A Construção da Cooperação Jurisdicional nos Pressupostos Teóricos da Obra de Pasquale Stanislao Mancini (1851-1872)

AutorArno Dal Ri Junior - Ademar Pozzatti Junior
CargoPossui Pós-doutorado pela Université Paris I (Panthéon-Sorbonne) - Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas273-304
A Construção da Cooperação Jurisdicional nos
Pressupostos Teóricos da Obra de Pasquale
Stanislao Mancini (1851-1872)
Arno Dal Ri Júnior1
Ademar Pozzatti Júnior2
Resumo: O presente artigo traça uma evolu-
ção histórica do Direito Internacional Privado
(DIPr), sobretudo do ideal de cooperação ju-
risdicional, entre o Medievo e a Modernidade.
Analisa-se a obra de Pasquale Stanislao Manci-
ni e a sua noção de comunidade internacional
como um conjunto de nações, e não como um
conjunto de Estados, como habitual. A doutrina
de Mancini repousava em três pilares: a nacio-
nalidade, a liberdade e a soberania. Além disso,
Mancini abandonou o princípio da territoriali-
dade para adotar a universalidade das relações
privadas, embasando a concepção universalista
da cooperação jurisdicional.
Palavras-chave: Relações Internacionais. Coo-
peração Jurisdicional. Pasquale Stanislao Man-
cini.
Abstract: This paper aims to analyze the his-
torical evolution of the Privete International
Law, particularly the ideal of jurisdictional
cooperation between the Middle Ages and
Modernity. The paper analyzes the theory of
Pasquale Stanislao Mancini, with his notion
of the international community as a set of na-
tions, and not as a set of states, as usual. The
doctrine of Mancini was based on three pil-
lars: nationality, freedom and sovereignty. In
addition, Mancini left the territoriality prin-
ciple to adopt the universality of private re-
lations, basing the universalist conception of
jurisdictional cooperation.
Key words: International Relations. Jurisdic-
tional Cooperation. Pasquale Stanislao Mancini.
1 Possui Pós-doutorado pela Université Paris I (Panthéon-Sorbonne). Doutor em Direito
Internacional pela Universidade Luigi Bocconi de Milão. Mestre em Direito e Política da
União Europeia pela Universidade de Pádua. Professor de Teoria e História do Direito
Internacional nos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina. E-mail: arnodalri@gmail.com.
2 Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor
do Curso de Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC).
E-mail: juniorpozzatti@gmail.com.
Recebido em: 06/02/2012.
Revisado em: 25/08/2012.
Aprovado em: 04/10/2012.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n65p273
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1 Introdução
As comemorações em torno dos 150 anos do nascimento do Estado
italiano têm comportado uma importante releitura crítica de grande parte
dos escritos dos juristas que nos anos do Risorgimento3 contribuíram para
consolidar a existência daquele como sujeito de direito na Comunidade
internacional. Emerge de modo relevante, neste contexto, a teoria desen-
volvida pelo jurista e político Pasquale Stanislao Mancini que, no âmago
das doutrinas italianas do período, contempla o princípio da nacionalida-
de como fundamento do direito internacional.
O quadro em que Mancini insere a sua doutrina da nacionalidade –
imprescindível para a realização desta última –, tem sido, porém, pouco
abordado4.
Passados quase dois séculos, os feixes de relacionamento no âm-
bito internacional entre pessoas, empresas e Estados5 tornaram-se extre-
mamente mais intensos e complexos em relação ao momento histórico
vivido pelo jurista italiano, apresentando demandas cada vez mais arti-
culadas aos sistemas de cooperação internacional e ao direito internacio-
nal privado. Como é notório, esse fenômeno globalizante conduziu a um
incremento das relações comerciais e contratuais entre partes localizadas
3 Entre os mais signiÝcativos juristas do período do Risorgimento italiano, além de
Pasquale Stanislao Mancini, podem ser citados Giuseppe Mazzini, Pellegrino Rossi,
Daniele Manin, Giacomo Durando, Giovanbattista Giorgini Amedeo Melegari e o conde
Camillo Benso di Cavour, este último sendo artíÝce, juntamente com Giuseppe Garibaldi
e com o rei Xittorio Emanuele II, da uniÝcação italiana. Uma extensa e completa lista
pode ser encontrada no texto da conferência ministrada em 1911 por Vittorio Scajola,
posteriormente publicada em Scajola (1936, p. 1). Ver também: Giorgini (1861).
4 Entre os recentes ensaios dedicados ao tema, ver: Dal Ri Jr. (2011), Nuzzo (2007, p.
161), Colao (2001, p. 259) e Jayme (1988).
5 Neste quadro, a ausência de quaisquer limites ao sistema capitalista de organização
social parece criar estruturas econômicas que há muito desaÝam as fronteiras estatais. A
busca pela maior lucratividade diluiu as etapas de produção de um produto em diversos
países do globo, mesmo que isso se dê à custa da violação de direitos humanos. Da mesma
forma, as empresas mundialmente atuantes se tornaram tão inÞuentes politicamente
que muitas vezes menosprezam a postura do Estado nacional como Ýnanciador do
desenvolvimento organizado de uma população.
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em diferentes países. As trocas comerciais tendem, assim, cada vez mais
a não se limitarem às fronteiras nacionais outrora impostas por razões lo-
gísticas ou de política externa dos países, construídas sobre o paradigma
do Estado-Nacional6.
Trata-se de um fenômeno de flexibilização da soberania estatal que,
na prática, do ponto de vista jurídico, se materializa por meio da cada vez
mais rápida e crescente interlocução entre sistemas jurídicos nacionais.
Esta última é efetivada por mecanismos de cooperação jurisdicional, que
nada mais são do que firmes – burocráticos, melhor dizendo – instrumen-
tos processuais que fazem com que a jurisdição nacional se comunique
com a jurisdição estrangeira, ou alienígena, no dizer da doutrina privatista
pátria.
6 A crescente facilitação nas trocas comerciais entre os Estados ou entre particulares
de Estados diferentes, além da própria mobilidade humana, fomentada pelas migrações
individuais em busca de melhores condições de vida, muito corriqueiro nesse início de
século ZZI, está diretamente associada à Þexibilização do conceito de soberania dos
Estados, tanto explorada pela doutrina jurídica e política contemporânea. Ocorre que,
tanto quanto há o crescimento da interlocução entre entes de diferentes países, também
há o aumento da litigiosidade e de fatos jurídicos sedentos pela apreciação dos sistemas
judiciais ainda essencialmente nacionais, sendo que os responsáveis pela prestação
jurisdicional – gerados em ambientes estritamente positivistas – são chamados a atuar
nesse novo cenário. Cada vez mais a prestação jurisdicional – ediÝcada sobre os cânones
do direito piramidal, estatalista, que desconsidera a complexidade do processo legislativo
para reduzi-lo apenas à experiência parlamentar estatal – tem de resolver demandas
concretas que transbordam o sistema jurídico nacional. A prestação jurisdicional parece
ter chegado, então, ao mais alto nível de complexidade até então alcançado, demandando a
construção de um direito cuja eÝcácia necessariamente ultrapasse as fronteiras nacionais.
Segundo Valadão (1978, p. 67), nesse sentido, “[…] o desenvolvimento e a intensidade
sempre maiores da vida humana fazem com que várias relações sociais escapem de sua
sincronização habitual à lei de um lugar, grupo ou tempo e incidam na órbita doutras
leis, vindo a Ýcar em contato com mais de uma de tantas ordenações jurídicas espaciais
e temporais, autônomas e divergentes, que existem no mundoÑ. Tais conÞitos de leis
ocorrem com frequência crescente, dada a intensiÝcação das relações entre pessoas de
todo o mundo, quer na atividade comercial, quer na vida familiar, em consequência da
solução de problemas de validade de atos jurídicos praticados sob o império de legislação
diferente da solução do lugar onde devem produzir efeito. Problemas semelhantes podem
surgir em relação às consequências penais de atos ilícitos praticados sob jurisdição estatal
diferente.

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