A terra como meio de especulação do mercado imobiliário

AutorAndreza Aparecida Franco Câmara
CargoAdvogada. Mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas125-140
A TERRA COMO MEIO DE ESPECULAÇÃO DO MERCADO IMOB ILIÁRIO
EARTH AS A MEANS OF THE PROPERTY MARKET SPECULATION
Andreza Aparecida Franco Câmara1
Sumário: Introdução; 1 As novas atividades econômicas e a dinâmica imobiliária na cidade do
Rio de Janeiro; 1.1 Os novos movimentos urbanos: o crescimento demográfico; 2 A mobilidade
residencial e os fluxos migratórios no Rio de Janeiro na década de setenta; 2.2 As alterações da dinâmica
urbana: o perfil da década de oitenta; 2.3 As tendências sociais e as influências na moradia pós anos
oitenta; Conclusão; Referências.
Resumo: O presente artigo analisa a atividade imobiliária na cidade estabelecida como uma
posição do setor empresarial em relação às formas de produção de moradia. Considerando o processo de
inclusão do setor imobiliário sob a óptica da revalorização do capital nas mãos de poucos, relaciona o
eixo socioeconômico de regulamentação da propriedade imobiliária e a integração entre os mecanismos
de distribuição e gerenciamento do solo. A exploração da terra reflete, sob diversos ângulos, a cultura do
capitalismo, ressaltando o papel do solo como merca doria, por meio da distribuição da riqueza e
acentuando as desigualdades sociais como fenômeno resultante da constituição da estrutura espacial
fortemente estratificada e segregada. A concentração de famílias que vivem no limite e/ou abaixo da
chamada “linha da miséria” na periferia da cidade é a conseqüência imediata da valorização do solo em
áreas nobres e da “expulsão” de parte da população que não tem recursos para adequar suas moradias aos
padrões instituídos por lei. Portanto, a propriedade imobiliária é estudada neste artigo como um fator que
leva à valorização do capital na produção da moradia, tendo como ponto de partida a cidade do Rio de
Janeiro.
Palavras-chaves: mercado imobiliário; produção de riqueza; moradia.
Abstract: This article analyzes the real estate activity in the city established a position as the
business sector on ways of producing housing. Whereas the process of including real estate from the
perspective of capital appreciation in the hands of a few socioeconomic axis linking the regulation of
property ownership and integration between the mechanisms of distribution and land management. The
exploitation of the land reflected in several aspects, the culture of capitalism, emphasizing the role of s oil
as a commodity, through the distribution of wealth and deepening social inequality as a phenomenon
resulting from the formation of the spatial structure of strongly stratified and segregated. The
concentration of families living on the edge and / or below the so-called “poverty line” on the outskirts of
town is the immediate consequence of the appreciation of land in prime areas and the “expulsion” of the
population who can not afford to bring their housing standards established by law. So the real property is
studied in this article as a factor leading to capital growth in the production of housing, taking as its
starting point the city of Rio de Janeiro.
Keywords: housing market; wealth creation; housing.
Introdução
O processo de industrialização no Brasil chegou ao seu ponto culminante por meio da
intensificação da atividade econômica nos períodos compreendidos entre anos de 1940 a 1970;
acarretando a expansão da ocupação de determinadas áreas da cidade (ARANTES, 2000: 1 7)2. Observou-
se o crescimento da concentração de riq uezas, um fato inevitável, agrava ndo o quadro de segregação, de
desigualdades sociais e de marginalização dos grupos sociais desfavorecidos. Caracterizou, assim,
durante essas décadas, o quadro de miséria e pobreza existente até os dias atuais no Rio de Janeiro
(ABRAMO, 2001: 162)3.
1 Advogada. Mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado d o Rio de Janeiro UERJ. Professora de Direito na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ/ITR. andrezaafc@hotmail.com
2 Otília Arantes demonstra que: “(...) Duas gerações urbanísticas depois, o que poderia ter sido motivo de escândalo - a revelação da
mercadorização integral d e um valor de uso civilizatório como a cidade - tornou-se razão legitimadora ostensivamente invocada:
aqui a novidade realmente espantosa, e tanto mais que eficiente, não só por deixar a crítica espontânea da cidade-empresa com a
sensação de estar arrombando uma porta aberta, mas sobretudo por contar com a „compreensão’ das populações deprimidas por duas
décadas de estagnação econômica e catástrofe urbana: fica assim bem mais simples persuadi-las a se tornarem „competitivas’, na
pessoa de suas camadas „dinâmicas’, bem entendido. Esse o núcleo originário da „sensação coletiva de crise’, sublimada pela nova
ênfase na auto-imagem dos habitantes, tal como lhes é devolvida pela superfície refletora dos Grandes Projetos, neste final de
século”.
3 Observa Pedro Abramo que: “Nesse sentido, propomos um exercício heterodoxo de leitura do mercado de localização residencial,
no qual a figura do capitalista empreendedor e os problemas de coordenação espacial se articulem no sentido de promover uma
dinâmica de estruturação residencial cuja lógica da ordem-desordem espacial seria um reflexo da dinâmica de valorização-
Após 1964, produziu-se uma nova fase de integração da economia brasileira no capitalismo
mundial, que correspondeu a um aprofundamento das tendências do período anterior e significou uma
clara opção a favor dos investimentos estrangeiros. As diretrizes e os objetivos econômicos adotados
implicaram na recomposição das relações da economia brasileira com a economia mundial, abaladas
pelas políticas econômicas da administração anterior.
Essa política econômica, fundada na doutrina da „interdependência’, provoca uma acelerada
redução da participação relativa aos grupos econômicos nacionais, que permanecem como os sócios
minoritários dessa imensa „sociedade anônima’ em que se transformou o país. Tende, também, a empresa
nacional a ficar „ilhada’ em alguns poucos setores da indústria de transformação. Os blocos de engenharia
pesada e da construção civil consegue,m, no entanto, manter seus interesses preservados. O passo inicial
para a recuperação desses setores é dado em 1964, quando se institui a correção monentária nos contratos
imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, e se cria o Banco
Nacional de Habitação (BNH). (PIQUET, 2001: 25 et seq.)
O quadro urbano, a partir dos anos setenta, é marcado pela aplicação de políticas que
privilegiavam a lógica ditada pelos interesses dos grupos de empreendedores (PÓLIS, 1997: 285) 4,
consagrando como meta a acumulação de patrimônio, traçando, portanto, uma nova dinâmica de
ocupação. O resultado foi o agravamento do cenário urbano e, a composição do perfil dual onde os ricos
ocupam as áreas nobres da cidade (ABRAMO, 2001: 163)5, e os investimentos públicos em infra-
estrutura e serviços básicos estão presentes, deixando as áreas remanescentes p ara o uso da população
menos favorecidas.
No Brasil, os exemplos referidos, especialmente aqueles de construção de novas centralidades,
mostram que investimentos públicos transferem renda para o mercado imobiliário de alto padrão, em
áreas pouco ocupadas, enquanto carências básicas de grande parte da população já assentada não
merecem atenção. Em sua dissertação de mestrado, Carlos Fernando de Souza Leão d e Andrade mostra a
relação entre a abertura de loteamentos irregulares e clandestinos e a localização dos investimentos
públicos em infra-estrutura na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Essa região cresce em população e ocupação
mais do que o conjunto do município, revelando uma fuga da população pobre das áreas mais urbanizadas
e mais caras. (MARICATO, 1996: 160 et seq.)6
1 As novas atividades econômicas e a dinâmica imobiliária na cidade do Rio de Janeiro
A vocação do Rio de Janeiro para o setor de serviços pode ser verificada em um momento em
que a economia sofreu um colapso nas atividades industriais. Aquele novo setor, nos anos de 1970,
representava a ocupaç ão de cinquenta e seis por cento de toda a mão de obra ativa da capital e das áreas
sobre a sua influência, tal fenômeno vinha se acentuando a partir da década de sessenta, quando pouco
desvalorização intra-urbana. Para tal, vamos sugerir uma recuperação do esquema Kaleckiano a identificar os “ciclos da vida” das
localizações intra-urbanas e a dinâmica de estruturação do estoque residencial urbano.(...)”.
4 Nelson Pólis considera “O valor da terra/propriedade urbana é determinado pelo mercado formal em razão de diversos fatores tais
como o processo de especulação imobiliária, localização física e territorial, potencial de uso e de construção, oferta de serviços e
equipamentos públicos, potencial de uso da infra-estrutura urbana, capacidade da rede viária, oferta e qualidade do transporte.
Na prática, o planejamento e a gestão, e os padrões de controle, visando a garantir uma qualidade de vida nos assentamentos
humanos, impostos pelas leis e instrumentos urbanísticos, tornam elevado o valor e o custo dos empreendimentos urbanísticos,
gerando a concentração da renda imobiliária aos proprietários e incorporadores e empreendedores imobiliários. Associado ao
processo de concentração da renda imobiliária, o valor da terra/propriedade urbana estabelecido pelo mercado formal exclui a
maioria da população de ter acesso a esse mercado pela falta de renda.
A formação de assentamentos precários para fins de moradia, tem sido a alternativa permanente desta população, padrões baixos de
qualidade de vida. A desigualdade e injustiça estão presentes pela não -participação na distribuição da renda e riqueza da c idade e
pelas precárias condições de vida.”
5 Considera Abramo que “As flutuações do volume de capital surgem, pois, como resultado da não simultaneidade dos movimentos
de recomposição dos estoques e do caráter autônomo das decisões capitalista.”
6 Ermínia Maricato afirma que “Como parte da regra do jogo, a ocupação de terras urbanas tem sido tolerada. O Estado não tem
exercido, como manda a lei, o poder de polícia. A realidade urbana é prova insofismável disso. Impossível admitir o contrário, pois
se essa gigantesca ocupação de terras não fosse tolerada e a popu lação pobre ficasse sem alternativa nenhuma, teríamos uma
situação de guerra civil, considerando os números envolvidos. Para dar uma ordem de grandeza, estamos nos referindo a
aproximadamente dois milhões de pessoas que moram em favelas, apenas no município de São Paulo.
Não é em qualquer localização, entretanto, que a invasão de terras urbanas é tolerada. Nas áreas valorizadas pelo mercado,
a lei se aplica. Ao contrário da opinião corrente, a Zona Sul carioca e o Sudoeste paulistano, concentrações de moradias de alta
renda, apresentam menor ocorrência de núcleos de favelas, como mostram os levantamentos cartográficos da prefeitura do Rio de
Janeiro para esta cidade e do LABHAB para São Paulo (LABHAB, 1999). Não é a norma jurídica, mas a lei de mercado que se
impõe, demonstrando que nas áreas desvalorizadas ou inviáveis para o mercado (beira de córregos, áreas de proteção ambiental, por
exemplo), a lei pode ser transgredida. O direito à invasão é até admitido, mas não o d ireito à cidade. O critério defin idor é o do
mercado ou o da localização”. (grifos nossos)

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