A Terceirização: Espécies, Causas Políticas e Econômicas e Aspectos Legais

AutorJorge Raimundo de Jesus Mutti de Carvalho
Páginas30-38

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1. Introdução

Durante a segunda grande guerra, muitas empresas foram obrigadas a elevar a produção de artigos, direta ou indiretamente, relacionados com o conflito. Especialmente nos Estados Unidos da América, as corporações armamentistas, para atender à demanda requerida pelo governo, passaram a contratar terceiros para a fabricação de peças e prestação de serviços de suportes, reservando prioritariamente para si a montagem dos artefatos. Esse momento marca o início da terceirização, na sua mais abrangente e atual configuração.

Após a segunda guerra mun-dial, o uso de mão de obra de terceiros, por parte das empresas fabris, passou da condição de necessidade transitória para tornar-se uma estratégia empresarial, basicamente voltada para duas finalidades. A primeira finalidade é a transferência para setores secundários da linha de produção para empresas especializadas na fabricação dos produtos integrantes dessa etapa fabril. O ganho se dá pela via da especialização, que assegura o aumento da qualidade e permite que a empresa contratante desenvolva a sua própria

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especialidade na linha produtiva principal. A segunda finalidade é a elevação do patamar de segurança do empreendimento, ante os riscos do mercado, permitindo que a empresa contratante opere com quadro de pessoal reduzido.

A partir da década de 50, por meio das multinacionais, a terceirização chegou ao Brasil. Apesar de ser possível afirmar que as duas finalidades acima descritas mantiveram a relevância original, uma outra motivação avultou-se como mola propulsora do instituto sob exame, qual seja, o barateamento da mão de obra. De fato, ao terceirizar atividades, as empresas logram libertar-se de certas obrigações trabalhistas, tais como equiparação salarial por funções semelhantes e benefícios previstos em normas coletivas. Nesse aspecto, a subcontratação preserva a mesma estratégia de sua embrionária origem europeia, no século XVI, na relação entre comerciantes e artesãos independentes, ou, ainda, nas relações entre as fábricas e as operárias da tecelagem, na revolução industrial (Thébaud-Mony; Druck, 2012).

Com o passar do tempo a terceirização chegou ao setor de serviços e, após o programa brasileiro de desestatização (privatizações), ingressou de forma marcante na seara dos serviços públicos.

Preocupado com as consequências do desregramento da terceirização no direito do trabalho, e em face da ausência de norma reguladora no ordenamento jurídico pátrio, o TST editou a Súmula 331 (revisando a Súmula 256), que, dentre outras disposições e por interpretação a contrário sensu, veda a contratação de serviços de terceiros para as atividades-fins da tomadora. O conceito de atividade-fim, todavia, é objeto de intermináveis divergências na doutrina e na jurisprudência, o que tem dificultado a sua formula-ção legal. Não obstante, tem sido grande a preocupação da Justiça do Trabalho em preservar o direito dos trabalhadores, buscando no caso concreto o cumprimento dos preceitos da Súmula 331.

2. Conceito

O termo “terceirização”, segundo Carelli (2003 apud Thé-baud-Mony; Druck, 2012), “é uma criação brasileira para indicar, essencialmente, que se transfere a um ‘terceiro’, a um ‘outro’, uma atividade que vinha sendo feita pela empresa ou que poderia ser feita por ela”.

Não há definição e regulação legal para a terceirização, no Brasil, e o instituto é considerado uma estratégia empresarial, como leciona Sérgio Pinto Martins (2014, p. 10-16). O emprego da terceirização quase sempre tem como objetivo reduzir os custos operacionais da empresa contratante (tomadora), eis que, na quase totalidade dos casos, a empresa contratada paga a seus empregados salários muito inferiores aos praticados pela primeira. Além disso, quase sempre, a contratada não concede o mesmo patamar de benefícios da contratante, nem seus trabalhadores podem contar com a proteção sindicatos de grande porte. Por estas razões, a terceirização tem acarretado problemas jurídicos que merecem a atenção, não apenas dos operadores do direito como também do legislador.

Segundo Ismael Marinho Falcão, “verifica-se, pois, que a terceirização consiste na possibilidade de contratação de terceiros para a realização de atividades que não constituem o objetivo principal da empresa toma-dora” (Falcão, 1996, p. 30).

Para Sérgio Pinto Martins: “Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que geralmente não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários” (Martins, 2014, p. 10).

Desta forma, é correto afirmar que a terceirização consiste na transferência da execução de atividades de uma empresa, chamada de tomadora dos serviços, para outra empresa, chamada de prestadora dos serviços, nas condições de contratante e contratada, respectivamente. A contratada realiza sua atividade-fim, que é atividade-meio para a contratante, configurando uma terceirização de atividades.

É certo que outros fatores podem impulsionar a terceirização, não apenas a redução de custos. Fala-se em agilidade, fiexibili-dade e competitividade para a contratante (tomadora) com a terceirização (Martins, 2014, p.
11). Ocorre, porém, que todas as vantagens retromencionadas têm, igualmente, origem e consequência econômica.

Na verdade, poucos são os exemplos de terceirização nos quais fatores não econômicos interferiram decisivamente na adoção do instituto em tela. A justificativa não econômica mais consagrada é a da especialização técnica. Neste caso, transfere-se à empresa prestadora especialista determinada atividade-meio do tomador, não por razões econômicas, mas em razão da acentuada qualidade a ser obtida, vantagem esta que estaria fora do alcance deste.

Um exemplo importante vem da construção civil. Uma construtora, que tenha como atividade-fim

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a construção de edifícios, muitas vezes necessita implodir casas ou prédios existentes no local da nova obra. Ora, essa atividade é apenas um meio para atingir o objetivo final de erguer a construção vertical. Não é sensato que uma construtora crie um departamento de demolição à base de implosão, atividade essa de grande complexidade e que acarretaria elevada ociosidade na construtora. Nesse caso, a terceirização é um caminho natural a ser seguido, com ganho repartido entre as partes e os consumidores, que certamente pagariam preço maior pelos apartamentos ou escritórios, caso a construtora tivesse que incorporar aos seus custos o custeio de um departamento de demolições.

Por outro lado, é comum a menção da indústria automobilística como exemplo de terceirização bem sucedida em atividade-fim. Neste exemplo, a montadora de veículos seria a tomadora e as indústrias de autopeças, as prestadoras de serviço (Martins, 2014,
p. 11). Com a máxima vênia, tenho que discordar. De fato, não se pode confundir a figura do fornecedor de insumos e componentes com a daquele que realiza atividades na qualidade de terceiros, dentro de um processo de terceirização. Os fabricantes de autopeças são fornecedores de insumo da indústria automobilística, tanto quanto o frigorífico é fornecedor de insumo de uma churrascaria ou restaurante. A atividade-fim, que é a montagem de veículos, é integralmente realizada pela montadora de automóveis. Nesse tipo de relação, entre fornecedores e montadoras, uma característica se sobressai: a liberdade de formação de preço pelo fornecedor de peças. Quando aumentam os preços de seus próprios insumos, os fabricantes de autopeças repas-sam o incremento às indústrias automobilísticas e estas, aos consumidores. É o que se chama de preço livre na ‘ponta’ da cadeia econômica.

Vemos um exemplo semelhante na indústria de bebidas. Os fabricantes de rótulos, chapinhas, garrafas, grades e substâncias químicas e alimentícias, são fornecedores de insumo para a indústria de cerveja, não se tratando de terceirização de atividades-meio ou fim.

Justamente por se tratarem de indústrias e seus fornecedores não há que se discutir a legalidade da relação jurídica entre estas partes, como é necessário proceder no caso da terceirização.

3. Espécies de terceirização

Não há precisão ou modelos excludentes para explicitar os tipos de terceirização. Buscou-se relacionar o conjunto de classificações que apresenta maior relevância para a consecução do principal objetivo desse trabalho. Não se estabeleceu distinção entre serviço e atividade, como o fazem alguns autores, mas, sim, entre subcontratação de mão de obra e subcontratação de atividades, entendendo esta última como a contratação que contempla não apenas a execução, mas também o emprego de bens materiais e intelectuais da contratada e, aquela, como a contratação pura e simples de mão de obra, que será dirigida pelo tomador dos serviços.

Assim, a terceirização pode ser encontrada nos tipos e modalidades a seguir:
1. Quanto à natureza das atividades terceirizadas...

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