os instrumentos de produção, materiais e imateriais, quais sejam: equipamentos, matéria-prima, ponto, capital, marcas, know how, tecnologia etc. Assim, para a produção de riquezas, é necessário um estabelecimento empresarial, sem o qual não há como existir atividade economicamente organizada.

3.1. 2 Estabelecimento

Um estabelecimento pode desenvolver atividade urbana ou rural. Aliás, assim prevê a Lei n. 5.889/73 (Lei do rural), em seu art. 3º :

considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados. § 1º inclui-se na atividade econômica, referida no caput deste artigo, a exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na consolidação das Leis do Trabalho.

O estabelecimento vem previsto no código civil brasileiro (em seu livro ii: Do Direito de empresa) pelos arts. 1.142 a 1.149. Observe-se que o art. 1.142 traz o conceito de estabelecimento considerando-o como "todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária".

Assim, estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário ou sociedade empresária reúnem para a exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da atividade (empresa). Não há como dar início à exploração de qualquer atividade empresarial sem

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a organização de um estabelecimento. "Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um sobrevalor. Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da empresa o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado."136

Alguns também consideram como elementos incorpóreos componentes do estabelecimento o aviamento e a clientela. O aviamento é o potencial de lucratividade da empresa. Para coelho, tal entendimento é equivocado, no âmbito do direito empresarial, em relação ao que leciona:

[...] o aviamento é um atributo da empresa, e não um bem de propriedade do empresário [...]. Quando se negocia o estabelecimento empresarial, a definição do preço a ser pago pelo adquirente se baseia fundamentalmente no aviamento, isto é, nas perspectivas de lucratividade que a empresa explorada no local pode gerar. Isto não significa que se trate de elemento integrante do complexo de bens a ser transacionado. Significa unicamente que a articulação desses bens, na exploração de uma atividade econômica, agregou-lhes um valor que o mercado reconhece. Aviamento é, a rigor, sinônimo de fundo de empresa, ou seja, designam ambas expressões o sobrevalor, agregado aos bens do estabelecimento empresarial em razão da sua racional organização do empresário.

Outro equívoco reside na consideração da clientela como elemento do estabelecimento empresarial. Clientela é o conjunto de pessoas que habitualmente consomem os produtos ou serviços fornecidos por um empresário. Embora seja até possível falar-se em um direito à clientela cuja tutela se faz por meio da repressão à concorrência desleal [...], não se deve confundi-la com os bens do patrimônio da sociedade empresária. De fato, não deriva da tutela jurídica a necessária natureza do bem a ser tutelado. A proteção jurídica conferida ao empresário, no sentido de não se ver tolhido da clientela conquistada, em razão de condutas condenáveis de seus concorrentes, não significa que essa se tornou propriedade daquele. Muito pelo contrário, a noção de clientela como objeto de domínio do empresário é imprópria porque cuida de um conjunto de pessoas - a clientela é isso, nada mais -, insuscetíveis de apropriação, para o direito em vigor.137 (grifo do autor).

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