O Terceiro Setor: uma abordagem histórico conceitual

AutorAline Cristina Mendes
Páginas25-50

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1 Introdução

Terceiro Setor1 é uma terminologia sociológica que dá significado a todos as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, um vocábulo muito utilizado nos Estados Unidos para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o Primeiro Setor (Estado) e o Segundo Setor (Mercado). Qualificam-se como entidades do Terceiro Setor as ONGs, associações, fundações, entidades de assistência social, educação, saúde, esporte, meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia, entre outras várias organizações da sociedade civil. Com o objetivo de combater grandes problemas do mundo atual, como a pobreza, violência, poluição, analfabetismo, racismo, etc. São instituições com grande potencial de representatividade, podendo ser vistas como legítimas representantes dos interesses da sociedade civil.

Tendo em vista as considerações acima apresentadas, foi elaborado o presente estudo, que ficou assim constituído: inicia-se por um breve panorama histórico, após isto expõe uma reflexão sobre o crescimento e desafios do setor, assim como a importância do monitoramento, marketing social, captação dePage 26 recursos financeiros e humanos. Abordando-se também o tema de trabalho voluntário.

2 O Terceiro Setor

Ao longo da história podemos averiguar várias tentativas de formações de comunidades, sejam elas organizadas, institucionais, governamentais ou não, como por exemplo as guildas, as fraternidades e cultos. De acordo com Salvatore em sua origem, as organizações do terceiro setor existiam no espaço da Igreja Católica, baseadas em valores da caridade cristã e sua relação com o Estado. Misturando o público e o privado, o confessional e o civil, pois as organizações também se baseavam nas tradições de generosidade, solidariedade e valores assistencialista e paternalista.

Com a formação setorizada, fragmentada e focada apenas no social, os aspectos administrativos e de gestão dessas instituições foram desconsiderados pelos profissionais da área social, revelando a profunda dicotomia existente entre o social e o administrativo, cuja fragilidade acarretou a herança históricas de instituições que não se sustentam, vivendo na dependência do Estado. Nesse contexto, a finalidade dessas instituições era focada apenas no atendimento das necessidades do seu público-alvo, sendo as questões administrativas entendidas meramente como exigências burocráticas do setor público, principal financiador, cristalizando, assim a concepção de que a diferença entre estes dois aspectos situa-se no mesmo campo da que diferencia o essencial e o acessório (SALVATORE, 2004, p. 18).

O Terceiro Setor surge com o tema central de “gestão social”, pois como entendemos com a citação de Salvatore acima, as organizações não eram gerenciadas por administradores com a visão típica das escolas de administração de empresas. Hoje em dia, o Terceiro Setor tem como tema central a “gestão” e opera segundo a lógica e a racionalidade do setor privado, pois emerge no âmbito das ciências da administração.

Segundo Matos o reconhecimento das ONGS surgiu após a Eco-92, onde o termo foi adotado para denominar as organizações responsáveis pela implementação de projetos de promoção do desenvolvimento. Antes da Eco-92 a ONU utilizava o termo para referir a um conjunto variado e heterogêneo de organizações internacionais no âmbito supranacional, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Cruz Vermelha Internacional, a UNESCO e a FAO.

Nas décadas de 50 e 60 manifestações e tensões, como lutas dos negros, campanhas pacifistas, movimentos feministas, dos homossexuais, dosPage 27 estudantes que lutavam pelos direitos sociais, políticos e culturais possibilitaram para o surgimento de outros tipos de ONGs com campanhas educativas e envolvendo-se em lutas ecológicas, defesa dos direitos humanos, contra diferentes formas de violência e a favor da anistia.

Se as ONGs da década de 1980 buscavam articulações partidárias, sindicais e com a Igreja progressista, na década de 1990, com as alterações nas formas de mobilização, as ONGs mudaram de natureza, promovendo mobilizações pontuais, locais, atuando a partir de demandas específicas, plurais, com objetivos humanitários, incorporando o plano da cultura, na busca de causas identitárias e éticas, trazendo à tona as questões de gênero, geração, raça-etnia, com o intuito mais de afirmação do que de contestação. Assim, junto a organizações caritativas e cidadãs, cresceu o número das ONGs desenvolvimentistas e ambientalistas, articuladas em redes de caráter internacional e cuja contribuição foi decisiva para a mudança de âmbito local (MATOS, 2005, p. 26-7).

Em 1960 e 1970 as organizações não-governamentais (ONGs) cresceram na Europa Ocidental, visando promover projetos de desenvolvimento nos países de Terceiro Mundo, estabelecendo parcerias com vários países e fazendo surgir as ONGs no hemisfério sul.

No século XVIII o termo “sociedade civil” surgiu no Brasil e na América Latina com o objetivo de interagir com a sociedade. Segundo Albuquerque, “a sociedade civil também pode ser entendida como um conjunto de associações e organizações livres, não pertencentes ao Estado e não econômicas que, entretanto, têm comunicação com o campo público e com os componentes sociais (2006, p. 19)”.

Os movimentos associativos tiveram origem nos séculos XVI e XVII com caráter religioso ou político, porém influenciadas pelos sistemas de governo e pelas políticas nacionais vigentes. Estes movimentos associativos eram determinados pela Igreja e o Estado, causando uma hierarquização centralizadora e controladora.

Devido a Segunda Guerra Mundial, profundas mudanças ocorrem nas diversas áreas da vida social, como por exemplo, políticas, sociais e econômicas, gerando assim aumento da pobreza, da violência, de doenças, da poluição ambiental e de conflitos religiosos, étnicos, sociais e políticos. Em conseqüência, nos anos 1970, as organizações da sociedade civil atuaram fortemente na redemocratização dos países, com ações para o desenvolvimento comunitário e atividades de assistência e serviços nos campos de consumo, educação, saúde, entre outros.

Segundo Tachizawa (2004), no Brasil, as ONGs começaram a existir durante o regime militar, se opondo ao poder político. Com o fortalecimento ePage 28 criação de associações civis as ONGs foram fundadas e consolidadas. Com dados da Abong podemos notar que na década de 80 as entidades pioneiras estavam vinculadas às igrejas cristãs, trabalhando com movimentos comunitários, de bairros, de periferia e sindicais. Hoje em dia, as ONGs são mais secularizadas e diversificadas quanto a suas origens, atividades e objetivos, provavelmente devido a pluralidade dos movimentos sociais.

A expressão “terceiro setor” é uma tradução do termo inglês third sector, que também é conhecido como nonprofit organizations (organizações sem fins lucrativos) e voluntary sector (setor voluntário.) Na Inglaterra se utiliza a expressão charities (caridades), da qual a origem deriva da obrigação religiosa das primeiras ações comunitárias. Outro termo, porém mais humanista, é philantropy (filantropia).

Montaño (2005, p. 14) diz que o terceiro setor envolve um número significativo de organizações e instituições - organizações não-governamentais (ONGs), sem fins lucrativos (OSFL), instituições filantrópicas, empresas “cidadãs”, sujeitos individuais (voluntários ou não) e até mesmo o Estado, pois este promove o terceiro setor na esfera financeira e legal.

Ioschpe (2005, p. III) complementa dizendo que as organizações sem fins lucrativas são criadas e mantidas por participações voluntárias, praticando caridade, filantropia, mecenato, graça e cidadania. Cardoso (In: Ioschpe, 2005, p. II) diz que o terceiro setor é “um espaço de participação e experimentação de novos modos de pensar e agir sobre a realidade social. É o surgimento de uma esfera pública não-estatal e de iniciativas privadas de sentido público”.

De acordo com Martinelli (IN: Ioschpe, 2005, p. 87) as organizações filantrópicas se organizam através de instituições ou entidades sem fins lucrativos, com o objetivo de transformar o ser humano. Algumas atividades desenvolvidas seriam as escolas, creches, hospitais, escoteiros, grupos de proteção ao meio ambiente, agrupados por áreas temáticas, porém com uma meta em comum, o bem comum.

Segundo Tachizawa (2004, p. 23) as principais áreas de atuação das entidades do Terceiro Setor são: educação, organização popular e participação popular, justiça e promoção de direitos, fortalecimento de outras ONGs sem movimentos populares e a relação de gênero e discriminação sexual. Os valores do terceiro setor são altruísmo, compaixão, sensibilidade para com os necessitados e compromisso com o direito de livre expressão. Ou seja, é um conjunto de instituições que encaram os valores da solidariedade e os valores da iniciativa individual em favor do bem público.

O termo terceiro setor é construído de um recorte social, onde o Estado é considerado o “primeiro setor”; o mercado sendo o “segundo setor” e a sociedade civil o “terceiro setor”. Poderíamos considerar esse recorte reducionista, pois assim alegamos que o político pertence à esfera estatal, o econômico ao âmbito do mercado e o social apenas à sociedade civil.

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Porém de acordo com Rifkin (1997, apud MONTAÑO, 2005, p. 54) o terceiro setor é na realidade o primeiro setor, pois historicamente é a sociedade que produz suas instituições, o Estado e o mercado, assim o terceiro setor seria na verdade o primeiro.

O Primeiro Setor constitui-se...

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