Biopolítica e judiciário: a vida insacrificável, porém matável, pode ser indenizável

AutorHelder flix pereira de souza
Páginas599-617
BIOPOLÍTICA E JUDICIÁRIO: A VIDA INSACRIFICÁVEL,
PORÉM MATÁVEL, PODE SER INDENIZÁVEL
BIOPOLITICS AND JUDICIARY: THE UNSACRIFICABLE LIFE,
BUT KILLABLE, MAY BE INDENIZABLE
Helder Flix Pereira de Souza
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Doutorando Interdisciplinar em Ciências HumanasMestre e Bacharel em
DireitoGraduando em FilosofiaUniversidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
E-mail: helderfps@hotmail.com
Resumo
Este artigo tem a finalidade de constatar o funcionamento da biopolítica
agambeniana no poder Judiciário brasileiro. Para isso, o recorte feito
abarca os acidentes de trânsito cujas vítimas ou interessados
ingressam no judiciário com pedidos de indenização por danos
irreparáveis, especificamente os morais. Pois são nestes casos em que
o juiz efetuará um cálculo objetivo sobre a vida a fim de determinar
valores em dinheiro para definir o quantum indenizatório. O que implica
em reduzir a multiplicidade da vida a uma única forma capaz de ser
medida, avaliada, característica típica do funcionamento de um
governo biopolítico que captura e reduz as formas de vida à vida nua. O
que denota uma contradição nos discursos dos Direitos Humanos e
Fundamentais que, ao mesmo tempo em que protegem a vida, podem
expor aos riscos de morte.
Palavras-chave: Biopolítica no Judiciário. Acidentes de trânsito.
Valores indenizatórios.
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 599-617, julho/dezembro de 2013.
Abstract
This article is intended to verify the functioning of biopolitics
agambeniana in the Brazilian judiciary. For this, the cutout done covers
the traffic accidents whose victims or interested enter in judiciary to
request for irreparable harm, specifically moral. Because these are
cases in which the judge will make a objective calculation about life for
determine money values in order ??to define the quantum indemnitory.
Which implies in reduce the multiplicity of life to a single shape able to be
measured, evaluated, typical characteristic of the functioning of a
government biopolitical who capture and reduces life forms to the bare
life. What denotes a contradiction in the discourse of Human Rights and
Fundamental that, while protecting life, can expose to the risk of death.
Keywords: Biopolitics in Judiciary. Traffic acidentes. Indemnitory
values.
HELDER FLIX PEREIRA DE SOUZA 600
1. INTRODUÇÃO
1
Como o foco deste artigo é a constatação da biopolítica agambeniana que,
2 3
consequentemente, se ocupa da gestão calculista da vida nua inserida no campo ,
busca-se indícios da hipótese de Agamben no Direito, especificamente nas práticas das
decisões judiciárias. Tomando como foco casos extremos que versam sobre a vida e a
morte dos envolvidos. 4
Pois nestes casos, os juízes, como peritos e mão direta do poder soberano ,
deverão decidir sobre o valor ou desvalor da vida, medi-la e avaliá-la, a fim de
estabelecer um valor indenizatório, em dinheiro, capaz de compensar o dano sofrido
pelas vítimas do trânsito.
Deste modo, nesta pesquisa ousa-se um salto: a tentativa de demonstrar, de
maneira alusiva, o funcionamento da máquina biopolítica no Direito, partindo das
análises dos casos que ingressam no judiciário e que versam sobre o pagamento de
indenizações por danos irreparáveis. Para isso, serão necessários dois recortes
modelos com o intuito de analisar as consequências jurídicas dos acidentes de trânsito
e sua repercussão no judiciário.
Pois as fatalidades dos acidentes automobilísticos, por serem fatos comuns na
sociedade atual, agregam em si uma banalidade mortífera, representativa dos maiores
acontecimentos que suscitam a vida nua exposta à violência. Mas também porque, na
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
- Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!
(Augusto dos Anjos - versos a um coveiro)
Biopolítica: neste artigo a biopolítica será tomada genericamente no sentido derivado de
Foucault (2010), como tecnologia do poder preocupado em governar a vida como corpo biológico
populacional, mas retomado por Agamben (2010) como inserção preponderante da vida nua na política,
cuja maior preocupação se dá em gerenciar não somente vidas, mas sobrevidas, ou vidas nuas. Neste
caso, a gerência da vida nua implica na sua exposição aos riscos de morte.
1
Vida nua: conceito de Agamben (2010) que neste artigo será entendida de maneira genérica
como um mero fato de vida, desqualificada, reduzida ao seu mínimo biológico, como se fosse vegetativa,
uma sobrevida.
2
Campo: É inspirado nos campos de concentrações nazistas descritos por Hannah Arendt (1978)
e desenvolvido por Agamben como “[...] o espaço que se abre quando o estado de exceção começa a
converter-se em regra.” (2001, p.38). Pois quando há uma suspensão, mesmo que temporária, dos
Direitos, característica do estado de exceção, está formado um espaço que permanece fora da
normalidade legal. Assim, neste âmbito em que não há Direito, emerge a possibilidade da violência,
consequentemente, em seu interior tudo é possível, tal como os campos de concentração nazista. No
caso desta pesquisa, o campo será tomado como um espaço em que a vida, mesmo que protegida
formalmente pelos Direitos Humanos e Fundamentais, encontra-se planejadamente exposta aos riscos.
No caso, as vias, rodovias, estradas e autoestradas, onde a vida encontra-se exposta aos riscos
possíveis de controle governamental ou biopolítico serão tomados como campos lights para designar um
sentido mais leve que os campos de concentração.
3
Poder soberano: com inspiração de Foucault, Carl Schmitt e Walter Benjamin, este conceito será
entendido no sentido agambeniano como “aquele que decide sobre o valor ou sobre o desvalor da vida
enquanto tal.” (2010, p.138). Significa sempre a exposição da vida à violência, consequentemente, ao
poder da morte. O exercício do poder soberano implica em um jogo de inclusão e exclusão, característico
do estado de exceção que é intrínseco a todo exercício de soberania.
4
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 599-617, julho/dezembro de 2013.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT