Política e poder no Paraguai

AutorJosé Aparecido Rolon
CargoDoutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
Páginas49-68

Page 50

Introdução

O Paraguai contemporâneo pode ser considerado como um país emblemático, posto que sua imagem frequentemente esteve associada aos aspectos mais negativos, tais como o de um país às voltas com o contrabando nas regiões de fronteira com a Argentina e o Brasil por um lado e de outro à sua instabilidade política. Essas problemáticas, dentre outras, parecem caracterizá-lo de forma indefinida.

Este artigo fugindo às essas tratativas e preconceitos, ao focar um aspecto — apesar de muito especulado, mas pouco conhecido — que é da sua cultura política, vai discuti-lo numa perspectiva histórica mais ampla com o fito de analisá-lo e encaminhar para sua caracterização mais específica no governo do general Alfredo Stroessner. A respeito desse período o do stronismo1, muito se tem falado e discutido. Desta forma, apresentaremos quatro modelos interpretativos que buscam uma definição mais precisa desse regime, o qual nem sempre pode ser corretamente interpretado à luz dos conceitos clássicos de dominação. Vale destacar ainda que a escolha desse período se dá em razão das transfor-mações estruturais, políticas e econômicas pelas quais o país passou e além disso com o ocaso do regime dá-se início à sua transição política.

Deste modo, o artigo divide-se basicamente em duas seções. Na primeira, será apresentada e discutida sua tradição política, cuja característica elementar para a saída ou chegada ao poder se dá pela violência. Na segunda, analisar-se-á a política e o poder no regime stronista, bem como apresentar-se-á os modelos interpretativos desse regime. E, finalmente, faremos as considerações finais, como fechamento do trabalho.

Cultura política

No Cone Sul, o Paraguai — sob vários aspectos e, sobretudo, do ponto de vista político — é seguramente o país de maior fragilidade institucional, com exígua experiência democrática, pois, ao longo de seu processo histórico, foi governado por uma elite cívico-militar com forte e rígido controle sobre a sociedade civil. Outra característica — por certo ambígua — é que até o governo de Alfredo Stroessner uns poucos governantes (dentre os inúmeros) destacaram-se por sua longevidade no poder2. E ainda houve um grande número de governos que exerceram o poder de maneira extremamente fugaz.

É o caso, por exemplo, das figuras dos chamados provisoriatos, que surgem aqui e ali na história política paraguaia, cuja função foi sempre a de exercer o poder interinamente diante desta ou daquela circunstância. Eles basicamente foram vice-presidentes que

Page 51

estiveram no poder em razão de falecimento, deposição ou renúncia dos titulares, ou ainda, mais raramente por designação do Congresso3.

Somente em 1998 ocorreram eleições em condições tidas como normais — fato considerado atípico e inédito em sua história política — porém, saiu vencedor o centenário Partido Colorado. A instabilidade e a violência política têm sido um dos traços da socie-dade paraguaia. Segundo Frutos e Vera (1988, p. 13), no Paraguai, chegar ao poder e dele sair, no curso de sua história, significa utilizar-se de meios violentos. Há um apego ao poder, o que explica o fato de as transições não se darem de forma pacífica. Revolução4— expressão de uso frequente na literatura política paraguaia para referir-se às mudanças — significa: cuartelazo, guerra civil ou golpe de Estado. Os conflitos são resolvidos pela truculência (FRUTOS; VERA, 1998, p. 21). Trata-se de uma história, em que a maioria foi sempre subjugada por uma minoria.

Tradicionalmente, o poder tem encontrado guarida em dois partidos centenários5, cuja base de sustentação se dá no caudilhismo tradicional, no funcionalismo público e no Exército. Este último, até a década de 1930, era um instrumento de líderes carismáticos, contudo, a partir desse período, passou a agir de forma corporativa com projeto político próprio.

A respeito dos partidos políticos no Paraguai, convém uma pequena digressão histórica para desfazer mal-entendidos e obter-se uma melhor compreensão da importância deles na sua história e na vida política.

Segundo Diego Abente (1996, p. 36), “el sistema de partidos paraguayo es uno de los menos estudiados y más malentendidos de América Latina...”. O desenvolvimento do sistema de partidos paraguaio está vinculado a dois períodos históricos diferentes. Um de 1870 até 1940 e outro dos anos de 1940 até a queda de Alfredo Stroessner, em 1989.

No primeiro período, encontram-se as origens dos partidos tradicionais (predominantes na maior parte de sua história) e, no segundo, ocorrem as transformações em suas estruturas, a correlação de forças e a modificação em sua relação com as Forças Armadas (ABENTE, 1996, p. 40). Nos primeiros tempos até os anos de 1940, verificase o predomínio de uma política oligárquica semicompetitiva, dominada por uma pequena elite de políticos e empresários. E, como já referido, a transferência de poder não se dá de forma pacífica.

Contudo, de acordo com Diego Abente, nesse período, o Paraguai, politicamente, encontra-se no mesmo patamar dos demais países latino-americanos, como Argentina, México e Uruguai, tanto no que se refere às mazelas — casos da existência de fraudes e

Page 52

manipulações eleitorais — quanto nos aspectos mais auspiciosos — como o grau de participação da população6 — o que para esse pensador traz a discussão sobre a importância de se valorizar o ambiente semicompetitivo, no qual há a possibilidade da experiência político-eleitoral como indicativo de avanços, sobretudo no caso guarani. Esses avanços referem-se à questão do desenvolvimento das identidades partidárias, formação dos partidos (os tradicionais), entre outros aspectos. Todavia, o dado mais relevante na história paraguaia é a centralidade dos partidos tradicionais na seara política. Entre 1887 e 1936, todos os governos foram partidários, além do fato de que os dois partidos seguem existindo. Há um interregno em termos de governos estritamente partidários entre o final da década de 1930 e os anos de 1989, quando Stroessner é deposto7.

Já a relevância da década de 1940 está nas mudanças ocorridas, naquele momento, como o aumento da importância e da influência dos militares na vida política do país e o fato de que desde 1870 houve somente duas ditaduras militares: a de Higino Morínigo (1940-1946) e de Alfredo Stroessner (1954-1989), as quais deixaram marcas profundas na história do país. Outra característica marcante — e recorrente — na política paraguaia é o sistema patrimonialista, que vem de longa data e se mantém incólume em sua história contemporânea. Como corolário tem-se a corrupção que se constitui num dos componentes centrais do sistema político paraguaio sob o governo Stroessner, resultante do aspecto excludente dessa sociedade, em que o grupo de poder no momento resolve assenhorearse do aparato de Estado, na clássica e consagrada não separação entre o público e o privado8.

Entretanto, após a construção de Itaipu, surge uma nova elite, enriquecida nesse processo. Com ela emerge um novo ator propriamente dito, o “operador”, que substitui o velho caudilho. Agora a conveniência substitui a convicção. Considera-se inclusive uma história política “antes” e “depois” de Itaipu9.

Faz parte também da cultura política paraguaia a ideia de que o poder se exerce pelo que se convencionou chamar de “política de círculo”: pequeno grupo de amigos pessoais sob a ética da confiança e da lealdade, uma forma excludente de exercício do poder (FRUTOS; VERA, 1998, p. 21), desenhando-se, portanto, uma oligarquia, basicamente rural, como forma de organização política, que se reveza no poder. Assim, temos que, de 1887 a 1904, o governo esteve nas mãos do Partido Colorado e de 1904 a 1940 nas do Partido Liberal, com o retorno do Partido Colorado a partir de 1954 com Alfredo Stroessner, até sua derrocada em 1989. A passagem do poder de um para outro

Page 53

nunca foi de forma pacífica, isto é, mediante acordos ou negociações. O que de fato sempre houve foi o predomínio de uma cultura da violência, como uma das características da cultura política paraguaia.

Desta maneira, podemos encerrar essa breve descrição da tradição política paraguaia que antecede ao período Stroessner, a qual na verdade não será alterada em sua essência ao longo de sua estada no poder. De qualquer modo, nos serve como fio condutor e modo de apresentar suas principais características e, ao mesmo tempo, indicar as dificuldades e as vicissitudes pelas quais o país tem passado, no que se refere a um dos aspectos fundamentais de sua existência enquanto Estado independente, isto é, o acesso ao poder e a sua organização política. Neste sentido, as afirmações que já se fizeram e as que se seguem — em referência à sua fragilidade institucional — têm um lastro na sua história e não apenas como uma visão caricata ou mesmo meramente negativa que se faz do país.

Por esta razão, o período de transição democrática representará mudança nessa perspectiva, todavia, essa transição vai se iniciar, paradoxalmente, com um golpe militar em 3 de fevereiro de 1989. Entretanto, não se pode negar que, embora de forma anômala, foi por essa via que se iniciou um novo ciclo na história paraguaia10.

Política e poder no regime stronista

Muito se tem falado a respeito do período, da era, da herança desse regime. Isto ocorre por inúmeras razões. Convém enumerá-las e depois trabalhá-las pormenorizadamente. Trata-se de um período sintomático para a vida política, econômica e social paraguaia. Representou uma faceta de sua história, na qual somente um presidente governou cerca de 34 anos, com oito reeleições, quiçá, caso único no continente, com inúmeras particularidades, constituindo-se por si só um modelo político, o stronismo11.

O stronismo não será analisado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT