Sucessão trabalhista

AutorAriadne Maués Trindade
Ocupação do AutorAdvogada em São Paulo desde 1998, especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Páginas27-63

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2. 1 Previsão legal

A sucessão, no direito do trabalho brasileiro, vem prevista em dois artigos da CLT, in verbis:

Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

2. 2 Precedentes históricos

O instituto, objeto de nosso estudo, encontra raízes históricas na carta del Lavoro38, cujo artigo XVIII previa, em sua primeira parte:

XVIII - Nelle imprese a lavoro continuo, il trapasso della azienda non risolve il contratto di lavoro, e il personale ad essa addetto conserva i suoi diritti nei confronti del nuovo titolare. Egualmente la malattia del lavoratore, che non ecceda una determinata durata, non risolve il contratto di lavoro. Il richiamo alle armi o in servizio della M.V.S.N. Non è causa di licenziamento. 39

A constituição brasileira de 1937 também o trouxe prevendo que a mudança de proprietário não rescindiria os contratos de trabalho. Não constou na constituição

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de 1946, mas permaneceu previsto na legislação ordinária, como ocorria desde a Lei n. 62, de 5 de junho de 1935, em seu art. 3º .40

2. 3 Abrangência

O instituto da sucessão trabalhista se aplica às relações empregatícias urbanas e rurais (art. 1º , caput, da Lei n. 5.889/73), uma vez que o conceito de estabelecimento empresarial abrange também as unidades produtivas no âmbito das atividades agrícolas e pecuárias.

Não há que se falar em sucessão no trabalho doméstico. Isto porque, em âmbito doméstico, não existe atividade econômica organizada e finalidade lucrativa. Não existe empresa. Assim, excluem-se do fenômeno da sucessão trabalhista os empregados domésticos.

2. 4 Conceito

Analisando-se os dois artigos de lei fundantes da sucessão trabalhista, tem-se que o art. 10 utiliza a expressão alteração na estrutura jurídica da empresa e o art. 448 utiliza a expressão mudança na propriedade da empresa.

Alteração na estrutura jurídica da empresa, nos amplos termos em que deve ser entendida a empresa para o direito do trabalho, conforme será visto no item 3.2, é a modificação de sua constituição e funcionamento como pessoa com direitos e obrigações: modificação na organização jurídica; transformação da sociedade limitada em anônima, individual, em comandita etc. Ou vice-versa; fusão de duas ou mais sociedades, surgindo uma terceira simultaneamente; incorporação de uma, que se extingue, sendo absorvidos seu patrimônio e relações jurídicas pela incorporante [...].41

Já a mudança na propriedade da empresa é a transferência da titularidade da unidade produtiva ou de parte significativa da unidade produtiva, como o trespasse (ou transpasse), o arrendamento ou o usufruto.

Com efeito, o empregado, hipossuficiente que é, não pode estar sujeito às estratégias societárias ou financeiras de seu empregador. Isso quer dizer que a simples compra e venda de cotas sociais (ou ações), transformação, fusão, cisão, incorporação, trespasse, arrendamento, usufruto ou qualquer forma de alteração na

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estrutura jurídica do empregador ou mesmo de transferência da unidade produtiva da qual o empregado faça parte não devem prejudicar nem dificultar a continuidade do trabalho nem o recebimento de créditos pelos empregados.

O empregado não participa das decisões relativas a essas alterações, não influencia na administração e nas mudanças societárias da empresa e, portanto, não pode ser responsabilizado pelas consequências da alteração da pessoa jurídica que o emprega ou da atividade organizada da qual faz parte.

Os direitos oriundos da relação contratual podem ser exercidos contra terceiros que nenhuma interferência tiveram em sua formação e conclusão. O laço que os prende - a empregador e empregado - resiste ao desaparecimento da figura do empregador - celebrante, porque se ata imediatamente ao terceiro que sucedeu, independentemente de nova estipulação. Assim, o novo titular de um estabelecimento deve respeitar os contratos celebrados por seu antecessor, como o adquirente de um prédio é obrigado a respeitar o contrato de locação entre o alienante e o inquilino. Em ambos os casos, o sucessor assume as obrigações e encargos contraídos pelo antecessor, em virtude simplesmente de ter sucedido.42

Assim, leciona Delgado, com acerto:

Sucessão de empregadores é figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT. Consiste no instituto justrabalhista em virtude do qual se opera, no contexto da transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento, uma complexa transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvida.43

Para Martins: "Sucessão vem a ser a modificação do sujeito em dada relação jurídica. Assim, há necessidade de que exista nova relação jurídica, porém, sujeitos diversos, que se sucedem. [...] Para o direito do trabalho a sucessão tem um aspecto mais econômico do que jurídico".44 isto porque:

a utilização, pela lei, da expressão empresa também aqui assume caráter funcional, prático, que é o de enfatizar a despersonalização do empregador e insistir na relevância da vinculação do contrato empregatício ao empreendimento empresarial, independentemente de seu efetivo titular.45 (grifo do autor).

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Sucessão trabalhista é, assim, o instituto jurídico pertencente ao direito do trabalho, regulado pelos arts. 10 e 448 da CLT, pelo qual, no contexto da transferência de titularidade da empresa ou parte significativa dela, transmitem-se créditos e dívidas, pelo alienante ao adquirente.

O instituto é conhecido por outros nomes como sucessão trabalhista e sucessão subjetiva de contrato. Alguns autores entendem que a expressão mais acertada é sucessão de empregador porque, realmente, o que se sucede é o empregador.46-47 Jorge Neto prefere utilizar a expressão sucessão trabalhista porque abrange tanto a alteração na estrutura jurídica quanto a mudança na propriedade da empresa.48 No entanto, em várias situações de alteração na estrutura jurídica da empresa não há, propriamente, a mudança de empregador, como na transformação ou na compra de cotas sociais de sociedade ou ações de sociedade anônima (nesses casos, o empregador continua o mesmo, nem sequer muda o CNPJ que lhe identifica a personalidade jurídica), por isso não há ocorrência de sucessão.

De fato, o que se sucede é o empregador, mas também preferimos adotar a expressão sucessão trabalhista por simples motivo prático. Porque identifica, de forma mais rápida e didática, o tipo de sucessão, ou seja, a que ramo do direito ela é afeta.

2.4. 1 Diferenças entre sucessão trabalhista e grupo econômico

Grupo econômico nada tem a ver com o instituto da sucessão trabalhista. O § 2º , do art. 2º da CLT, traz em seu bojo a identificação de grupo econômico:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Por sua vez, a Lei n. 5.889/73, que disciplina o trabalho rural, estabelece, em seu art. 3º , § 2º :

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.

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Para Delgado, grupo econômico é:

a figura resultante da vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho, em decorrência de existir entre estes entes laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica.

[...]

De maneira geral, serão pessoas jurídicas, mas não necessariamente. Entes despersonificados (massa falida, por exemplo), ou até mesmo pessoas físicas que ajam como empresários, agentes econômicos típicos, também esses sujeitos de direito podem ser tidos como membros aptos a integrar a figura do grupo econômico justrabalhista. O que quer a lei é que o sujeito jurídico, componente do grupo econômico para fins justrabalhistas consubstancie essencialmente um ser econômico, uma empresa (expressão sugestivamente enfatizada pelos dois preceitos legais enfocados). O caráter e os fins econômicos dos componentes do grupo surgem, assim, como elementos qualificadores indispensáveis à emergência da figura aventada pela ordem jurídica trabalhista.49

A jurisprudência atual tem admitido até mesmo a formação de grupo econômico entre associações e sociedades sem fins lucrativos, desde que haja...

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