Estado (território)

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas149-167

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1. Território Modos de aquisição

Como vimos no capítulo II, o território é um dos elementos caracterizadores do Estado, em seu sentido técnico. É a porção da superfície do solo, abrangendo terras, o subsolo e a coluna de ar correspondente (espaço aéreo).

Tem o Estado soberania sobre tal porção, sendo importante que possamos especiicá-la de forma mais minuciosa.

A extensão do domínio terrestre do Estado é demarcada por linhas imaginárias, seus limites. Estes podem ser naturais ou arcifínios, ou seja, os que seguem os traços físicos do solo, e os artiiciais, intelectuais ou matemáticos, criados pelo Homem. Tais limites provêm de acontecimentos históricos ou de acordos, inexistindo regras internacionais prévias112. Aqui se trata de domínio terrestre propriamente dito.

Quando, em Direito Internacional, se fala em aquisição e perda do domínio, a referência leva em conta apenas o domínio territorial, uma vez que os outros são dele acessórios.

Temos, entre os modos de aquisição a ocupação, a acessão, a cessão e a prescrição. Tais modos são igualmente correspondentes quanto à perda.

  1. Ocupação — Ocorre quando um Estado se apropria de território res nullius para exercer sua soberania. Alcança, como é óbvio, o território efetivamente ocupado.

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  2. Acessão — É o acréscimo de um território determinado por fato natural, como a ação de rios ou do mar. A acessão pode ser natural (aluvião, avulsão, formação de ilhas e abandono de leito por um rio), entendendo-se, nesses casos, em contrapartida, a acessão artiicial como a construção pelo Homem de diques e quebra-mares.

  3. Cessão — É a transferência, mediante acordo entre Estados, da soberania sobre determinado território. A cessão pode ser voluntária ou involuntária, no caso de conquista, com base em operações militares e anexação total ou parcial do território pertencente ao Estado vencido. Sob este último aspecto, haveria desaparecimento de um dos contendores. Alguns doutrinadores opinam que, por ter o Estado perdedor deixado de existir, haveria ocupação.

  4. Prescrição — Alguns falam em usucapião. Ocorre quando a aquisição de um território se dá pelo domínio efetivo, ininterrupto e pacíico por prazo longo e suiciente para presumir a renúncia tácita do antigo soberano. É o caso da prescrição aquisitiva.

    Antes de adentrarmos ao domínio luvial, que podem ser vistos como curso de águas, isto é, águas correntes, artiiciais ou naturais, rios representam preocupação especíica para o Direito e para o Direito Internacional, porquanto fazem parte da natureza que inluencia a vida sobre a Terra.

    Como se sabe, tais águas, como tudo na natureza, são produto desse organismo vivo que é o planeta. A água transfere-se da atmosfera para a superfície terrestre (precipitação/chuva). A água das chuvas atinge o solo e parte dela forma os cursos d’água, ou acresce-se a estes ou caminha para os oceanos, ou ica na vegetação ou molha a terra, exceção feita à que se evapora, antes de alcançar o piso logo abaixo. Em contrapartida após isso a água dos rios, dos oceanos e dos lagos também se evolam e evaporam para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico. Ainda lui pelas rochas e pelos diversos obstáculos que encontra pela frente, remanejando partículas sólidas, acomodando-as, alterando os recursos hídricos. Daí a importância das águas e desse ciclo que por meio delas se completa, para a conservação da vida. No mundo atual em que as precipitações revelam-se catastróicas, que os rios se elevam a três ou quatro metros de seu ponto normal, derrubando casas, matando as pessoas, a fauna e fazendo perder as plantações e a lora, tornando a vida quase impossível, é fundamental a consciência jurídica em torno das águas em geral, e dos cursos de águas em especial, desse ciclo hidrológico, dos recursos hídricos, quer inluenciem um ou mais territórios e quando isto acontece, passando por mais de um Estado (rios internacionais), o Direito Internacional busca regrar a matéria.

2. Domínio luvial

O domínio luvial compreende os rios e cursos d’água que cortam o território. Recebem a classiicação de nacionais e internacionais. Aqueles,

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quando correm inteiramente no território de um só Estado, e os últimos, quando atravessam ou separam os territórios de dois ou mais Estados.

Os rios internacionais, assim como os nacionais, constituem-se em unidades hidrológicas naturais, obedecendo às leis da natureza e não as leis do homem. Desse modo, a utilização de parte do rio afeta as demais partes, em princípio não utilizadas, porque o curso de água contínua é um todo.

Nenhum problema se vislumbra em relação aos nacionais, porque pertencem ao domínio público do Estado soberano daquele território. Os internacionais ou são contíguos, quando correm entre territórios de dois ou mais Estados, ou são sucessivos, quando atravessam mais de um Estado. No primeiro caso, a soberania é exercida sobre o curso d’água compreendido no território respectivo.

Algumas questões podem surgir sobre a liberdade de navegação dos rios. Nos nacionais, regulada pelo Estado, e, nos internacionais, dependente de acordos. Em relação a estes últimos, a prática internacional tende à liberdade plena de navegação; mas não constitui princípio geral.

Tudo pode ser resolvido por meio de tratados, principalmente quanto ao aproveitamento industrial ou agrícola das águas. A pesca, no entanto, pertence à nação dentro de cujo domínio se encontre a porção do rio, contíguo ou sucessivo, não se olvidando a realização de acordos entre interessados, a im de que a pesca em uma parte do rio, do modo pelo qual venha a ser praticada, não prejudique o outro Estado.

Para a exata compreensão da gestão internacional das águas dos rios existem alguns princípios internacionais que devem ser lembrados, conforme lições de Paulo Affonso Leme Machado, baseadas nas proposições da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas:113

  1. princípio da utilização equitativa e razoável das águas; b) princípio da participação equitativa e razoável dos Estados; c) princípio da utilização ótima e sustentável; d) princípio da obrigação de não causar danos signii-cativos aos cursos de água internacionais; e) princípio da obrigação geral de cooperar; f) princípio do intercâmbio regular de dados e de informação; e, g) princípio da satisfação das necessidades humanas vitais.

2.1. Princípio da Utilização Equitativa e Razoável das Águas

Signiica que tais águas devem ser utilizadas e valorizadas de forma equitativa pelos Estados, no que concerne aos recursos proporcionados pelas águas, bem como contribuir de modo equitativo. As Normas de Helsinki (Conferência de 1966, da “International Law Association — ILA): “Art. 5º

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Fatores relevantes, os quais devem ser considerados incluídos, além de outros. 1. A geograia da bacia, incluindo, especialmente, a extensão da área de drenagem no território de cada Estado da bacia. 2. A hidrologia da bacia, incluindo, especialmente, a contribuição de água de cada Estado da bacia. 3. O clima que afeta a bacia. 4. A utilização anterior das águas da bacia, incluindo, especialmente a utilização existente. 5. As necessidades econômicas e sociais de cada Estado da bacia. 6. A população dependente das águas da bacia, em cada Estado da bacia. 7. Os custos comparativos das medidas alternativas para satisfazer as necessidades sociais e econômicas de cada Estado da bacia. 8. A disponibilidade de outros recursos. 9. A evitação de resíduos desnecessários na utilização das águas da bacia. 10. A efetividade da compensação para um ou mais Estados da mesma bacia, como medida de ajustamento de conlitos entre os usos. 11. O grau em que as necessidades de um Estado da bacia possam ser satisfeitas sem causar dano substancial a um Estado da mesma bacia”. Outras regras surgiram, no mesmo sentido, como a Convenção sobre o Direito Relativo à Utilização dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diversos dos de Navegação (ONU/1997) e a Conferência de Berlim, de 2004, em relação aos fatores relevantes, como o geográico, o hidrográico, o hidrológico, o hidrogeológico, o climático, o ecológico, as necessidades sociais e econômicas dos Estados, a população que vive no entorno da bacia, os usos existentes e potenciais das águas, a conservação, a proteção, o desenvolvimento e a economia dos recursos hídricos, a sustentabilidade e a minimização do prejuízo ambiental.

2.2. Princípio da Participação Equitativa e Razoável dos Estados

Por este princípio a participação do Estado no uso do curso de água internacional. Tal participação inclui o direito de utilizar o rio, como a obrigação de cooperar em sua proteção e aproveitamento. A soberania exercida pelo Estado sobre as águas, por óbvio, não pode ser absoluta, mas limita-se, tendo em vista não existir linha especíica, sólida e ixa de separação entre o domínio de um Estado e o domínio de outro sobre as...

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