Terceirização feita pelas organizações empresariais de vigilância e segurança: aspectos trabalhistas, empresariais e a súmula n. 331, V, do TST

AutorLutiana Nacur Lorentz/Rubia Carneiro Neves
CargoProcuradora do Ministério Público do Trabalho na 3ª Região/Doutora e Mestre em Direito Comercial pela UFMG
Páginas71-101

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Introdução

Este artigo pretende abordar a questão da terceirização trabalhista feita por empresas fornecedoras de serviços de vigilância e segurança que tem aumentado muito no Brasil1 (há registros de que o quantitativo de vigilantes supera o da Polícia Militar e Forças Armadas juntos2), matizadas sob o prisma da interdisciplinaridade, ou seja, não só nas dimensões trabalhistas (sob o enfoque da Súmula n. 331, alterada pelo TST) e empresariais, mas também sob a dimensão dos requisitos de autorização

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e funcionamento perante o órgão autorizador de seu funcionamento, que é, em regra, a Polícia Federal — PF3.

O tema é de importância capital, em primeiro lugar porque, infelizmente, é por demais comum que as organizações empresariais fornecedoras de serviços de vigilância e segurança incorram em falência ou, simplesmente e informalmente, se tornem inadimplentes dos créditos trabalhistas de seus terceirizados causando vultosos prejuízos financeiros, não apenas para a mão de obra terceirizada, mas também para seus tomadores de serviço que têm de arcar com a responsabilidade (atualmente, subsidiariamente, se a terceirização for lícita), com relação aos tomadores privados e com prova de culpa, conforme será abordado, para a administração pública, dos inadimplementos. É claro que se a terceirização for ilícita haverá responsabilidade solidária do tomador.

Notadamente, após a alteração da Súmula n. 331 do TST em virtude do julgamento da ADC (Ação Direta de Constitucionalidade) n. 16 do STF com vistas à declaração de constitucionalidade da Lei n. 8.666/1993, art. 71, julgamento de 15.12.2010 (publicada no DOU, em 28.4.2011) que resultou na alteração da Súmula n. 331, pelo TST (Resolução n. 174, de 27.5.2011) estes aspectos têm de ser observados com acuidade porque qualquer descumprimento dos requisitos da autorização e funcionamento de empresas fornecedoras de serviços de vigilância e segurança não são indícios e sim provas cabais de culpa in eligendo do tomador (no caso, público). Ressalte-se que há dados no sentido de que 60% (sessenta por cento)4 dos tomadores do serviço de vigilância e segurança são públicos.

Em segundo lugar, porque em um Estado Democrático de Direito a autorização e funcionamento de organizações empresariais que fornecem serviços de vigilância e segurança5 que está plenamente autorizada a

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trabalhar, inclusive em vias públicas, de forma armada6, mesmo sendo esta civil, tem de ser pautada por um caráter de rigidez e de exceção. Por fim, é vital que a contratação de serviços de vigilância e segurança seja pautada pelo cumprimento de todos os requisitos legais já que as estatísticas sobre adoecimento e morte de vigilantes é estarrecedora; em alguns Estados da Federação, maior até do que as de policiais; neste sentido, Carlos Eduardo Carrusca Vieira e outros7.

1. Aspectos trabalhistas
1.1. Terceirização — aspectos históricos

Este artigo não tem a pretensão de inventariar todos os motivos do surgimento e da expansão da mão de obra terceirizada no Brasil, porém, alguns escólios, ainda que sucintos, sobre o temário são importantes para esclarecimentos pretéritos a fim de que se possa melhor entender o tema na contemporaneidade.

Em âmbito de história mundial, sob o ponto de vista do reconhe-cimento8, o trabalho humano oscilou entre castigo ou pena imposta por Deus pelos pecados humanos, depois, concernente aos afazeres escravos (trabalho braçal) na Grécia e Roma (nestes o trabalho escravo também poderia ser consequência do inadimplemento de dívidas), regime de servidão na Idade Média, até o trabalho livre no regime capitalista-burguês.

Com o advento do Estado Liberal, a burguesia que já detinha o poder econômico com a derrocada das classes da monarquia — nobreza — clero

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passou a almejar o poder político, motivo que, aliás, foi a principal razão da Revolução Francesa de 17899 que foi, em verdade, a revolução do burguês rico (Gerundino), tanto que o sufrágio universal só foi estendido a outras classes, em 1848. Os ideais de liberdade (mais do que igualdade e fraternidade) eram o mote, surgindo os direitos constitucionais de primeira geração, com ênfase na liberdade (negativa), em face do Estado, ou seja, na abstenção Estatal, através de diversas técnicas10, dentre elas, as mais notáveis são: a tripartição de poderes de Montesquieu (poderes executivo, legislativo e judiciário) como técnica de enfraquecimento do poder central, a técnica de declaração de direitos (sem nenhum caráter vinculativo) e a ênfase na liberdade (exacerbada) e sem controle para que a burguesia pudesse agir sem amarras, tanto em detrimento da igualdade e da fraternidade, quanto de qualquer direito do proletariado.

O fortalecimento da burguesia, nos séculos XVIII e XIX, sobretudo na Inglaterra, logo após a primeira revolução industrial (máquina a vapor e locomotivas) fez com que os interesses burgueses em conquistar novos mercados (tendo como pressuposto novos consumidores de seus produtos e, portanto, mão de obra livre) o impelisse a forjar leis proibitivas de escravidão e compelisse vários países a abandonar esta prática.

No século XX, houve mudanças estruturais muito importantes que deram gênese aos chamados direitos constitucionais de segunda geração, em especial na seara trabalhista e econômica. Destas mudanças, as mais importantes são de caráter político: o Manifesto Comunista de Marx e Engels, de 1848, a Rerum Novarum11 ("Coisas Novas"), de 1891, em que pese, ter contribuído para humanização das relações de trabalho e menor exploração da classe oprimida operária, também pode ser vista com um libelo anticomunista12, a Revolução Comunista Russa de 1917, e a criação da OIT, de 1919, com o Tratado de Versailles, que promoveram "recuos inopinados" no modo de ser capitalista, para garantir que não houvesse mudança de sistema, promoveu ou concordou com algumas conquistas trabalhistas. É claro que, a par disto, não se pode olvidar da importância do movimento sindical nas conquistas trabalhistas, que sempre foi fundamental, seja ele reformista, seja revolucionário.

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Houve a segunda revolução industrial (petróleo, produção de bens em massa, carros, eletrodomésticos, etc.) e o surgimento das técnicas que são molduras na produção capitalista como o Taylorismo13, em 1911 (Frederik Winslow Taylor) que criou a teoria da administração científica do trabalho, com fragmentação do tempo e saber operários que foi depois aperfeiçoada e intensificada pelo Fordismo14 (Henry Ford), em 1913, que associou esta técnica a sua "esteira rolante" e a produção e crédito em massa.

Outro marco importante da mudança da postura de absenteísmo do Estado (Liberal) para o Estado interventor (Social) foram as políticas de J. MainardKeynesdopós-guerraqueapós 1945 preconizaram como receita de combate aos desastres econômicos à intervenção do Estado, sobretudo na área social. Evidente que também o movimento sindical tanto revolucionário, quanto reinvidicatório de busca de melhorias de patamares de vida e trabalho para a classe operária teve um papel fundamental para diversas das conquistas operárias o que (somado aos outros fatores citados e ainda as técnicas Tayloristas e Fordistas15 de produção) fez com que surgisse o Direito do Trabalho com seus direitos garantistas de um possível ideal de maior patamar igualitário, ou melhor, de um "patamar mínimo civilizatório"16.

Ainda no século XX, os anos de 1960 a 1980 foram conhecidos como "anos de ouro" do capitalismo onde a classe operária pôde obter significativa melhoria da qualidade de vida e direitos trabalhistas. Surgiram os direitos constitucionais cognominados de terceira geração concernentes a meio ambiente, direitos culturais, direito à diversidade são criação do século XX e têm pretensão de aplicabilidade universal, o que, amiúde, esbarram nos empecilhos dos "relativismos culturais".

Após os chamados "anos de ouro" do capitalismo, o final da década de 1980 foi marcada por mudanças políticas, econômicas, tecnológicas, ideológicas e jurídicas que acabou por abalar o Estado de Bem-Estar Social

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(Welfare State) que, em síntese foram: em dimensão política, a queda da ameaça comunista simbolizada em 1989 pela queda do muro de Berlim, pondo fim a este contraponto capitalista, em dimensão econômica, o aumento do capital especulativo (com uso preponderante do trabalho morto (máquinas), em dimensão tecnológica a substituição da técnica Taylorista--Fordista pela Toyotista (Ohnista, criada no Japão, em 1945, por Tachii Ohno, vice-presidente da Toyota e trazida para o ocidente de 1975-1980, infelizmente a técnica do Volvismo17 não logrou sustentar-se, em âmbito mundial)18, com enxugamento da fábrica, terceirização, Just in time, desemprego em massa, subemprego, emprego das técnicas como os CCQs, Kanban e Kaizem (competição entre times de empregados, ou como queiram os arautos do Toyotimo "autocontrole operário"), com a consequente criação de múltiplas clivagens operárias, fragmentação de seus interesses, roupagens jurídicas e fragilização sindical.

Em dimensão ideológica, verifica-se um culto sem precedentes ao individualismo, o culto ao consumo (ismo), com alto índice de obsolescência de mercadorias (seja planejado, seja adquirido) e, ideologicamente, a figura do consumidor permanentemente insatisfeito...

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